segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O último imperador da Áustria e a Rainha da Paz (I)

“Pedindo aos Céus graças e bênçãos para mim e minha casa, assim como para meus amados povos... juro diante do Todo-Poderoso administrar fielmente os bens que meus antecessores me legaram. Farei tudo em meu poder para banir, com o menor atraso possível, os horrores e sacrifícios que a guerra nos traz e levar a meu povo os benefícios da paz.”
É com essa oração e promessa solene que o Imperador Carlos da Áustria, o primeiro com esse nome, inaugura seu reinado em 21 de novembro de 1916, que mal irá durar dois anos, associado às agonias da Grande Guerra e brutalmente interrompido pela revolução. Jean Sévillia acaba de dedicar um trabalho fascinante a seu respeito: Le dernier empereur, Charles d’Autriche, 1887-1922 (Perrin 2009), que completa o que já escreveu sobre a admirável esposa de Carlos: Zita, Impératrice courage (Perrin, 1997).
Nós o lemos em comunidade com mais interesse ainda, pois o relato satisfaz uma expectativa que nosso Pai (N. do t – o Abbé de Nantes) criara no número especial dedicado aos heróis da Grande Guerra. Nem os políticos, nem os historiadores, nem mesmo os teólogos jamais entenderam realmente o significado de seu sacrifício: “Permanecem como os únicos confiáveis, os únicos audíveis, mas nem ouvidos nem acreditados, os santos da Igreja que tiveram revelações e visões indubitavelmente proféticas, e as acompanharam de lições religiosas e morais a fim de que o holocausto não fosse sem mérito, sem valor aos olhos de Deus, mas, pelo contrário, que pudesse obter dEle misericórdia e graça sobre graça, até a plenitude da vitória e uma santa paz Católica que ainda não vieram para nossas multidões de heróis sacrificados...” (Georges de Nantes, Memorial dos Heróis da Grande Guerra. “Tenho compaixão pela multidão”, CCR n° 272, Dezembro de 1994, p. 1)
Carlos da Áustria não foi “do nosso lado”, dos povos latinos e católicos defrontados com a barbárie germânica e luterana; não foi favorecido com nenhuma revelação, mas hoje é abençoado e sua vida se inscreve na ortodromia “que leva todas as coisas na Cristandade até o maior bem de todos os homens, sua verdadeira conversão, e – uma vez paga a dívida – sua paz na terra e a vida eterna em Cristo.” (CRC n° 302, p. 36)
“Uma bênção para a Áustria”
Nascido a 17 de agosto de 1887, Carlos demonstrou ter desde seus mais tenros anos um caráter benevolente e sensível, um coração verdadeiro como ouro e uma profunda piedade. Destinado, como todos os príncipes de sua família, à profissão militar, tornou-se oficial aos dezoito anos e distinguiu-se pelo senso de dever, austeridade e alegria. Nada, contudo, fazia supor que o sobrinho-neto do velho imperador Francisco José seria um dia seu sucessor.
Em 21 de outubro de 1911, Carlos casou-se com Zita de Bourbon-Parma, uma bela princesa de educação e tradição francesas, de fé católica íntegra e monárquica – sua avó, a Duquesa Louise de Parma, era a irmã do Conde de Chambord. Em cada fibra de seu ser Zita era austríaca: “Jamais teria pensado na Áustria como algo estrangeiro”, escreveu. “Mesmo antes de me casar, já conhecia grande parte do país como a palma da minha mão. Era simplesmente minha pátria.” No dia de seu casamento, Carlos confidenciou à esposa: “Agora, nossa tarefa é nos ajudarmos um ao outro a ir para o Céu.”
Poucos meses antes do casamento, a princesa foi recebida com sua mãe em audiência pelo Papa Pio X, que lhe disse: “Irás casar-te com o herdeiro do trono.” Surpresa e intimidada, não ousou objetar que o herdeiro ao trono dos Habsburgos era então o Arquiduque Francisco Ferdinando e não Carlos, seu futuro marido. Pio X, no entanto, continuou: “Alegro-me bastante nisso, pois uma grande bênção será derramada em seu país por sua causa. Ele será a recompensa da Áustria pela fidelidade da nação.”
O assassinato em Sarajevo no dia 28 de junho de 1914 confirmou, embora com lágrimas e sangue, a profecia do santo. No momento que Carlos tornou-se o herdeiro presumido da coroa imperial e real, começou a espiral mortal que levaria os povos a um terrível conflito.
Ao embaixador de Francisco José, que viera pedir, em nome de seu senhor, a bênção para os exércitos austríacos, São Pio X, que tivera uma espécie de visão profética da horrorosa “guerrone” - a grande guerra – na qual o mundo se precipitara como castigo por sua impiedade, respondeu:
“Diga ao Imperador que não posso abençoar nem a guerra, nem os que a desejam: eu abençôo a paz.”
Um líder humano e cristão
Declarada a guerra, devia-se cumprir com o próprio dever e ir à linha de fogo. O Arquiduque e herdeiro podia ser visto visitando às pressas todos os frontes; ele estava em todo lugar: no fronte oriental, enfrentando os exércitos russos de Brusilov, e no sudoeste, no Tirol, onde comandou durante algum tempo as tropas de elite do Edelweiss Korps, com uma óbvia preocupação em poupar o derramamento de sangue de seus homens, que nos leva a pensar irresistivelmente no General Pétain do mesmo período.
Se a Monarquia Dual estava a ponto de se desintegrar, como era repetido ad nauseam depois da guerra para justificar os tratados de 1919 que a desmembraram, isso teria acontecido em 1914. Contra todas as expectativas, contudo, a mobilização aconteceu sem dificuldades. E mais: os regimentos lutaram valorosamente. Em outubro de 1917, os exércitos da Áustria-Hungria ainda foram capazes de infligir um desastre às tropas italianas em Caporetto.
Uma tal fidelidade e um tal valor podem ser explicados por um motivo bastante simples e positivo. O exército imperial era um cadinho onde se misturavam os sentimentos profundos, compartilhados pelos povos da bacia do Danúbio, de pertencerem a uma comunidade de destino, encarnada em uma família, a casa dos Habsburgos, e cimentada pela Fé Católica – o apoio ancestral ao trono.
Carlos, que rezava o rosário todos os dias, seja sozinho no fronte ou com seus filhos quando de regresso a Viena, viu tudo. Ele descia às trincheiras e falava à vontade com seus soldados. Armas, oficiais, campos de batalha, tudo lhe era familiar, e ele fazia um relato fiel de tudo ao Imperador, deplorando, por exemplo, que os alemães estivessem cada vez mais nas posições de comando e na condução das operações.
Contudo, como se livrar de um aliado que estava animado com fúria tão belicosa?
Um soberano amante da paz
Quando o imperador Francisco José morreu em 21 de novembro de 1916, após um reinado de sessenta e oito anos, alguém se perguntaria se a Áustria imperial teria também chegado ao fim. Durante seu funeral, todos suspeitavam disso.
“O imperador, contudo, estava lá. Ele tinha agora o rosto de um homem que mal tinha trinta anos de idade, ao lado do qual andava uma mulher jovem, já mãe de quatro filhos, coberta de luto da cabeça aos pés.”
Carlos e Zita foram coroados em 30 de dezembro de 1916, em Budapeste, de acordo com tradicional pompa e ritual. “Do ponto de vista religioso”, escreve Sévillia, “os soberanos, devotos Católicos, foram tocados pela dimensão espiritual da coroação. Do ponto de vista político, o ato apenas os obrigou, estritamente falando, na Hungria. Apesar disso, educados no fervor monárquico, julgaram que a unção por eles recebida lhes conferia o significado definitivo da missão na qual foram investidos: enquanto rei e rainha, eram os responsáveis diante de Deus por seus povos e sua coroa.” (p. 70)
A bem da verdade, sua responsabilidade em tais circunstâncias era esmagadora. Carlos a cumpriu no exercício diário das virtudes de seu estado em grau heróico. Tomando ele mesmo o supremo comando do exército, teve sucesso em impor sua própria visão das coisas: nenhum combate de infantaria sem longa e intensa preparação da artilharia. Uma nova vida começou a animar todo o exército. De sua parte, as populações civis começaram a sofrer penosamente as conseqüências do bloqueio: o reabastecimento de suprimentos começou a ficar cada vez mais difícil e a escassez de alimentos, a ocorrer... A piedade que inundou o coração do imperador, junto com seu ardente sentido de dever como soberano, obrigaram-no a procurar por todo e qualquer meio pôr um fim às hostilidades que já estavam durando demais.
Tentou, em vão, opôr-se ao plano alemão de combates submarinos em excesso, que causaram a entrada dos Estados Unidos, defensores da liberdade nos mares, no conflito. “É terrível! A Alemanha subestima a América e superestima suas forças. Berlim foi tomada pela cegueira e nos empurrará a todos nós no abismo”, confidenciou Carlos a Polzer-Hoditz, chefe do gabinete civil.
Da mesma forma, considerou loucura o apoio dado pelo quartel-general do Kaiser a Lênin em 1917, permitindo-o atravessar a Suíça até a Rússia com o único propósito de deflagrar sua revolução.
Se, em seu coração e em suas conversas, ele era oposto a seus “aliados”, na prática estava privado dos meios de pressioná-los. “Esse é todo o drama do soberano”, nota Sévillia.
Foi assim até o dia que decidiu entrar em negociações secretas com a Entente, ou seja, com a França e a Inglaterra, com vistas a concluir a paz entre soldados, com honra.
Negociações de paz
Após contato com a mãe, a Duquesa de Parma, os dois irmãos da Imperatriz Zita, Sixtus e Xavier de Bourbon-Parma, que tinham-se alistado desde o início do conflito no exército belga, entraram incógnitos na Suíça e de lá foram até Viena, onde se encontraram com o Imperador. No relato dessa tentativa de diplomacia dinástica, poder-se-ia começar a sonhar: era então possível a paz na primavera de 1917?
Em 24 de março, o Imperador Carlos confiou a seu cunhado uma carta manuscrita a ser entregue às autoridades francesas, na qual podia-se ler:
“A França tem mostrado uma força magnífica de resistência e de ímpeto. Nós todos admiramos, sem reservas, a esplêndida bravura tradicional de seu exército e o espírito de sacrifício de todo o povo francês [a batalha de Verdun acabara de ser vencida!]. É-me também particularmente agradável perceber que, embora no momento sejamos adversários, nenhuma real divergência de visões ou aspirações separa meu império da França, e que tenho o direito de esperar que minhas intensas simpatias pela França, associadas às que reinam por toda a Monarquia, evitarão para sempre o retorno do estado de guerra pelo qual nenhuma responsabilidade pode ser-me imputada... ”
Carlos ofereceu à Entente termos consideráveis: reconhecimento da neutralidade belga, reestabelecimento da Sérvia com acesso ao Adriático, apoio às “justas reivindicações francesas” na Alsácia-Lorena; em troca, pediu apenas que a integridade do estado austríaco se mantivesse. Reiterou sua oferta em uma segunda carta de 9 de maio. Seu objetivo, conforme confessou ao Conde Czernin, seu ministro de assuntos estrangeiros, era, “depois da paz, estar aliado à França como um contrapeso à Alemanha.”
Ele foi na verdade o único chefe de estado de seu tempo que desejou e propôs a paz honestamente. Outro motivo também o apressava: a revolução que acabara de eclodir em São Petersburgo podia por sua vez espalhar-se pelos impérios centrais. Carlos revelou seus pensamentos a esse respeito ao núncio em Viena, que não os levou a sério. O Imperador se entristeceu com isso: “O núncio acredita que falo pela minha própria casa, mas nada é menos correto. Na verdade, trata-se de coisas que são muito mais importantes do que manter o trono; trata-se da segurança e da paz da Igreja, assim como da salvação eterna de muitas almas que estão em perigo.”
(Irmão Thomas de Notre-Dame du Perpétuel Sécours, The Last Emperor of Austria and The Queen of Peace)