quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O último imperador da Áustria e a Rainha da Paz (II)

As intenções da Rainha do Rosário
Carlos havia colocado seus planos de paz sob a proteção da Virgem Maria, cuja imagem decorava as bandeiras dos regimentos imperiais. Em 15 de abril de 1917, ele foi à Catedral de Santo Estêvão em Viena fazer voto de construir uma igreja dedicada à Rainha da Paz, e oferecer-se a ela como seu instrumento, se ela assim o desejasse.
Por sua vez, o Papa Bento XV, que acreditava “na força moral do que é correto”, adicionou às Litanias de Loretto, em 5 de maio de 1917, a invocação “Regina Pacis, ora pro nobis”. “Ele pediu”, escreve nosso Pai, “que houvesse orações pela paz para que Deus pudesse dá-la ao mundo apesar dos beligerantes que nem queriam rezar nem se desarmar.” (CCR n° 272, p. 4)
Como resposta, a 13 de maio Nossa Senhora apareceu às crianças de Fátima para mostrar as condições desta paz tão desejada:
“Recitem o Rosário todos os dias para obter a paz para o mundo e o fim da guerra.”
- “Pode me dizer”, perguntou Lúcia, “se esta guerra ainda vai continuar por muito tempo ou se vai acabar logo?”
- “Não posso ainda lhe dizer isso, até que lhe tenha dito também o que quero.”
“Assim, a humanidade pede primeiramente seu bem imediato e temporal. Nossa Senhora, adiando-o para mais tarde, faz lembrar à humanidade que ele não é o bem mais necessário, nem o melhor, e sim a conversão, tendo o Céu como seu objeto. O grande mal não é a guerra, mas o pecado, que leva as pobres almas ao Inferno e desencadeia guerras e revoluções.” (G. de Nantes, Carta a Meus Amigos n° 247) Em 13 de julho de 1917, a Virgem Maria revelou seus planos secretos de misericórdia, cuja realização homens ingratos e rebeldes iriam adiar indefinidamente: “A guerra vai acabar, mas se não pararem de ofender a Deus, uma outra pior começará no reinado de Pio XI...”
Já em 1917, uma falsa paz e um período pós-guerra calamitoso estavam sendo preparados, dos quais Carlos da Áustria seria uma das primeiras vítimas, enquanto das partes desarticuladas de seu Império, separadas da cabeça, brotaria a fagulha da outra guerra “pior”.
A conspiração demoníaca
Os primeiros a recusarem a mão estendida do Imperador Carlos foram os republicanos franceses. Sévillia, seguindo o historiador François Fejtö em seu “Requiem pour un Empire défunt” (Paris, 1988), detalha as fases dessa cegueira criminosa, desde a supressão das propostas austríacas pelo socialista radical Alexander Ribot e seu cúmplice italiano Sonnino em Abril-Maio de 1917, até a primavera de 1918 quando o “ignóbil Clemenceau”, como nosso Pai o chama, comunicou à imprensa a carta secreta de Carlos datada de 24 de março de 1917. Ele repudiou os compromissos assumidos e só por isso contribuiu para jogar a Áustria nos braços da Alemanha definitivamente.
Havia redes em Paris e Londres, como o “Conselho Nacional Tchecoslovaco”, criado pelos maçons Benes e Masaryk, cujo lema era “destrua a Áustria-Hungria”. Em junho de 1917, deu-se uma conferência internacional maçônica dos países aliados e neutros em Paris. Entre suas resoluções, as pretensões “tchecoslovacas” e “iugoslavas” à autonomia visavam a destruição da Monarquia Dual, o último obstáculo à revolução maçônica na Europa, bastião da detestada Contra-Reforma e do Catolicismo político.
“Foi em 1918 que o vento virou”, afirma Sévillia. O presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, concordou com tais resoluções ao publicar, em 8 de janeiro de 1918, seus “catorze pontos para o estabelecimento da paz universal”. As barreiras econômicas deveriam ser suprimidas, a Rússia bolchevique deveria ser apoiada e, em nome do direito dos povos à autodeterminação, a Áustria-Hungria deveria ser desmanchada (Artigo 10) e a Alemanha, poupada...
Ah! Eis o belo programa, elaborado pelo parceiro de Wilson no crime, o pseudo-coronel House, um dos mais influentes defensores da nova ordem mundial. O ano de 1918 não terminaria sem que o programa estivesse totalmente realizado.
Pobre Carlos, que pensou seria uma boa idéia escrever para o presidente americano e não recebeu resposta! Para qualquer lado que se voltasse, só encontrava desprezo e repulsa. Uma campanha de difamação contra o casal real no inverno de 1918 causou estragos no Império; na investigação, descobriu-se que partira do embaixador alemão em Viena e da Liga Evangélica do Norte!
Sob a égide do Ralliment
“Não basta que eu seja o único a desejar a paz”, confessou Carlos a Polzer-Hoditz, “mas devo também ter todo o povo e os ministros ao meu lado”.
O povo certamente era seu desde o começo; nunca uma monarquia angariou tão rapidamente o apoio de seus súditos. Suas maneiras simples, suas reformas sociais – ele foi o primeiro na Europa a instituir um ministério da saúde e da assistência social – e a presença a seu lado da Imperatriz Zita, que multiplicava as obras de caridade, contribuíram bastante para isso.
Os “representantes” do povo, por outro lado, só lhe causaram dificuldades, e é surpreendente que uma das primeiras medidas de Carlos tenha sido a convocação do parlamento austríaco, fechado desde 1914. “O jogo democrático na Áustria-Hungria”, pensava o soberano, “é mais necessário ainda, porque as potências ocidentais vangloriam-se de empreender uma guerra entre estados legalmente constitucionais e estados reacionários. Fazer da Áustria-Hungria um estado moderno é neutralizar a propaganda aliada.” (p. 108) Foi um passo em falso. Como se Carlos não tivesse dito a Polzer-Hoditz: “O finado Imperador Francisco José sempre repetia para mim, para que eu não esquecesse, que esta história de responsabilidade ministerial é só uma piada. Na realidade, somos nós que temos a responsabilidade.”
Havia poucos homens de talento que o ajudassem a governar, enquanto as rivalidades de partido e nacionais obstruíam suas reformas justas, em particular seu projeto federalista. Se há uma lição a se aprender desse fato, é que a vida parlamentar é incompatível com a condução da guerra. O mais desconcertante nessas páginas é ver que a benevolência natural de Carlos, por falta de uma doutrina política sólida, freqüentemente se tornava uma confiança excessiva em seus inimigos políticos. Ao mesmo tempo, ele professava uma tocante fé nas aspirações dos povos, que “eliminam os exageros por si mesmos” [sic!]. Nisso ele se mostrava mais um discípulo de Leão XIII e Bento XV do que de Pio X.
No momento crítico, os bispos austríacos furtaram-se a seu tradicional papel de apoiar o trono. Em 12 de novembro de 1918, os deputados socialistas-cristãos, que compunham a maioria da assembléia e haviam jurado fidelidade ao monarca poucos dias antes, uniram-se pela república. “Uma república sem republicanos” era a manchete do Arbeiterzeitung, o jornal social-democrata, tão evidente era que a mudança de regime não fora desejada pelo povo, mas pela classe política.
Foram marcadas eleições para o dia 16 de fevereiro de 1919. Sévillia relembra: “Mons. Seydl, em Eckartsau, onde a família real se refugiara, tinha em mãos o texto de uma carta pastoral do Arcebispo de Viena, Cardeal Piffl, a ser publicada em nome do episcopado austríaco, pedindo que os Católicos votassem. Era o reconhecimento do novo regime pela Igreja.
“Em 15 de janeiro de 1919, Carlos escreveu a Mons. Piffl que conseguisse dos padres a recomendação, a seus rebanhos, do voto em deputados não somente Cristãos, mas também fiéis ao trono. Nessa carta o monarca insiste que o ensinamento de Leão XIII, chamando à ação dentro dos limites das instituições estabelecidas, não podia ser invocado no caso austríaco, onde a república havia sido obra de uma revolução... Esforço em vão: em 23 de janeiro, a carta do episcopado foi lida em todos os púlpitos. Era um apelo para trabalhar pelo futuro da sociedade e da pátria e reconhecer a forma de estado no espírito da Epístola de São Paulo aos Romanos – ‘todo poder vem de Deus’ – e da encíclica Immortale Dei de Leão XIII.” (p. 228) Uma nauseante e mortal conjuração!
Quanto ao Papa Bento XV, em resposta à magnífica carta que Carlos lhe endereçou a 28 de fevereiro de 1919, na véspera de partir para o exílio, instou ao Imperador que achasse “na Fé e no abandono a Deus a força de consentir no sacrifício que dele se exigia”. Roma havia virado a página. No mesmo momento, contudo, o comunista Béla Kun estava infligindo fogo e banho de sangue na Hungria.
A morte de um santo
O imperador, que não havia abdicado, tentou por duas vezes, em março e outubro de 1921, restaurar seu trono na Hungria, onde fora ungido e coroado “Rei Apóstolo”, e onde o próprio regente, Horthy, tinha-lhe dado uma certa esperança. Foram duas tentativas infortunadas, que bem lembram Luís XVI em Varennes ou o Conde de Chambord em Versalhes e nos fazem lamentar, junto com nosso Pai, à leitura dessas lastimáveis páginas, que nos momentos decisivos, quando se precisava mostrar audácia e forçar o destino, a legitimidade não estava armada com a virtude da fortaleza.
Relegado com sua família à ilha da Madeira, abandonado e destituído de qualquer ajuda, Carlos da Áustria, que jamais reclamava e que perdoava seus inimigos – sinal de um verdadeiro cristão! - morreu como um santo no Sábado de Aleluia, em 1º de abril de 1922, oferecendo a própria vida em sacrifício por seu povo. Tinha então trinta e quatro anos. "Estamos sofrendo agora, mas depois virá a ressurreição", murmurou sua heróica esposa junto a seu leito de morte. A aurora de sua ressurreição começou a irromper no dia 3 de outubro de 2004, quando Carlos da Áustria assumiu seu lugar entre os Abençoados. Uma "grande bênção" se derramou então sobre seu país.”
(Irmão Thomas de Notre-Dame du Perpétuel Sécours, The Last Emperor of Austria and The Queen of Peace)