terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A proposta esquecida de Hilaire Belloc

“Em seu grande livro A crise de nossa civilização, Hilaire Belloc abandona sutilmente o fio de seu relato para fazer uma digressão muito incisiva, propondo à minoria católica inglesa a fundação de um periódico, cujo plano e condições expõe em seguida de forma minuciosa. Belloc afirma que deve ser um periódico de interesse geral, não clerical, com um diretor capaz, remunerado convenientemente, e mantido por uma fundação que lhe assegurasse permanência. Na visão de Belloc, uma publicação tal não deveria ocupar-se de informação religiosa, mas de todas as grandes questões políticas, culturais ou econômicas, vistas “com critério católico mas não com óculos católicos”; quer dizer, não com a tônica devota do paroquiano, mas com o teor do pensador acostumado. Considerava Belloc que um periódico assim era o melhor que se podia fazer para promover a fé católica na Inglaterra; e, naturalmente, postulava-se a si mesmo como diretor. É óbvio que sua proposta nunca chegou a materializar-se: quando quis fundar esse periódico, negaram-lhe os fundos, que se gastaram em obras de duvidosa beneficência e em financiar publicações insulsas. Já passou quase um século desde então. Mas aquela petição nunca atendida de Belloc continua nos interpelando.
Uma das razões primordiais do esgotamento da minoria católica espanhola (pois minoria ela é, ainda que as estatísticas triunfalistas que se propagam desde âmbitos oficiais pretendam o contrário) é a inexistência de meios de comunicação que expliquem a realidade com critério católico. Porque (deixando de lado aqueles meios que se ocupam de assuntos religiosos, cuja existência é muito necessária e benemérita, mas insuficiente para que uma cabeça se mantenha católica) na Espanha todos os meios de comunicação “generalistas” que analisam a situação política e econômica, tanto nacional como internacional, longe de explicar a realidade com critérios católicos, fazem-no com critérios por completo alheios, quando não adversos, ao pensamento católico, com submissões ideológicas vergonhosas que estão transformando os católicos que os freqüentam em híbridos de tal ou qual facção política. Trata-se de uma questão extraordinariamente grave e de muito difícil recomposição; e, sem dúvida, de uma das causas mais evidentes do esfriamento ou resfriamento da fé. Sempre, quando se abordam as causas da secularização dos países católicos, trazem-se à colação muitos “ismos” (quer seja o relativismo, quer o hedonismo...) e nunca se fala do “ismo” que estraga mais, que não tem uma procedência exógena, mas que está inserido no coração mesmo do corpo católico, que é o “farisaísmo”, definido por Péguy como o esvaziamento da fé e seu posterior preenchimento com borra ideológica. Quando um católico está recebendo constantemente, através dos meios de comunicação, doutrina econômica ou política contrária à doutrina social católica, acaba desencarnando sua fé, esvaziando-a de sentido, pois a fé só é tal quando se derrama sobre as realidades naturais; e inevitavelmente termina transformado em um fariseu (ou talvez em um cínico, se é que ambas as coisas não são a mesma).
Talvez este esvaziamento da fé não provoque apostasias estrondosas, nem abandonos massivos da Igreja, pois o católico que deixa que sua fé se corrompa com doutrinas políticas, sociais ou econômicas adversas nem sequer o percebe. Mas é uma via de propagação massiva da “apostasia silenciosa”, que deixou paralítica e resignada à extenuação a que antigamente se chamava “Igreja militante”, termo que hoje suspeito que se consideraria de mau gosto.”
(Juan Manuel de Prada, Sin Criterio Católico)