sábado, 5 de novembro de 2011

Revolução sexual e bem comum

“Por que não permitir que dois homens que sentem atração sexual um pelo outro finjam que estão casados? O próprio fato de estarmos fazendo essa pergunta já mostra que aceitamos a premissa da revolução sexual, ou seja, essencialmente, que é assunto somente delas o que duas pessoas fazem com seus corpos, contanto que não prejudiquem ninguém. Por “ninguém” entendemos as pessoas envolvidas no ato sexual e, algumas vezes, embora com menos segurança e sem maiores preocupações, um cônjuge distraído que por acaso não esteja na cama naquele momento, mas talvez fazendo compras para o jantar ou instalando canos em um canteiro de obras. Por “prejudicar” entendemos óbvia violência física ou psíquica. Franzimos o cenho ao estupro e, depois de duas gerações de sorrisos e piscadelas, à pedofilia. Tudo o mais é permitido.
O estranho dessa premissa é que, apesar de tão amplamente aceita, ela é surpreendentemente fraca. A pessoa que a proclama se separa, de fato, de todas as considerações das virtudes cardeais da prudência, justiça, fortaleza e temperança. Pois ela diz, “quanto ao comportamento sexual, contanto que ninguém seja forçado ao ato, e, talvez, que nenhum cônjuge seja traído, as exigências de virtude não são aplicáveis.” A justificativa do ato sexual está localizada no desejo mesmo, e o desejo é considerado um fato bruto, um pressuposto. Mas essa é uma premissa que rejeitaríamos imediatamente em qualquer outra esfera da ação humana. De fato, sabemos que a verdadeira razão de infundirmos virtudes em nós mesmos e em nossos filhos é fazermos a coisa certa apesar do que viermos a desejar, e mais, aprendermos a desejar o que é certo por ser certo, assim como devemos desejar conhecer a verdade por ser verdadeira. Jamais diríamos, mesmo para um homem de saúde perfeita, “seu desejo de passar doze horas por dia jogando videogame deve ser respeitado, porque é seu desejo.” Ao invés, diríamos, “você não deveria estar fazendo isso; é um truncamento da sua humanidade; é fazer a coisa errada, e você deveria aprender a desejar outra coisa.” Não diríamos a uma pessoa que gastou mil dólares por mês em sapatos, “se isso é o que você quer, eu devo respeitá-lo.” Ao invés, diríamos, “você está dilapidando seu dinheiro, que poderia ser usado de uma forma melhor. Isso também é um truncamento de sua humanidade. É claro que eu sei que você quer fazer isso; e aí é que está o problema. Você deveria aprender a desejar algo melhor.”
A diversão com jogos sem sentido e a compra de toneladas de sapatos são coisas triviais em comparação com nosso comportamento sexual. Em relação a trivialidades, a lei deveria ter pouco a dizer. Mas nosso comportamento sexual está longe de ser uma trivialidade. Na verdade, as mesmas pessoas que, por um lado, pretendem que ele seja tão trivial que deva passar despercebido pela lei, por outro exaltam-no enquanto magneto da vida humana, e tanto, que qualquer impedimento de autonomia sexual atingiria o próprio cerne do nosso ser. Mas não podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo. Na verdade, posso imaginar poucas coisas mais profundamente determinantes do modo como será uma sociedade, ou mesmo se será de algum modo uma sociedade genuína, do que nossos costumes a respeito de homens e mulheres, seu namoro, seu casamento, seus deveres um para com o outro e a criação de seus filhos. O sexo – tanto a distinção entre homem e mulher, como o ato que une homem e mulher no abraço que é essencialmente orientado para o futuro – é uma consideração fundacional de toda pessoa. Quando perguntamos, “será permitido a um homem ter mais de uma esposa?” ou “será permitido que homens e mulheres se divorciem à vontade?”, estamos perguntando, quer entendamos completamente ou não, “que tipo de cultura, se for o caso, queremos compartilhar?”
E esse compartilhamento de uma cultura traz-me ao ponto essencial. É fato evidente que aquilo que duas pessoas fazem no quarto não está confinado ao quarto. A prova mais óbvia desse fato pode ser vista ao nosso redor em todo lugar, andando com duas pernas. São as criaturas conhecidas como crianças. Depois de várias investigações científicas conduzidas por pessoas de impecável honestidade, diligência e inteligência, hoje em dia já se pode afirmar, com certeza absoluta, que a relação sexual entre um homem e uma mulher saudáveis tem a conseqüência previsível e natural, inserida na própria estrutura do ato, de produzir crianças – é o significado biológico evidente do fato. É bem possível que, em épocas menos esclarecidas, as pessoas acreditassem que fosse o prelúdio para a chuva ou para a guerra entre as nações, mas hoje em dia já temos certeza que quando João e Maria se encontram, um bebê está esperando para formar um trio.
Também é fato óbvio que as crianças merecem ser criadas conjuntamente por uma mãe e por um pai. Isso não deveria ser mais controverso que afirmar que elas merecem ser alimentadas bem, agasalhadas e amadas. O menino precisa de um pai para ensiná-lo como ser um homem; a menina precisa de um pai que a proteja e que afirme sua dignidade de ser amada por um homem; e, quanto à necessidade da criança por uma mãe, ela é tão óbvia que somente os loucos e os modernos educadores ousariam negá-la. Se negarmos que as crianças devam ser criadas em famílias estáveis, com mãe e pai, basta que olhemos para nossas prisões superlotadas e perguntemos quantos dos homens aprisionados cresceram em lares desfeitos. Em outras palavras, quando estamos falando de sexo, nós devemos falar sobre o bem comum. A maneira como tratamos nossos corpos quando adoecemos – essa é certamente uma questão de bem comum, o bem que é tal em virtude de ser compartilhado, gozado por todos não somente como indivíduos, mas também como pessoas unidas, uma sociedade genuína. Somos um povo fundamentalmente diferente – não somente como indivíduos, mas como povo – se preferimos jogar nossos doentes nas valas para morrer a cuidarmos deles com a dignidade que merecem, não porque eles poderiam viver para nos trazer lucro ou a si mesmos, mas simplesmente porque são seres humanos e, portanto, sagrados. Assim, também o modo como tratamos nossos desejos corporais – isso é também uma questão de bem comum.
E é aqui que os revolucionários fracassam. Eles começaram, nos velhos e grisalhos dias de Herbert Marcuse, justificando as novas “virtudes” da expressão sexual sob o argumento de que seríamos uma sociedade mais solta, amigável, suave, menos violenta e mais bonita. Bem, isso certamente não aconteceu. Aquarius tinha um pote quebrado. Dê uma olhada em Baltimore, em Detroit, nas famílias sem pai, na praga do divórcio, no desprezo feroz de um sexo pelo outro, nas prisões, no esgoto dos entretenimentos de massa, nas crianças “instruídas” e esgotadas, nas doenças venéreas, no completo tédio das revistas para mulheres, ostentando a última dica para o sexo mais ardente ou as cinco maneiras novas e aprimoradas de conseguir o que você quiser de seu parceiro de cama. Os revolucionários do sexo já estão há muito tempo pedindo a pergunta. Eles dizem, “nós deveríamos poder fazer isto, porque todos os desejos sexuais, a não ser o estupro e (algumas vezes) o adultério, deveriam ser tolerados – não só tolerados, mas encorajados, até mesmo homenageados nas leis.” Mas isso é justificar a revolução sexual dizendo que a revolução sexual é justificada. Que eles façam mais. Que aleguem que a revolução sexual – em sua inteireza – conduziu ao bem comum. Que aleguem que uma sociedade, se é que se pode chamar assim, onde um menino de dez anos sabe tudo sobre sodomia, é um lugar melhor do que uma sociedade em que ele não tem a menor idéia daquilo, mas está muito ocupado colecionando figurinhas de baseball. Que aleguem que uma sociedade na qual uma menina de dez anos deve esperar uma vez todo mês para ver seu pai, se a nova parceira de cama deste não se interpuser, é um lugar melhor do que uma sociedade na qual jamais lhe passará pela cabeça que sua mãe e seu pai venham algum dia a se separar.
Em outras palavras, que a revolução sexual se justifique em razão do bem comum. Acredito que ela falha no teste miseravelmente, com evidências de peso, óbvias, múltiplas, lógica e antropologicamente deduzíveis e claramente previsíveis pela sabedoria tanto de pagãos quanto de cristãos. Que eles defendam sua posição ao invés de afirmarem um princípio que, na verdade, destruiria a própria noção de bem comum. Pois se não pudermos apelar para o bem comum em matéria tão fundamental, não vejo como poderíamos apelar para ele em qualquer outra situação.”
(Anthony Esolen, Sexual Revolution: Defend It, If You Can)