“Podemos falar de duas correntes de pensamento e ação que procedem da Declaração dos Direitos do Homem: a corrente do Liberalismo rousseauniano-maçônico e a corrente do Socialismo, Coletivismo e Comunismo. A corrente do Liberalismo, é certo, já existia antes da Revolução Francesa – é a própria essência da filosofia de Locke, como vimos – mas foi bastante reforçada pela deificação maçônica do homem na Revolução. De acordo com a doutrina consagrada no simbolismo maçônico, todo homem, enquanto emanação da substância única, é um ser absolutamente independente. Todos os homens são, portanto, igualmente Deus, sujeitos a ninguém e completamente livres de quaisquer obrigações uns para com os outros. E o homem que nasce livre é indivíduo e animal, com suas necessidades materiais e suas paixões clamorosas. Como a ação desimpedida é uma exigência absoluta da natureza humana enquanto divina, é apenas visando garantir mais prontamente a maior soma possível de satisfações materiais que os seres humanos entram em sociedade. Se atentarmos cuidadosamente à doutrina da divindade imanente ou autonomia do homem como indivíduo expressa na Declaração, logo perceberemos que o primeiro artigo da Declaração, ou seja, “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos”, contribuiu bastante para reforçar as correntes opostas do Liberalismo e do Socialismo ou Comunismo. Nenhuma dessas teorias compreende a distinção entre o homem como pessoa e o homem como indivíduo (...).
Segundo a doutrina tomista, o homem é um membro individual da sociedade dotado de razão e conseqüentemente do poder do livre arbítrio, tendo em vista o desenvolvimento de sua personalidade por meio de sua adesão a Cristo. A partir do momento que um indivíduo humano se destina por sua natureza a viver em sociedade, ele tem o direito, como pessoa, de exigir da sociedade o mínimo do Bem Comum que o permitirá viver dignamente como pessoa humana, mas ele tem também os correspondentes deveres para com a sociedade e não pode se comportar como um todo autônomo, unicamente para o qual a sociedade existe. Portanto, como pessoas, todos os homens são iguais e têm direitos iguais àquele mínimo, mas embora iguais como pessoas, por serem membros da espécie humana e membros atuais ou potenciais de Cristo, os seres humanos são desiguais como indivíduos, devido à desigualdade de suas condições individuais. Seus direitos individuais concretos são, dessa maneira, desiguais. Toda organização da sociedade deve respeitar tanto a específica igualdade das pessoas humanas como a desigualdade individual dos indivíduos humanos.
É precisamente isso o que nem o Liberalismo nem o Socialismo conseguiram compreender. O Liberalismo destacou a primeira parte do Artigo I da Declaração de 1789, qual seja, “os homens nascem livres”. Cada homem com suas necessidades materiais e paixões é um todo autônomo, absolutamente livre, com liberdade irrestrita. O indivíduo é assim seu próprio fim para si mesmo, e o único objetivo da sociedade é manter essa autonomia. Na presença da desigualdade de condições, contudo, pela qual a pretensa liberdade incondicional é constantemente frustrada, o Liberalismo sacrifica o fraco ao forte e obriga o fraco a respeitar os contratos feitos com o forte por extrema necessidade, embora com todos os sinais exteriores da liberdade. O Liberalismo na prática sacrifica a igualdade fundamental das pessoas humanas. No começo do Liberalismo acreditava-se, com Adam Smith e Quesnay, que o respeito às “leis da natureza” levaria a um funcionamento esplendidamente harmonioso da sociedade. Com o passar do tempo, especialmente após a Revolução Francesa e diante das injustiças gritantes dos resultados da “liberdade”, tudo que se podia afirmar, com Malthus e Ricardo, era que embora as coisas estivessem ruins, qualquer tentativa de interferência nas “leis da natureza” levaria a males ainda piores.
A opressão dos fracos pelos fortes levou à coalizão dos fracos na tentativa de defender os direitos fundamentais da natureza humana, na qual todos são iguais. Infelizmente, a liderança da reação foi tomada pelos socialistas e comunistas impregnados com a mesma doutrina revolucionária da “autonomia do indivíduo”. Eles inauguraram um sistema tão anti-social quanto o outro, ressaltando a segunda parte do Artigo I da Declaração, ou seja, “os homens nascem iguais”. Em nome da igualdade essencial da natureza humana eles pretendiam suprimir a desigualdade acidental e inevitável das condições humanas. A única maneira de conseguir isso era suprimir a presente organização da sociedade na qual a lei mantém a desigualdade de condições, principalmente através da propriedade privada, e reconstruir uma sociedade na qual todos os cidadãos seriam iguais não apenas de jure mas de facto. Nessa sociedade ideal, o Estado deverá possuir tudo e obrigar todos, sem distinção de classes, a trabalharem pelo Bem Comum, distribuindo a cada um seu quinhão devido da riqueza comum.
Os liberais estão certos em admitir, opondo-se aos socialistas e comunistas, a natural desigualdade das condições humanas, mas sua falsa doutrina da autonomia do indivíduo, ou seja, da liberdade incondicional de uma criatura decaída, leva na prática à negação dos direitos dos seres humanos à maioria.
Por seu lado, em nome da mesma falsa doutrina, os socialistas e comunistas querem suprimir a desigualdade de condições. Todos são igualmente homens, querendo eles dizer com isso indivíduos autônomos, e para se chegar à igualdade deve-se reorganizar a sociedade com base na supressão das desigualdades. Como a propriedade privada é a principal causa das desigualdades, deve-se começar pela sua supressão. Dado o falso fundamento de ambas doutrinas, que é a deificação rousseauniana-maçônica do indivíduo, não há solução para o problema. Se a sociedade for, como a Declaração de 1789 e o Contrato Social de Rousseau supõem, uma simples justaposição material de indivíduos autônomos, então, ou em nome da liberdade os fortes oprimirão os fracos, ou em nome da igualdade os manipuladores da coalizão oprimirão a todos. Em ambos os casos, os homens serão tratados como meros indivíduos, não como pessoas.
Uma vez que o único objetivo da sociedade, de acordo com os princípios de 1789, é permitir que os indivíduos se entretenham livremente como deuses sem qualquer restrição, é óbvio que todo Estado deve ser projetado nos termos do Contrato Social de Rousseau. Um tal Estado será composto exclusivamente de indivíduos que são unidades aritmeticamente iguais e completamente independentes umas das outras, sob um governo emanado da soma das vontades individuais. Da mesma forma, toda sociedade distinta do Estado deve ser dissolvida e o trabalho de destruição não deve cessar até que o Estado governe sobre partículas de poeira humana. As Corporações ou Guildas foram-se primeiro. Os Decretos Chapelier de junho de 1791 cuidaram disso. Então o ataque à família por meio das leis naturalistas do divórcio, leis regulando a herança de propriedade, leis sobre a escola, completaram o trabalho corruptor iniciado pelo individualismo protestante. Como o Socialismo e o Comunismo aceitaram o mesmo princípio desintegrador do indivíduo enquanto Deus, eles mantiveram esse ataque à família, ainda que tentassem, com sindicatos e cooperativas, proteger os trabalhadores das conseqüências do individualismo. Esses expedientes temporários destinam-se a dissolver-se tão logo o Estado Comunista esteja montado. Assim, a mesma forma de Estado onipotente e onívoro, no qual os homens serão tratados como meros indivíduos, será a conseqüência lógica das duas correntes originadas nos princípios de 1789.”
(Rev. Denis Fahey, C.S.Sp, The Mystical Body of Christ and the Reorganization of Society)
Padre ¿por qué me has abandonado? (II)
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