quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O Cristianismo não é uma adaptação do Mitraísmo


“Uma semelhança entre Mitra e Cristo impressionou até mesmo antigos observadores, como Justino, Tertuliano e outros Padres, e nos últimos tempos tem sido usada para provar que o Cristianismo é apenas uma adaptação do Mitraísmo ou no máximo o resultado das mesmas idéias e aspirações religiosas (por exemplo, Robertson, "Pagan Christs", 1903). Contra esse procedimento errôneo e não científico, que não é endossado pela maior autoridade viva do Mitraísmo, as considerações a seguir devem ser apresentadas.
(1) Nosso conhecimento sobre o Mitraísmo é muito imperfeito; cerca de 600 inscrições breves, a maioria dedicatórias, cerca de 300 monumentos em sua maioria fragmentários, exíguos e quase idênticos, algumas referências ocasionais nos Padres ou Atos dos Mártires e uma breve polêmica contra o Mitraísmo que o armênio Eznig, c. 450 d. C, provavelmente copiou de Teodoro de Mopsuéstia (m. 428), os quais viveram quando o Mitraísmo já era quase uma coisa do passado - essas são nossas únicas fontes, a menos que incluamos o Avesta, em que Mitra é realmente mencionado, mas que não pode ser uma autoridade para o Mitraísmo romano com o qual o Cristianismo é comparado. Nosso conhecimento é principalmente um trabalho de adivinhação engenhoso; do verdadeiro funcionamento interior do Mitraísmo e do sentido em que foi entendido por aqueles que o professavam quando do advento do Cristianismo, nada sabemos.
(2) Algumas aparentes semelhanças existem; mas em vários detalhes é bem provável que o Mitraísmo tenha tomado emprestado do Cristianismo. Tertuliano, ao redor de 200 d. C, podia dizer: "hesterni sumus et omnia vestra implevimus" ("somos de ontem, mas seu mundo inteiro está cheio de nós"). Não seria antinatural supor que uma religião que se espalhou pelo mundo inteiro fosse copiada, pelo menos em alguns detalhes, por outra religião bastante popular durante o terceiro século. Além disso, as semelhanças apontadas são superficiais e externas. Semelhança em palavras e nomes não é nada; é o sentido que importa. Ao longo desses séculos, o Cristianismo cunhou seus próprios termos técnicos, e naturalmente tomou nomes, termos e expressões correntes naqueles dias; e o mesmo fez o Mitraísmo. Mas sob termos idênticos, cada sistema pensava com seus próprios pensamentos. Mitra é chamado mediador; e assim o é Cristo; mas Mitra originalmente apenas em um sentido cosmogônico ou astronômico; Cristo, sendo Deus e homem, é por natureza o Mediador entre Deus e o homem. E assim em casos semelhantes. O Mitraísmo tinha uma eucaristia, mas a idéia de um banquete sagrado é tão antiga quanto a raça humana e existiu em todas as idades e entre todos os povos. Mitra salvou o mundo sacrificando um touro; Cristo, sacrificando a Si mesmo. Dificilmente é possível conceber uma diferença mais radical do que aquela entre Mitra tauróctono e Cristo crucificado. Cristo nasceu de uma virgem; não há nada que prove que o mesmo se acreditava de Mitra, que nasceu de uma rocha. Cristo nasceu em uma caverna; e os mitraístas adoravam em uma caverna, mas Mitra nasceu debaixo de uma árvore, perto de um rio. Muito se falou da presença de pastores adoradores; mas sua existência em esculturas não foi comprovada e, considerando que o ser humano ainda não havia aparecido, é um anacronismo supor sua presença.
(3) Cristo era um personagem histórico, nascido recentemente em uma conhecida cidade da Judéia, e crucificado sob um governador romano, cujo nome figurava nas listas oficiais comuns. Mitra era uma abstração, uma personificação nem sequer do sol, mas da luz difusa do dia; sua encarnação, se assim se pode chamar, deveria ter acontecido antes da criação da raça humana, antes de toda a história. As pequenas congregações mitraicas eram como lojas maçônicas para uns poucos e somente para homens, e estes pertenciam em sua maioria a uma classe, os militares; uma religião que exclui a metade da raça humana não tem comparação com a religião de Cristo. O Mitraísmo era compreensivo e tolerante com todos os outros cultos; o próprio Pater Patrum era adepto de várias outras religiões; O Cristianismo era essencial e exclusivo, condenando todas as outras religiões do mundo, sozinho e único em sua majestade.”

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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Mao estava disposto a sacrificar metade da população da China pela vitória da revolução mundial


“Perto de trinta e oito milhões de pessoas morreram de fome ou de exaustão no curso dos quatro anos que durou o ‘Grande Salto Avante’. Esta cifra, o próprio Liu Shao-Chi, número dois de Mao, a confirmou (...) “Esta fome foi a pior do século XX ‒ e até de toda a História. Mao causou conscientemente a morte dessas dezenas de milhões de pessoas esfomeando-as e esgotando-as pelo trabalho. (...) “Para dizer tudo, Mao previra um número de vítimas mais considerável ainda. Ainda que o 'Grande Salto' não tivesse outro objetivo que eliminar chineses, Mao estava pronto para que houvesse hecatombes e fez entender aos dirigentes que eles não deveriam se mostrar chocados se acontecessem. “No Congresso de 1958, no qual foi dada a partida do ‘Grande Salto’, ele explicou a seu auditório que se pessoas morriam em conseqüência da política do Partido, não seria preciso se assustar, mas se regozijar. (...) “A morte é verdadeiramente uma causa de regozijo (...). Dado que nós acreditamos na dialética, não podemos ver nela senão um benefício”. “Esta filosofia, ao mesmo tempo despachada e macabra, foi transmitida de degrau em degrau até os dirigentes de base. (...) “Nós estamos dispostos a sacrificar 300 milhões de chineses pela vitória da revolução mundial” declarou em Moscou em 1957, ou seja, a metade da população de então. Ele o confirmou diante do Congresso do Partido, em 17 de maio de 1958: “Não façam, pois, tantas histórias a propósito de uma guerra mundial. Na pior das hipóteses, ela causará mortes (...) a metade da população desapareceria (...) a melhor das hipóteses é que uma metade da população fique com vida, se não pelo menos um terço...” “Mao não pensava somente na guerra. Em 21 de novembro de 1958, evocando diante de seus conselheiros mais próximos os projetos que exigiriam mão de obra enorme, como as campanhas de irrigação e o fabrico de aço, ele declarou, reconhecendo de modo implícito e quase boçal que os camponeses que não tinham o que comer deviam se matar no trabalho: “Trabalhando desse modo, em todos esses projetos, a metade dos chineses deverá talvez morrer. Se não é a metade, será talvez um terço, ou um décimo ‒ digamos 50 milhões de pessoas”.”
(Jung Chang e Jon Halliday, Mao)

terça-feira, 30 de julho de 2024

O aborto e a contracepção na Roma antiga


“As adoções e a ascensão social de certos libertos compensavam a fraca reprodução natural, pois a mentalidade romana é bem pouco naturalista. Aborto e contracepção eram práticas usuais, mas o que deturpa o quadro feito pelos historiadores é que os romanos abrangiam sob o termo aborto métodos cirúrgicos que também chamamos como tal e outros que denominamos de contracepção… Pois em Roma pouco importa o momento em que a mãe se livra de um futuro filho indesejado.
Nem os moralistas mais severos podiam impor à mãe o dever de guardar seu fruto: nem sequer pensaram em reconhecer ao feto o direito de viver. O recurso a um método de contracepção é difuso em todas as classes da população; santo Agostinho refere-se a "amplexos nos quais se evita a concepção" não como uma coisa rara e os condena, mesmo que ocorram com a esposa legítima; ele distingue contracepção, esterilização por meio de drogas e aborto e os condena igualmente. Alfred Sauvy escreveu: "Pelo que hoje sabemos sobre o poder multiplicador da espécie humana, a população do Império teria se multiplicado muito mais e ultrapassado seus limites".
Qual era o procedimento utilizado? Plauto, Cícero e Ovídio aludem ao costume pagão da lavagem após o ato sexual, e um vaso em relevo encontrado em Lyon mostra um servo com um cântaro correndo para um casal muito ocupado na cama; mascarado de higiênico, o costume podia ser contraceptivo. Tertuliano, polemista cristão, considera que, uma vez emitido, o esperma já é uma criança (e assimila a fellatio à antropofagia); ora, em O véu das virgens, faz uma alusão, obscura com tanta truculência obscena, às falsas virgens para as quais parto e concepção são a mesma coisa: paradoxalmente, elas recusam ao mundo crianças semelhantes ao pai e com essa recusa as matam; alusão a um pessário. Na carta XXII, são Jerônimo fala das moças "que degustam de antemão a própria esterilidade e matam o ser humano antes mesmo de ele ser semeado": alusão a uma droga espermicida. Quanto ao ciclo menstrual, o médico Soranos prescrevia, a partir de posições teóricas, que as mulheres concebessem logo antes ou logo após as regras — doutrina que felizmente permaneceu esotérica. Todos esses procedimentos estão a cargo da mulher; não há nenhuma alusão ao coitus interruptus.
Quantos filhos eles têm? A lei concedia um privilégio às mães de três filhos, entendendo que elas haviam cumprido seu dever, e esse número parece ter predominado; as indicações de epitáfios são difíceis de interpretar com certeza; os textos, em contrapartida, falam com particular frequência de famílias de três filhos. E falam até por provérbio. Um epigramatista quer criticar uma mulher que, por avareza, deixa os filhos passarem fome? Escreverá: "seus três rebentos". Um pregador estóico perguntará: "Acreditamos que já fizemos muito ao pôr no mundo, para assegurar a perpetuação da raça, dois ou três fedelhos?". Tal malthusianismo constituía uma estratégia dinástica; como escreveu Plínio a um de seus correspondentes, quando já se tem um rebento, é preciso encontrar um genro ou uma nora abastados para o segundo. Não se desejava, portanto, fragmentar as sucessões. É verdade que a moral antiga ignorava tais cálculos e, ainda na época de Plínio, era a moral de certos pais de família antiquados que "não deixavam em repouso a fecundidade da esposa, embora em nosso tempo a maioria das pessoas julgue que um filho único constitui já uma carga pesada e é uma vantagem não se carregar de posteridade". Mudariam as coisas à medida que se aproxima o final do século II de nossa era, no qual se instala a moral estóica e cristã. O orador Frontão, mestre de Marco Aurélio, "perdeu cinco filhos" por mortalidade juvenil; devia ter muitos mais; o próprio Marco Aurélio teria nove filhos e filhas. Depois de três séculos renascia a idade de ouro em que Cornélia, mãe dos Graco e mulher exemplar, dera à pátria doze filhos.”
(História da Vida Privada, Vol. I: do Império Romano ao Ano Mil)

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sexta-feira, 12 de julho de 2024

As tarântulas


"Olha: esta é a toca da tarântula! Queres vê-la a ela mesma? Está aqui a sua teia; toca-lhe para a veres tremer. Olha: eis ela aqui, sem se fazer rogar. Bem-vinda tarântula! No teu escuro lombo negreja a característica marca triangular, e eu também sei o que há na tua alma. Em tua alma aninha-se a vingança; onde quer que fiques, forma-se uma crosta negra. A vingança levanta na tua alma torvelinhos de vingança. Assim vos falo em parábola a vós que levantais torvelinhos na alma, pregadores da igualdade! Vós outros sois, para mim, tarântulas sedentas de secretas vinganças. Eu, porém, acabarei de revelar os vossos esconderijos, por isso me rio na vossa cara com o meu riso das alturas! Por isso despedaço a vossa teia, para que a cólera vos faça sair do vosso antro de mentira e para que a vossa vingança apareça por detrás das vossas palavras de "justiça". Seja o homem salvo da vingança; é esta para mim a ponte da esperança superior, e um arco-íris anuncia grandes tormentas. As tarântulas, todavia, compreendem doutra forma. "Justamente quando as tempestades da nossa vingança enchem o mundo, é quando nós dizemos que haja justiça." Assim falam elas entre si. "Queremos exercer nossa vingança e lançar nossos ultrajes sobre todos os que não são semelhantes a nós outras." Isso juram a si mesmas as tarântulas. E acrescentam: "Vontade de igualdade, isto será daqui por diante o nome da virtude, e queremos erguer o grito contra tudo o que é poderoso!" Sacerdotes da igualdade: a tirânica loucura da vossa impotência reclama em brados a "igualdade," por detrás das palavras de virtudes esconde-se a vossa mais secreta concupiscência de tiranos! Vaidade acre, inveja contida - talvez a vaidade e a inveja de nossos pais - de vós saem essas chamas e essas loucuras de vingança. O que o pai calou, fala o filho, e muitas vezes vi revelado no filho o segredo do pai. Parecem-se com os extáticos; não é, porém, o coração que os extasia, mas a vingança. E se tornam frios e sutis, não é por agudeza, mas por inveja.
Também levam os zelos à senda dos pensadores; é este o sinal da sua emulação; sempre vão tão longe, tão longe, que afinal o seu cansaço tem sempre que adormecer até o meio da neve. Todos os seus lamentos têm acentos de vingança. Todos os seus elogios ocultam malefícios, e para eles serem juízes é a suprema felicidade. Eis aqui, todavia, o conselho que vos dou, meus amigos: desconfiai de todos os que sentem poderosamente o instinto de castigar! São pessoas de má raça e de má casta; por eles assomam o policial e o verdugo. Desconfiai de todos os que falam muito da sua justiça! Não é só mel o que falta às suas almas. E caso chamem a si mesmos "os bons e os justos" não esqueçais que, agora, para serem fariseus só lhes falta... o poder.”
(Friedrich Nietzsche, Also Sprach Zarathustra)

sexta-feira, 22 de março de 2024

A democracia segundo Spengler

“A democracia se tornou uma arma dos interesses monetários. Ela usa a mídia para criar a ilusão de que há consenso entre os governados. A imprensa hoje é um exército com armas cuidadosamente organizadas, os jornalistas são seus oficiais e os leitores, seus soldados. O leitor não sabe nem deve saber os propósitos para os quais ele é usado nem o papel que lhe cabe desempenhar. A noção de democracia com frequência não difere de viver sob uma plutocracia ou um governo de elites ricas.”
(Oswald Spengler, Der Untergang des Abendlandes)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

O futuro retorno da monarquia

“Os estados modernos, que são monstruosidades burocráticas e jurídicas divorciadas de qualquer sabedoria filosófica, cada vez mais demonstram que terão de ser suplantados nas próximas décadas como uma condição de sobrevivência das nações ocidentais. Tecnocracias mal administradas por elites ridiculamente estúpidas que com desfaçatez inédita na história humana se propõem a regular cada detalhe da vida social e individual. Estes estados desfalecem diante de nossos olhos.
Instituições de princípios vazios de sentido, que não resistem a simples análises lógicas oferecem-nos um espetáculo exemplar de malignidades. Igualdade e liberdade, por exemplo, as palavras de ordem da modernidade, são termos contraditórios e não aplicáveis à realidade, destoantes da ordem natural. Conceitos que simplesmente não podem ser tomados como princípios, mas sendo, produzem a catástrofe política que é a República Liberal. Enquanto o igualitarismo é uma triste e destrutiva ficção, a liberdade como princípio imperante é um paradoxo, pois destrói as legítimas liberdades humanas ao destruir a ordem que as sustenta.
Eis que conceitos abstratos aplicados indefinidamente levam a contradições intermináveis. A profusão anárquica de nossos dias, os saques, a destruição das metrópoles, a decadência dos centros urbanos, o ataque às bases e símbolos da civilização, manifestações de barbarismo e bestialidade dos Antifa e da esquerda em geral e acima de tudo, a impotência das forças de ordem frente à ignorância dos líderes políticos; tudo isto é apenas uma parcela da camada visível da permanente crise revolucionária. Não é sintomático que a normalização da corrupção moral é justificada como liberdade e a decadência da cultura e da política são justificados pela igualdade?
Estes falsos deuses modernos cairão; eventualmente alguma das gerações vindouras irá derrubá-los e entronizar os verdadeiros princípios. Aquilo que Leão XIII chamou de "funestos erros" sairão de cena pela marcha das consciências restauradoras. Igualdade, democracia de massas, soberania popular, tudo isso está fadado à destruição. Será pelo caos revolucionário que leva ao totalitarismo ou pelo triunfo contra-revolucionário que trará a restauração. Nós que ainda temos bom-senso optamos pela Contra-Revolução.
Não é a Sexta República Brasileira que precisa cair. É a República Moderna, pseudo-religião naturalista e gnóstica que precisa morrer. E como diria um certo Nietzsche, só vencemos aquilo que substituímos, apenas o Império pode garantir a superação da hipermodernidade. A monarquia como regime apaziguador, unificador do povo, com autoridade e agilidade para exercer o legítimo papel do estado e limitado naquilo que a subsidiariedade ordena a grei. Regime forte e estável, irradiador de virtudes e inibidor de corrupções. Pronto para fazer da Nação uma potência próspera e espiritualmente vigorosa. Regime liderado por um elo real e concreto entre o passado, o presente e o futuro. Uma família educada desde a infância, conhecedora e amante da Nação, comprometida com esta.
E que Império poderá ser forte, sábio e capaz para lidar com a imundice pós-moderna? Lembremos novamente Leão XIII em sua Diuturnum Ilud:
"Quando a sociedade civil, surgida de entre as ruínas do Império Romano, se abriu de novo à esperança da grandeza cristã, os Romanos Pontífices consagraram de um modo singular o poder civil com o Imperium Sacrum."
Pois bem, a Monarquia não voltará como uma República coroada. Voltará sim, como parte de uma restauração superior, um reflexo da atuação de forças transcendentes na história. Nestes anos 20 haver-se-á de preparar e nas décadas seguintes a marcha celestial da cruzada contra a besta revolucionária ressoará triunfante. A restauração do que Leão XIII lembrava na Immortale Dei:
"Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.
Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, e se, em tudo que faz honra à humanidade, constantemente e em toda parte se mostrou guia e mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob essas diversas formas, se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para o alívio das misérias; é fora de toda dúvida que, assim, ela é grandemente devedora à religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão grandes coisas."
E que não haja ilusões, o Imperium Sacrum voltará em meio a uma guerra. Terá de ser integralmente restaurador ou será abortado no princípio pelas elites luciferianas e seus asseclas idiotas úteis que hoje nos dominam e infestam a sociedade.
Joseph de Maistre em sua refutação a Rousseau já antevia: "Cabe aos homens sábios de todas as nações refletir profundamente sobre as antigas leis das monarquias, os bons costumes de cada nação e o caráter geral dos povos europeus. É nessas fontes sagradas que eles encontrarão remédios adequados aos nossos infortúnios, e os sábios meios de regeneração serão infinitamente separados das teorias absurdas e idéias exageradas que nos causaram tanto dano."”
(O Imperialista, em postagem no Facebook de 10.06.2020)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Quando o conceito de autoridade se perverte


"Num de seus livros, escreve o Padre Álvaro Calderón, da FSSPX, que a AUTORIDADE INTELECTUAL se ordena a comunicar a ciência; a AUTORIDADE MORAL se ordena a comunicar a virtude; e a AUTORIDADE SOCIAL, ou política, se ordena a estabelecer a paz social. Em nossas sociedades pós-católicas, essas autoridades simplesmente inexistem, pois foram fagocitadas pelo marketing maquiavélico e por engenharias sociais que têm as massas a salivar pavlovianamente a qualquer um de seus comandos, e a AUTORIDADE ESPIRITUAL, dada a defecção dos pastores em matéria gravíssima, se retirou da Pólis.
A completa destruição da civilização, como nós a conhecemos, é inexorável – porém apenas uma minoria insignificante, e sem acesso às instâncias superiores de poder, consegue ter o vislumbre da hecatombe.
Quanto durará esse processo de decomposição? Não sabemos. Mas sabemos que quando o mal chega ao estado de metástase é porque o fim está mais ou menos próximo..."
(Sidney Silveira, em postagem no Facebook de 04.08.2020)

sábado, 23 de dezembro de 2023

O espírito clássico

“O espírito clássico é a busca desinteressada pela perfeição; é o amor pela clareza, razoabilidade e autocontrole; é, acima de tudo, o amor à permanência e à continuidade. Exige de uma obra de arte não que seja nova ou eficaz, mas que seja bela e nobre. Procura não apenas expressar individualidade ou emoção, mas emoção disciplinada e individualidade restringida por lei. Esforça-se mais pelo essencial que pelo momentâneo - ama a impessoalidade mais que a personalidade e sente mais poder na sucessão ordenada das horas e das estações que na violência de um terremoto ou tempestade. E adora mergulhar na tradição. Desejaria que cada nova obra se conectasse à mente daquele que a vê com todas as obras nobres e belas do passado, trazendo-as à sua memória e fazendo de sua beleza e charme uma parte da beleza e encanto da obra que tem diante de si. Não nega a originalidade e a individualidade - elas são tão bem-vindas quanto inevitáveis. Não considera a tradição como imutável ou como um limite rígido à invenção. Mas deseja que cada nova apresentação da verdade e da beleza nos mostre a antiga verdade e a antiga beleza, vistas apenas sob um ângulo diferente e coloridas por meios diferentes. Quer adicionar elo por elo à cadeia da tradição, mas não deseja quebrar a cadeia”.
(Kenyon Cox, The Classic Point of View)

domingo, 23 de julho de 2023

A metafísica cristã de Tresmontant

“Tresmontant não é uma figura muito querida entre tradicionalistas, de fato, seu passado de juventude como um “chardiniano” não é de garbo. Todavia, seu trabalho é muito maior do que modas juvenis, e o assunto tratado aqui é de importância seminal, assunto este que o helenista francês prestou devidas explicações valiosas.
Entre suas teses notórias - que longe de serem originais, ressoam perfeitamente como ratificações de verdades milenares - está a de que, desde a gênese do Cristianismo, existe algo muito próprio da cosmogonia cristã, definido e distinto dos eleáticos, dos heraclitianos, platônicos, aristotélicos e etc. Esse algo é alcunhado de metafísica cristã, pois são realidades, mesmo que reveladas, racionalmente concebíveis e justificáveis. Evidentemente, como ele mesmo diz em seus comentários sobre o marxismo (o qual talvez eu comente sobre posteriormente) “outras verdades podem ser assumidas pelos cristãos, pois todas as verdades devem ser entendidas como provenientes, de alguma forma, da Verdade”, portanto existem linhas de conciliação entre platônicos e aristotélicos com o Cristianismo, mas essa conciliação se dá em um enfrentamento; isto é, realiza-se a comparação entre dois modelos existentes, o Cristão e o exógeno.
É mister depreender: não pode ser o Cristianismo um conjunto de forças da moda, mas antes uma Doutrina sólida qual, se pode ser conciliada com algum esquema, o é parcial e combativamente - no sentido clássico de “enfrentamento de teses”.
Essa afirmação, embora nos aparente óbvia, é extremamente atacada em meios inclusive ditos “conservadores”, que seguem a doutrina de Bauer, tacitamente assumida por Eric Voegelin.
Tal concepção consiste em afirmar que não havia “ortodoxia” ou “Doutrina” no Cristianismo Primitivo, apenas um acontecimento puro que, com o passar das eras, foi se adornando com coisas que não lhe eram próprias na gênese (daí o fato de Voegelin se declarar um cristão “pré-Niceno”). Essa negação de um saber sistemático é anteposta por Tresmontant; ele afirma, indubitavelmente, que há nos Pais da Igreja e mesmos nos apóstolos um conjunto subjacente de signos, crenças e teses, sem as quais nada que é explanado pelo Cristianismo primitivo significa em absoluto. Entre tais signos está o já tratado aqui; a Criação, formalmente considerada.
Mas, um argumento antagônico é levantado por alguns: como pode um acontecimento histórico - nomeadamente, a Encarnação, que possibilita o Cristianismo e é seu fundamento último - ter uma filosofia eterna, para todos os tempos e causas, metafísica? Se é histórico é contingente, se é contingente pode assumir diversas verdades em diferentes períodos de tempo, e não é, por conseguinte, uma Verdade única.
Tal concepção é respondida em seu outro livro “São Paulo e o mistério do Cristo”, quando ele apresenta algumas noções sobre a Encarnação. Segundo Tresmontant - e em perfeita confluência com a Doutrina Católica - a Encarnação escolheu, lhe aprouve o tempo onde sucedeu-se. Com esta informação somente podemos dizer que este evento é de uma natureza distinta do que outras ocorrências históricas (no suceder em algum lugar). Enquanto o que é contingente não tem pleno controle sobre o suceder, a Encarnação, segundo a Doutrina de sempre, assumida por todos os cristãos desde os apóstolos - a Metafísica Cristã! -, tem controle sobre quando irá suceder-se, e se tem é porque vem de outro mundo, como Cristo mesmo diz.
Assim, a estrutura interna da Encarnação, assumida na Metafísica Cristã de Tresmontant, tem uma maneira própria de operar, distinta das demais ocorrências alcunhadas de “contingentes”. É um fato histórico que, na verdade, vem do Eterno, e é essa a base de toda a noção de Revelação; o Superior descendo ao inferior.
Não só isso como a história, dentro da própria concepção cristã, é profundamente dependente de toda a Encarnação. Todo o homem tem a vontade de se “religar” a um “saber de salvação”, ao ponto de alguns antropólogos, como o Cardeal Julien Ries, alcunharem o homem de homo religiosus. A tragédia e o drama humano, a impotência e as prefigurações salvíficas; toda essa suposta “ausência” do acontecimento histórica clama uma presença; uma presença latente, mais ainda presença.
Assim, é ingênuo falar da Encarnação como um simples acontecimento histórico, pois ela é, segundo os Cristãos
1. Voluntária e ciente de todos os períodos históricos ao ponto de escolher um para evidenciar-se.
2. Requerida pela natureza humana enquanto insuficiente e “religada”.
3. Ciente de todas as pessoas sob as quais poderia se alojar, escolhendo aquela que foi salva preventivamente de toda a mancha do pecado, a Virgem Maria.
Tais exigências são “predisponências da Encarnação”, que são escolhidas por ela mesma, e portanto suas categorias são totalmente distintas de quaisquer outras “historicamente aceitáveis”. Com efeito, nenhum evento contingente escolhe quando ele mesmo se sucede, pois na Natureza é a razão da causa que determina o efeito. No caso da Encarnação, o Efeito é Causa. Tentar adequar este acontecimento singular à contingência é perder de vista o horizonte hermenêutico que o Cristianismo imbui nele.
Qual o pano de fundo que legitima a encarnação? Precisamente o pano de fundo Uno e Verdadeiro que advoga Tresmontant, aquilo tácito e presente desde a gênese do Cristianismo. Consequentemente, o que parece uma objeção apenas reforça o caráter Doutrinal e único dos cristãos.
O Deus cristão não é um Deus contingente, mas que se manifesta no contingente, já eternamente decidido que o fará. E tal aspecto é apenas um, dentre tantos outros, que implicam a filosofia cristã sistemática e básica, sem a qual o Cristianismo não teria esta lógica interna, evidente desde os primeiros apóstolos, evidente na própria estrutura da Revelação.
Sobre o aspecto imortal da Encarnação, pedida desde o primeiro homem a cair no Pecado, pego de empréstimo as palavras de Carl Schmitt em suas “Três possibilidades de uma concepção cristã de História”:
"História que não é apenas um arquivo do que foi, mas também não é um auto-espelho humanístico ou um mero pedaço da natureza circulando em torno de si mesma. Em vez disso, a história sopra como uma tempestade em grandes testemunhos. Ela cresce por meio de criações fortes, que inserem o eterno no decorrer do tempo. É um ataque de raízes no espaço de sentido da terra. Através da escassez e da impotência, esta história é a esperança e a honra de nossa existência”.
E não é esse conjunto de tropeços, essa vacuidade e impotência da alma humana, os testemunhos heróicos e os dramas da condição humana apenas esperançosos enquanto esperam, todos, a Cristo Encarnado?”

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sexta-feira, 30 de junho de 2023

A crise moderna se chama revolução


“Todas as crises se resumem em uma: a crise do homem. As muitas crises que abalam o mundo hodierno — do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. — não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem.
Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem - para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades.
Essa crise é universal. Não há hoje povo que não esteja atingido por ela, em grau maior ou menor. Essa crise é una. Isto é, não se trata de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos irrelevantes.
Essa crise é total. Considerada em dado país, essa crise se desenvolve numa zona de problemas tão profunda, que ela se prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem.
É dominante. Essa crise é como uma rainha a que todas as forças do caos servem como instrumentos eficientes e dóceis. É sucessiva. Essa crise não é um fato espetacular e isolado. Ela constitui, pelo contrário, um processo crítico já cinco vezes secular, um longo sistema de causas e efeitos que, tendo nascido, em momento dado, com grande intensidade, nas zonas mais profundas da alma e da cultura do homem ocidental, vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões.
A causa principal de nossa presente situação é impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência.
Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução.
Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos.
Entre as paixões desordenadas, o orgulho e a sensualidade ocupam um lugar proeminente. Eles marcam o utopista com duas notas principais: o desejo de ser supremo em sua esfera, não aceitando sequer um Deus transcendente, e a tendência a uma plena liberdade na satisfação de todos os instintos e apetências desregradas.
A Revolução é a desordem e a ilegitimidade por excelência. Os agentes do caos e da subversão fazem como o cientista, que em vez de agir por si só, estuda e põe em ação as forças, mil vezes mais poderosas, da natureza.
Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo.
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade.
A Pseudo-Reforma foi uma primeira Revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.
Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo.
O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico.”
(Plínio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução)