quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A decadência das instituições modernas


“Nossas instituições nada mais valem: acerca disso há unanimidade. O problema não está ligado a elas, mas a nós. Depois que perdemos todos os instintos dos quais nascem as instituições, estamos perdendo as instituições mesmas, porque não mais prestamos para elas. O democratismo sempre foi a forma de declínio da força organizadora: já em Humano, Demasiado Humano, I, 318,125 caracterizei a moderna democracia, juntamente com suas meias realidades, como o “Reich alemão”, como forma declinante do Estado. Para que haja instituições, é preciso haver uma espécie de vontade, de instinto, de imperativo, antiliberal até a malvadeza: a vontade de tradição, de autoridade, de responsabilidade por séculos adiante, de solidariedade entre cadeias de gerações, para a frente e para trás in infinitum. Estando presente essa vontade, algo como o Imperium Romanum é fundado; ou como a Rússia, o único poder que hoje tem durabilidade, que pode esperar, que pode ainda prometer algo — Rússia, o conceito contrário à miserável divisão européia em pequenos Estados e ao nervosismo europeu, que a fundação do Reich alemão fez entrar numa fase crítica... O Ocidente inteiro não tem mais os instintos de que nascem as instituições, de que nasce futuro: talvez nada contrarie tanto o seu “espírito moderno”. Vive-se para hoje, vive-se rapidamente — vive-se irresponsavelmente: eis precisamente o que se chama “liberdade”. O que de instituições faz instituições é desprezado, odiado, rejeitado: acredita-se correr o perigo de uma nova escravidão, tão logo a palavra “autoridade” é ouvida. A esse ponto vai a décadence no instinto de valor de nossos políticos, de nossos partidos políticos: eles instintivamente preferem aquilo que dissolve, que apressa o fim... Testemunha disso é o casamento moderno. Ele claramente perdeu toda racionalidade: mas isso não constitui objeção ao casamento, e sim à modernidade. A racionalidade do casamento estava na responsabilidade legal única do homem: com isso o casamento tinha um centro de gravidade, enquanto agora manca das duas pernas. A racionalidade do casamento estava em sua indissolubilidade por princípio: com isso adquiriu um tom capaz de fazer-se ouvir, perante o acaso de sentimento, paixão e momento. Estava igualmente na responsabilidade das famílias pela escolha dos noivos. A crescente indulgência para com o casamento por amor praticamente eliminou o fundamento do matrimônio, aquilo que faz dele uma instituição. Jamais, em tempo algum, uma instituição é fundada numa idiossincrasia, não se funda o matrimônio, como disse, no “amor” — ele é fundado no instinto sexual, no instinto de posse (mulher e filho como posses), no instinto de dominação, que incessantemente organiza para si a menor formação de domínio, a família, que necessita de filhos e herdeiros, para segurar também fisiologicamente a medida que alcançou de poder, influência e riqueza, para preparar longas tarefas e a solidariedade de instinto entre os séculos. O casamento como instituição já compreende em si a afirmação da maior e mais duradoura forma de organização: quando a sociedade mesma não pode garantir-se como um todo, até as mais remotas gerações por vir, não há sentido no casamento. — O casamento moderno perdeu seu sentido — portanto, está sendo abolido.”
(Friedrich Nietzsche, Götzen-Dämmerung oder Wie man mit dem Hammer philosophiert)