sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Zbigniew Herbert: Estudo do Objeto


1.
o mais belo
é o objeto que não existe

ele não serve para carregar água
nem para preservar as cinzas de um herói

não foi acalentado por Antígona
nem nele um rato se afogou

de orifício, nenhum resquício
pois é completamente aberto

visto
de todos os lados,
quase não é
antevisto

os feixes de todas as suas linhas
confluem num jato de luz

nem
cegueira
nem
morte
podem roubar o objeto que não existe

2.
marque o lugar onde ficava
o objeto
que não existe
com um quadrado negro
ele será
um mero réquiem pela bela ausência

vigoroso lamento
aprisionado
num quadrilátero

3.
agora
todo o espaço
dilata-se como um oceano

um furacão fustiga
o veleiro negro

a asa de uma nevasca
circunda o quadrado negro

e a ilha submerge
sob a disseminação salina

4.
o que se tem agora
é espaço vazio
mais belo que o objeto
mais belo que o lugar que ele deixa
é o antemundo
um paraíso branco
de possibilidades
lá você pode entrar
gritar
vertical-horizontal

relâmpagos perpendiculares
golpeiam o horizonte nu

podemos parar aqui
de todo modo você já criou o mundo

5.
oriente-se
pelo olho interior

não se renda
a murmúrios sussurros estalidos

é o mundo não criado
impresso nos portões da paisagem

anjos ofertam
chumaços rosados das nuvens

por toda parte árvores implantam
filamentos verdes desalinhados

reis celebram a púrpura
e comandam trompetistas
auricolores

até a baleia pede um retrato

oriente-se pelo olho interior
nada aceite além

6.
extraia
da sombra do objeto
que não existe
do espaço polar
das inflexíveis quimeras do olho interior
uma cadeira

bela e inútil
como uma catedral no deserto

ponha sobre a cadeira
uma toalha de mesa amarrotada

adicione à ideia de ordem
a ideia de aventura

que seja uma confissão de fé
diante do vertical em combate com o horizontal

que seja
mais silenciosa que anjos
mais orgulhosa que reis
mais verdadeira que uma baleia
que tenha a face das últimas coisas

pedimos que a cadeira desvele
as dimensões do olho interior
a íris da necessidade
a pupila da morte

Tradução de Rogério Bettoni