“Depois que Lutero rompeu com a Igreja, sua revolução religiosa foi contaminando toda a Europa como uma erisipela. Surgiram então outros “reformadores”, como Calvino, que tiveram maior ou menor sucesso em suas revoltas. Embora pregassem o “livre exame”, às vezes eles se combatiam entre si, procurando os de uma corrente convencer os de outras da superioridade da “sua verdade”. No ano de 1571, houve na Holanda uma luta entre luteranos e calvinistas, tornando-se vitoriosos os segundos. Nesse mesmo ano, os calvinistas realizaram na cidade de Embden seu primeiro sínodo no país, que então pertencia à católica Espanha. No dia 1º de abril daquele ano, parte dessa seita –– a dos “mendigos do mar”, formada por ex-marinheiros ou ex-piratas — conquistou as cidades de Briel e Vlissingen, ameaçando Gorkum também na Holanda.
Gorkum era uma pequena cidade de seis a sete mil habitantes, às margens do rio Mosa, dedicada à agricultura e ao comércio. Se bem que aproximadamente 60% de seus habitantes fossem católicos, parte deles não era praticante, e temia-se que, pressionada em seus haveres, abandonasse a verdadeira fé para não perder bens materiais.
O centro do catolicismo na cidade era o convento dos capuchinhos. Estes eram pouco numerosos, mas o ardor de seu zelo e a pureza de sua vida multiplicavam sua influência, tornando-os modelos da vida cristã. Sobressaía entre eles sobretudo seu jovem superior, Frei Nicolau Pik, homem piedoso e de pulso forte, que dirigia seus subalternos com doce firmeza e determinação. Sua família era da cidade e, na iminência da invasão calvinista, pressionou-o para que deixasse Gorkum e procurasse asilo em outra cidade. Mas Frei Nicolau não queria ouvir falar disso: abandonar seus frades à própria sorte, fugindo ele só do perigo?
Entretanto, para evitar o perigo de profanações, recolheu os vasos sagrados e as relíquias dos santos na cidadela, por ser o local mais seguro.
Protestantes traem sua cidade
religiosos, alguns eclesiásticos e um grupo mais determinado de católicos refugiaram-se na cidadela, na esperança de que chegasse o reforço que o governador, Gaspar Turco, havia pedido para enfrentar os protestantes.
Entrementes, o prefeito da cidade, por ordem dos assaltantes, fez soar os sinos para reunir os habitantes na grande praça. Propôs então a todos jurar ódio aos espanhóis e ao Duque de Alba, e fidelidade ao duque Guilherme de Nassau (líder dos protestantes holandeses revoltosos) e aos “santos Evangelhos” –– expressão dúbia, para ainda não falar em apostasia.
Os “mendigos do mar” puseram cerco então à cidadela. Esta não tinha condições para resistir por muito tempo, por falta de víveres e munição. Pior ainda, havia somente uma vintena de defensores hábeis, pois grande parte dos refugiados era composta de mulheres e crianças, ou de religiosos não afeitos às armas.
O cerco foi se fechando. Os defensores tiveram que abandonar uma primeira muralha para refugiar-se na segunda, por fim na terceira e última. Nessa iminência, alguns dos defensores jogaram suas armas e passaram-se para o inimigo. As mulheres, chorando, pressionaram o governador para que entregasse a cidadela, a fim de evitar o pior. Gaspar Turco pediu uma trégua para parlamentar. As condições impostas pelos protestantes foram duras: eles se propunham a não fazer nenhum mal aos que se encontravam na cidadela, leigos ou eclesiásticos, e a deixá-los livres. A única condição era que tornar-se-ia propriedade dos assaltantes tudo o que lhes pertencesse.
Os defensores preparam-se para o pior
Apesar disso, os eclesiásticos e os religiosos que se encontravam na cidadela, temendo o pior, confessaram-se uns aos outros e aos leigos. O Pe. Nicolau Pik, que havia levado consigo o Santíssimo Sacramento para não ser profanado pelos calvinistas, deu a comunhão a todos, preparando-se para os acontecimentos.
Quando foram abertas as portas da cidadela, os defensores ficaram chocados ao ver quantos católicos engrossavam as fileiras dos hereges. Logo que entraram, os calvinistas se lançaram sobre as vítimas, gritando: “Mostrai-nos vossos esconderijos, porque tudo o que tendes nos pertence”. E as agarravam, revirando seus bolsos, arrancando-lhes a roupa com brutalidade e violência. A garantia dada por eles não passou de pura ficção. Cada um tinha como ponto de honra rivalizar-se no modo de maltratar os prisioneiros, que denominavam “defensores do papismo e do despotismo espanhol”, porcos e outros epítetos que uma pena católica não pode reproduzir.
A ira deles caiu em determinado momento sobre Teodoro Brommer, que estava com seu filho e era um dos principais campeões da fé católica. Apesar do prometido, os hereges o enforcaram numa praça pública de Gorkum.
Começa a "via crucis" dos religiosos
Enfim, todos os leigos, depois de terem pago grosso resgate, foram libertos. Mas não os eclesiásticos e religiosos. Estes foram postos na prisão junto aos outros presos. Como não tinham comido nada desde a véspera e era uma sexta-feira, os hereges lhes ofereceram uma refeição de suculenta carne para os ver romper a abstinência. Eles preferiram acrescentar a seus sofrimentos físicos e morais, além da abstinência, também o jejum.
Os protestantes, que souberam que o Pe. Nicolau Pik havia levado consigo o Santíssimo Sacramento, apontaram-lhe uma pistola ao peito e perguntaram: “Onde está o Deus que você se fabrica no altar? Você, que do púlpito ensinava tantas besteiras aos imbecis, que diz agora, que tem esta pistola ao peito?”. Esse confessor da fé respondeu resolutamente: “Eu creio em tudo o que crê e ensina a Igreja Católica, Apostólica, Romana, e em particular na presença real de meu Deus nas espécies sacramentais”.
Os interrogatórios, as torturas, os maus tratos aos prisioneiros foram diários, até que os mandaram para a cidade de La Brille para serem julgados. Lá presidia os hereges o conde de Marck, inimigo de morte dos católicos, e que havia jurado não deixar escapar nenhum eclesiástico que lhe caísse às mãos. Dizia que jurara vingar os condes de Horn e de Egmont, justiçados pela Espanha por sua revolta.
Outros dois eclesiásticos e dois religiosos premonstratenses, os Pes. Adriano Becan e Tiago Lacop, juntaram-se aos prisioneiros de Gorkum.
Os protestantes tinham esperança de fazer apostatar especialmente um jovem religioso capuchinho de 18 anos, muito simples. Perguntaram-lhe se ainda acreditava em todas as bobagens dos papistas. Ele respondeu: “Eu creio exatamente em tudo o que crê o padre superior”.
Perguntaram ao Pe. Leonardo por que cria na autoridade do Papa. Ele respondeu que considerava esse ponto a pedra angular da fé católica, e não compreendia como os protestantes podiam criticar essa crença, pois diziam que a fé era livre. Segundo eles, cada um tinha o direito de encontrar na Bíblia o que o Espírito Santo lhe inspirasse. Então, se o Espírito Santo inspirasse alguém a descobrir nela a primazia e a infalibilidade de Pedro e seus sucessores, a que título podiam eles condenar isso? Ficou sem resposta.
Consuma-se o martírio dos 19 heróis
Finalmente, na madrugada de 9 de julho de 1572, à uma hora da manhã, fizeram levantar todos os prisioneiros e os levaram para um edifício abandonado. Percebendo que sua hora chegara, esses heróis de Cristo deram-se mais uma vez a absolvição e esperaram o martírio.
Por um requinte de crueldade e só para humilhá-los, embora os fossem enforcar, fizeram todos se despir para serem sentenciados. Vendo o horror da morte que o esperava, um jovem noviço fraquejou e apostatou. Mais tarde teria a graça da reconversão e narraria os horrores a que assistiu nessa noite. Mas infelizmente não foi o único a fraquejar. Um outro religioso, Guilherme, ao chegar seu turno de morrer, gritou que renunciava ao Papa e a tudo que quisessem, mas que lhe poupassem a vida. Esse infeliz caiu depois em tantos excessos que, apenas dois meses depois do martírio de seus irmãos, pereceu também numa forca, perdendo a coroa da glória eterna...
Ao todo foram 19 mártires de Jesus Cristo que deram sua vida pela verdadeira fé naquele dia, sendo dez capuchinhos, seis padres seculares, dois premonstratenses e um agostiniano.
Logo que morreu o último, os protestantes atiraram-se sobre eles selvagemente, cortando a um o nariz, a outra orelha ou a mão, a outro até as partes pudendas do corpo. Depois desfilaram pela cidade levando esse sinistro troféu na ponta da lança. Alguns chegaram mesmo a retirar dos cadáveres a gordura, para vendê-la a fábricas de ungüentos.
No mesmo dia, um dos principais católicos de Gorkum, com risco de vida, foi ter com as autoridades protestantes, pedindo os corpos dos mártires para dar-lhes sepultura cristã. Os hereges apressaram-se então a enterrá-los em duas fossas comuns. O escritor Estius narrou em 1603: “É lá que repousam em terra estrangeira, em meio aos inimigos da Igreja, até que Deus, apaziguado por seus méritos e preces, dê a paz a esses países belgas tão longamente perturbados, e inspire a seus servidores a vontade de recolher esses restos sagrados para dar-lhes as honras devidas”.”
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Há 5 dias