domingo, 17 de janeiro de 2016

Mudança

“Qualquer pessoa com a mínima capacidade de análise da História descobrirá que o traço mais característico (constitutivo, na realidade) de nossa época é o afã de 'mudança'; e também que se trata de uma 'mudança' que age sempre na mesma direção. Bastaria analisar, por exemplo, a evolução política dos trinta ou quarenta últimos anos para descobrir, por exemplo, que os chamados 'conservadores' fizeram próprias e defendem com orgulho teses que faz umas poucas décadas os 'progressistas' apenas se atreviam a defender vergonhosamente. Este fenômeno nos confirma que os conservadores são tão somente os que se encarregam de conservar e consolidar os 'avanços' progressistas; e nos revela um desígnio mui profundo que, por medo, não conseguimos explicar; ou que explicamos ingenuamente como um “sinal dos tempos” - que repetimos como papagaios – exigem “renovar-se ou morrer”, adequar-nos a novas idéias como quem se adequa a novas modas indumentárias.
Mas o certo é que o próprio do ser humano não é andar mudando de idéias a todo momento, ou submetendo-as a um constante processo evolutivo, para além das mudanças de percepção que nos proporciona a experiência da vida e o acúmulo de sabedoria (e estas mudanças de percepção, para a mentalidade moderna, são antes de natureza 'involutiva'). Escrevia Santo Agostinho em suas Confissões que a alma não encontra descanso nas coisas que não são firmes; e, no entanto, a alma do homem de nossa época está sendo constantemente fustigada para que abandone as convicções firmes e se entregue ao desassossego dos pareceres voltários, como se a lei do pensamento não fosse a verdade, mas a opinião flutuante. Aquele “tudo flui” que enunciou Heráclito, para referir-se às mudanças biológicas e naturais, tornou-se um “devir” que afeta também o pensamento, submetido a um constante processo de mutação. Todavia o senso comum dita à gente simples que quem anda mudando constantemente de idéias, ou amoldando-as à conjuntura, é um 'vira-casaca'; mas entre as chamadas 'elites' (que são as oligarquias encarregadas de matar o sentido comum da gente simples) esta mudança constante é mostrada como a forma suprema de sabedoria e a prova máxima de “inteligência emocional”. Quem, pelo contrário, mantém-se leal a suas convicções é mostrado como um retrógrado perigoso, um imobilista que convém deixar parado na sarjeta, para que não aja como lastro nos processos de mudança que continuam sendo produzidos sem cessar.
Certamente toda mudança tem uma direção, um 'até onde'; mas nossa época esconde tal elemento, que em todo caso disfarçará com os ouropéis do 'progresso'. Pois o que interessa à nossa época é, antes de mais nada, que as massas avancem para 'novos horizontes', sem saber qual é a meta, sem pensar sequer se tal meta é na verdade um precipício ou um depósito de lixo, um cemitério ou um patíbulo. Como se uma força cega e mecânica nos estivesse dirigindo constantemente a uma espécie de terra prometida (por quem?) onde desfrutaremos de uma vida mais plena, coroada pelo desfrute de novos 'direitos'. Certamente tal terra prometida nunca se alcança, como ocorria com a tartaruga no paradoxo de Zenão de Eléia; mas sua perseguição quimérica permite que os homens não adiram a nenhuma convicção definitiva, e assim possam extraviar-se mais facilmente.
Em certa ocasião, Chesterton se referiu a um progressismo nefasto que consiste em “alterar a alma humana para que se adapte a suas condições, em lugar de alterar as condições para que se adaptem à alma humana”; e que, em seu desalmado labor, sempre se apóia no mecanismo do precedente: “Como nos metemos em confusão, temos que nos meter em outra ainda maior para nos adaptarmos; como fizemos uma volta equivocada faz algum tempo, temos que seguir em frente e não para trás; como perdemos o caminho, devemos também perder o mapa; e, como não realizamos nosso ideal, devemos esquecê-lo”. Tudo menos nos arrependermos e retrocedermos, que é uma heresia que nossa época não admite; pois, ao nos arrependermos e retrocedermos, descobriríamos que há certezas fixas, verdades imutáveis e palavras perenes. E até poderíamos parar e escutar aquele que disse: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”! E isto é o que o afã de mudança não pode permitir de modo algum; pois, no fim das contas, toda esta maquinaria que descrevemos foi concebida para combater quem pronunciou essas insultantes palavras.”
(Juan Manuel de Prada, Cambio)