domingo, 10 de maio de 2015

O ensino da gnose

“Para entender corretamente as “Revelações” dos Gnósticos, é necessário libertá-las de toda a miscelânea mitológica com que estão ornadas ou, de preferência, emaranhadas, libertá-las também de um vocabulário obscuro que tinha a pretensão de torná-las veneráveis. Não falaremos nem de Éons, nem de Arcontes, nem de Pleroma, etc...
Dom Lagier, em sua obra sobre “O Oriente cristão” – L’Orient chrétien - enumera várias proposições nas quais pode-se resumir todo o ensino de nossos hereges. Veremos que, a partir destas afirmações estranhas, podem-se extrair todos os grandes erros do mundo moderno.
O Deus de que nos fala o Antigo Testamento é provavelmente uma divindade inferior, ele não é o verdadeiro Deus. Muito acima Dele está o Ser supremo, único princípio de tudo o que existe”.
Os Gnósticos têm praticado um antibiblismo sistemático. Eles inverteram todas as afirmações do Gênesis. Sua cosmologia é uma máquina de guerra construída contra Javé, o Deus criador. O mundo em sua essência é divino. O Ser supremo é um abismo original donde saíram todas as potências espirituais. Esta já é uma primeira forma de panteísmo. Yahavé Sabaoth, o Deus criador do Gênesis, é uma emanação do Ser supremo; ele se revoltou contra ele prendendo numa matéria degradada e má os seres puros, espirituais, emanados do grande abismo. Ele foi um demiurgo (= arquiteto) inábil. Ele é a fonte de todos os males. Eis uma explicação para a origem do mal e a designação do grande culpado, o Deus que os Cristãos adoram.
A matéria, em si, se opõe a Deus”.
Compreendamos bem que esta matéria não é uma emanação do Ser supremo, mas uma criação do demiurgo, obra inábil que vai se opor à perfeição do poder divino, entravar sua expansão. Houve então neste ato criador um erro, uma desfiguração dos seres espirituais, uma “queda original”, não a do pecado de Adão, mas a do Pecado de Javé.
Deus se desdobra e se revela gradualmente por potências celestes, por seres divinos em sua origem”.
Esta é a doutrina da emanação (emanare = difundir-se para fora de si). O mundo é uma divindade que se difunde para fora de si mesmo, por uma extensão de seu ser; o mundo é um Deus-Ser supremo em perpétuo crescimento. Do abismo original, esse Deus engendra uma multidão de seres que são apenas parcelas de si mesmo. O mundo é um perpétuo tornar-se. Ele é divino por natureza, visto que engendrado, e não criado. Infelizmente! Javé formou a matéria, ele desfigurou esse mundo, ele assim entravou a expansão dele, a evolução rumo a essa plenitude divina que os Gnósticos chamam de “Pleroma”.
Ademais, Deus se revela no interior do mundo por seus enviados, seres divinos, engendrados por ele, que, em intervalos regulares, vão recordar aos homens decaídos e prisioneiros da matéria que eles também são divinos. É preciso, portanto, uma revelação contínua: vê-se surgirem aí os primeiros lineamentos da lenda dos Grandes Iniciados. A Gnose é uma “revelação” de uma realidade oculta.
A matéria está mesclada com centelhas divinas; essas centelhas saem de sua prisão material graças ao Cristo que age nos ritos sagrados da magia”.
A alma humana é, portanto, divina (centelha ou brilho de um Deus que se estende a todos os seres). O corpo é um invólucro de terra, uma prisão de que é preciso se livrar para fazer surgir esta divindade que reside em nós. O Cristo é o maior dos Iniciados enviados do alto. Ele vai ensinar aos homens que eles são divinos. “Olhai no interior de vós mesmos e vereis aí vossa própria divindade”, tal é a fórmula repetida no evangelho de Tomás. Por isso, é preciso libertá-los desta prisão material que esconde deles sua verdadeira natureza. Despertai-vos! Entendei, enfim! Conhecei então vosso caráter divino! Não é necessário conquistar à força de vossa ascese uma semelhança com Deus. Já sois divinos, mas não o sabeis. Este conhecimento vos libertará. Esta é a “Salvação pela Gnose” (= conhecimento).
Reencontramos aqui quase as fórmulas modernistas da emanação vital: Deus permanece no homem (manere in = reside em), o homem só precisa voltar seu olhar para o interior de si mesmo para aí encontrá-lo.
A ação do Cristo foi real, mas sua humanidade carnal nunca foi senão uma aparência enganadora: a paixão e a ressurreição são apenas símbolos irreais”.
Evidentemente, um enviado divino não pode ter sofrido a degradação de um corpo material. Ele precisou então tomar a forma material para se fazer conhecer e poder agir de forma eficaz junto dos homens, eles também prisioneiros de seus corpos físicos. Contudo Cristo não tinha de resgatar por uma paixão os pecados dos homens, visto que estes não existem. Há somente um único pecado, o “pecado do mundo”, o pecado deste Javé que desfigurou por sua criação a expansão da divindade. Cristo não veio libertar os homens de suas faltas: ele não lhes ensinou um “caminho”, um caminho a ser percorrido para atingir uma perfeição possível futura. Ele lhes “revelou”, ou seja, “desvendou” o que eles não sabiam, que eles eram Deus, já, desde sempre.
O divino que está acorrentado na matéria, ou seja, a alma humana, não é responsável pela carne que o oprime. O espírito continua puro: ele não é solidário das paixões, nas faltas cometidas”.
Eis enfim onde é preciso chegar! O gnóstico recusa aos homens a responsabilidade de seus atos. Visto que a matéria é má, nosso corpo carnal só pode produzir atos maus. Porém esse corpo é nossa prisão. Nossa alma, “centelha divina”, não pode ter a menor relação com qualquer mal que seja. Como explicar tudo isso? Decompondo o homem em três partes: um corpo material, o “soma”, uma animação propriamente fisiológica, “a psique”, e uma alma espiritual de essência divina, o “pneuma”. Esta estrutura ternária do homem é uma invenção genial: a sede das paixões, a “psique”, é uma potência má ligada à matéria, que ela apóia na existência; é preciso se livrar dela o mais cedo possível. O “pneuma” permanece impassível, espectador indiferente das vãs agitações do corpo.
Esta divisão ternária do homem é encontrada no ocultismo moderno, que utiliza outro vocabulário para designar as mesmas realidades: eles concebem um mundo espiritual, um mundo astral, um mundo material. O homem é composto por um corpo, por um dúplice e por uma alma! Velho procedimento para tirar do homem sua verdadeira responsabilidade e lhe recusar o domínio de seus atos.
Reencontra-se nesta exposição todo o protestantismo. Lutero não afirmou que o homem era incapaz de um ato bom, que as obras são inúteis e que só nos salvamos pela fé?
As leis escritas e as leis naturais foram concebidas por deuses inferiores e não são sempre homologadas pelo verdadeiro Deus, cuja essência ultrapassa qualquer pensamento e cuja natureza é indizível”.
Os Gnósticos são por definição antinomistas, ou seja, eles recusam qualquer lei. Um ser de essência divina não necessita de lei, esta sendo um meio para atingir um fim. Ora, o ser divino é ele próprio seu fim. Além do mais, uma lei é recebida por uma autoridade que os submete a ela. Um ser divino é totalmente mestre de si e não precisa de submissão. Esta lei natural de que falam os Gnósticos é uma construção arbitrária de um espírito malevolente que quer submeter os demais seres aos seus caprichos, é uma sujeição indigna de uma “centelha divina”. Javé quis prender nossa natureza divina num corpo material e nos impor seus caprichos. Eis um grande motivo de indignação para nossos sectários. O verdadeiro Deus é a plenitude da Divindade, o “Pleroma”. Sua essência é conter todos os seres, englobá-los num imenso “Todo”. Não se pode defini-Lo, porque ele transcende todos os limites; ele é o “Grande Tudo”, o “Abismo inominado”. A salvação para a alma divina é se perder nele.
Encontra-se nesta última proposição a revolta daquele que pronunciou o “Non serviam” e que disse para Adão e Eva: “Eritis sicut Deis“, se comerdes da Árvore do Conhecimento (= Gnose).
O culto da serpente.
Existia entre as seitas gnósticas a dos Ofitas ou Naasanes (ophis em grego e naas em hebreu significam serpente): estes são os grandes Gnósticos, aqueles que mais longe penetraram no mistério das revelações: “Veremos a serpente, dizem eles, porque Deus a criou por causa da Gnose, para a humanidade: ela ensina ao homem e à mulher o conhecimento completo dos mistérios do alto”. Eles se reúnem em torno de uma mesa, eles dispõem os pães, em seguida eles chamam, com encantamentos, a serpente que vem se enrolar entre as oferendas. Somente então eles compartilham os pães… Eis aí, pretendem eles, o sacrifício perfeito, a verdadeira eucaristia…
Assim, o círculo é fechado. Todas estas elucubrações pretensamente sábias são destinadas, na realidade, a desviar os Cristãos da adoração do verdadeiro Deus e levá-los rumo à adoração da Serpente, supremo fim da seita: esta celebração satânica se parece, ao ponto de se confundir, com a cena rosacruciana praticada na sexta-feira santa nos rituais maçônicos do 18º grau.”
(Étienne Couvert, De la Gnose à l’Oecumenisme)

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