quarta-feira, 4 de junho de 2014

A sociedade sem história

“Não existe, no “Brasil do B”, acusação maior que se possa fazer contra uma pessoa do que chamá-la de “preconceituosa.” Imagino eu que seria preciso entrar numa máquina do tempo e retornar à Idade Média para encontrar, na acusação de bruxaria, uma repercussão semelhante.
Ser chamado de preconceituoso no Brasil petista é como ser chamado de “looser” nos Estados Unidos – não existe ofensa maior, não é mesmo? Xenofobia, homofobia, racismo, sectarismo, machismo, enfim... a lista de barbaridades disponíveis para se acusar alguém não tem mais fim...
Então vamos lá, proponho nesse artigo o seguinte desafio: é possível, do ponto de vista filosófico que alguém viva sem preconceitos? O que define um pensamento como preconceituoso? É o fato dele – conforme o sentido da palavra – ser independente de uma experiência sensível? É o fato de não encontrar respaldo histórico? Ou será que preconceito é definido por uma casta, uma ralé de intelectuais que dita aquilo que deve ser entendido como “conceito” e estabelece como preconceito tudo aquilo que escapa do seu entendimento como sendo justo?
Meus amigos, uma vida plena de razão... rica na capacidade de julgar, não pode – no seu curto período de tempo – formar juízos que sejam todos fundados na experiência. Valores não se constroem dessa maneira pois dependem tanto de uma tradição verbal quanto escrita que são capazes de construir a cultura. O processo de “aculturamento”... as bases da civilização precisaram ser construídos a partir da aceitação de determinadas verdades independentemente da experiência individual. Nesse sentido, pode-se afirmar que seriam esses juízos fundados, sim, em preconceitos... Preconceitos esses capazes de permitir a acumulação de valores culturais sem a necessidade da experiência repetitiva por parte de cada membro da sociedade.
Já escrevi uma vez, e volto aqui a insistir, que vive-se hoje uma certa patologia do tempo. Nada parece, no Brasil, ter origem no passado... Nada se faz para permanecer para o futuro. A sociedade vive um eterno presente em que a construção do saber precisa, segundo os ditames do materialismo dialético, ser construída pela experiência. Ora, decorre daí que tudo aquilo que não seguir esse principio há de ser considerado um “preconceito”. A sociedade contra o preconceito é portanto a sociedade sem cultura haja vista que aceitamos acima que a própria base histórico-cultural de uma sociedade precisa de preconceitos.
Nada há de mais covarde e burro do ponto de vista filosófico do que confundir preconceito com injustiça. A primeira expressão tem cunho descritivo à medida que se refere à formação de determinados juízos que não tem como fundamento a experiência real. A segunda é de caráter qualificativo... freqüentemente utilizada de maneira pejorativa por aquele, ou aqueles, que ungidos por um Deus ou, no caso do Brasil, por um partido político tornaram-se os arautos... os verdadeiros conhecedores de uma verdade hermética chamada “justiça”...
Resta evidente, do que escrevi acima, que é impossível fazer história sem preconceito. Nossa capacidade de julgar, de nos organizarmos em sociedade, de acumular e transmitir saber não se pode – está claro – restringir à observação científica de determinados fenômenos físicos. A história não é uma ciência exata e, quando debruçada sobre ela para aprender seu significado, a razão há que ultrapassar os seus próprios limites utilizando-se inclusive, se necessário, de preconceitos estabelecidos e capazes de lhe fornecer a noção de transcendência tão necessária ao estudo imparcial da própria história.
A luta histérica por uma interpretação da história sem preconceito algum que assistimos no Brasil nada mais é do que uma luta suicida... Uma guerra contínua contra uma sociedade sem preconceitos e que há de terminar um dia... numa sociedade “perfeita” como quer todo marxista – uma sociedade sem história...”
(Milton Pires, A Sociedade sem História)

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