quinta-feira, 1 de maio de 2014

Entrevista com Philippe Pichot-Bravard (II)

“Ademais, os governos sucessivos desmantelaram, principalmente depois de 1992, o ambiente no qual se exerciam, desde o terceiro quarto do século XIX, as liberdades republicanas. Maëstricht, Amsterdã e Lisboa privaram o país do essencial de sua soberania, reduzindo como inexorável a margem de manobra do governo; o qüinqüênio matou a eleição legislativa que não é mais, desde 2002, do que um escrutínio sem interesse e sem debate confirmando o resultado das eleições presidenciais; o novo modo de escrutínio das eleições regionais, adotado em 2003, confiscou a representação nos conselhos regionais em proveito dos dois maiores currais presidenciais; as leis sobre a paridade entravaram a livre escolha dos eleitores; a implementação da intercomunidade privou os conselhos municipais eleitos de uma parte importante de suas prerrogativas em proveito de uma organização complexa e opaca; enfim, os eleitores foram pouco a pouco despojados da liberdade de escolher seus conselheiros municipais pela supressão progressiva do voto preferencial em proveito do voto bloqueado, inicialmente nas cidades com mais de trinta mil habitantes (1977), depois nas cidades com mais de três mil e quinhentos habitantes (1983) e logo, parece, nas comunas com mais de mil habitantes.
Todas estas mudanças minaram a República. O sistema eleitoral está agora completamente bloqueado por uma oligarquia constituída por grandes partidos, por círculos de influência, grupos de interesse, pela televisão, grandes jornais, e aqueles que, os financiando, lhes dão instruções. A retração crescente, desde a metade dos anos 90, do círculo das opiniões permitidas e o empreendimento, no debate público, de um pensamento oficial servido por uma língua insidiosa e conceitual, apanágio de uma oligarquia ideológica, desempenha aqui um papel muito importante. A maioria dos franceses se sente hoje excluída do jogo político, o que seca a fonte de sua legitimidade.
Ademais, o desprezo que esta oligarquia manifesta com respeito à população é cada vez mais manifesto, como demonstrou a questão do Sindicado da Magistratura ou ainda a saída reservada à petição enviada ao CESE. Este desprezo contribui ao descontentamento de uma parte importante da população, e, em particular, da parte da população que é habitualmente a mais disciplinada, a mais trabalhadora, a mais respeitosa das regras: aquela que se manifestou em 24 de março e em 26 de maio últimos.
Sem dúvida, quando olhamos de perto, o sistema representativo instituído a partir de 1789 sempre foi um edifício de estuque construído de forma ilusória. A confusão mantida entre a afirmação do caráter democrático das instituições e sua realidade representativa não é o menor destes artifícios. As aparências, cuidadosamente salvaguardadas, garantiram, durante muito tempo, a perenidade do sistema. Tudo ocorre hoje como se, o estuque se despedaçando, a realidade aparecesse aos olhos de um grande número de nossos compatriotas, revelando as numerosas imposturas de um sistema que pretende ser democrático enquanto que ele não o é, e que ele nunca o foi, tendo sempre sido representativo, ou seja, por essência, oligárquico; um sistema que assegura, concretamente, muito menos liberdades que ele promete. Alude-se então, cada vez mais, à convicção de que os "valores da República" não têm talvez a consistência que lhe emprestaram, que eles seriam, no melhor, conceitos abstratos sem alcance real concreto, no pior, um instrumento de manipulação da opinião às virtudes narcóticas. Esta convicção alimenta a crise de regime que conhecemos hoje.
Todavia, a existência de uma crise de regime não leva necessariamente à queda deste. Ainda que enfraquecido, o regime conserva a capacidade de se defender, especialmente mudando, não fosse isso apenas aparência, o que deve ser mudado para lhe permitir sobreviver. Nossa história constitucional, e especialmente as mudanças de regime ocorridas em 1789, em 1792, em 1799, em 1814, em 1815, em 1830, em 1848, em 1851 ou em 1958, nos mostram, ademais, que um regime conserva sempre esta capacidade contanto ele não seja abandonado por uma parte, ao menos, daqueles que têm por missão defendê-lo.
Todas as vezes que a República se sentiu ameaçada, ela soube se defender energicamente, não hesitando em afastar a aplicação das regras jurídicas, em desviar ou em desprezar suas próprias leis para reprimir a oposição pela qual ela se sentia ameaçada, mesmo quando esta se expressava pacificamente. A violência, o assédio administrativo e a perseguição fiscal foram os meios mais correntes. Experimentamos atualmente disso, no mesmo instante em que vários membros do governo não hesitam em renovar publicamente, com os grandes ancestrais de 1793, em se reapropriar de seu projeto totalitário de regeneração do homem. Podemos temer, a este propósito, que a repressão se acentue nos próximos meses, visando mais diretamente os movimentos de juventude, as escolas livres e mesmo, quem sabe, algumas congregações religiosas. A batalha apenas começou. E esta batalha é, a princípio, a do Direito e da Justiça contra a arbitrariedade do poder.
Corsaire: Depois de ter evocado o direito natural e a filosofia jurídica, examinemos mais de perto o sistema normativo atual, e, especialmente, as normas constitucionais, situadas no topo da pirâmide de Kelsen. Como o senhor analisa o cheque em branco dado pelo Conselho constitucional à lei de desnaturalização do casamento? Temos de ver aí uma decisão política? A solução seria inscrever a família tradicional no centro de nossa Constituição?
Prof. Pichot-Bravard: A existência de um conselho constitucional é em si necessária ao equilíbrio das instituições. Sua criação, em 1958, foi um dos aspectos mais interessantes da Constituição da Vª República. A extensão jurisprudencial de seu controle, em 1971, no "bloco de constitucionalidade" era necessária. A extensão de sua consulta, pelas reformas de 1974 e de 2008, foi algo excelente.
Contudo, esse conselho apresenta ainda dois defeitos maiores, que não deixaram de macular a decisão que eles deram a propósito da lei Taubira:
De um lado, ele é o guardião de um "bloco de constitucionalidade" constituído principalmente da constituição de 1958, do preâmbulo da constituição de 1945 e da declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. Ora, nenhum destes textos faz referência aos princípios do direito natural e à necessária submissão do direito positivo a este direito natural.
Portanto, é urgente remediar esta lacuna modificando o preâmbulo da Constituição, para integrar nela o reconhecimento da autoridade do direito natural.
Fazendo referência a uma tradição jurídica ocidental plurimilenar, seria necessário, levando em conta as mentalidades atuais, precisar as implicações concretas deste direito natural, a saber, o respeito de toda a vida humana, desde a concepção até a morte natural, o respeito da dignidade e da liberdade individual das pessoas, o reconhecimento da família que se fundamenta sobre o casamento entre um homem e uma mulher, o direito dos pais de escolher a educação de seus filhos, o direito de propriedade, o reino da justiça que consiste em dar a cada um a parte que lhe convém, a justa parte, especialmente nas relações de trabalho, a existência de hierarquias sociais implicando para aqueles que assumem responsabilidades um aumento de deveres.
Por outro lado, o conselho constitucional é uma jurisdição constituída de personalidades políticas nomeadas por três personalidades políticas, o presidente da República, o presidente do Senado e o presidente da Assembléia, elas mesmas tributárias das forças que lhes permitiram subir a estas funções elevadas. Se quisermos que o Conselho constitucional cumpra de forma conveniente suas funções, é preciso que ele seja composto de personalidades independentes designadas por uma autoridade independente.
Corsaire: Enfim, o senhor mantém um jornal livre na Rádio Courtoisie. O senhor compartilha de nossa convicção, segundo a qual a vitória de amanhã se prepara pela reinformação e a reconquista intelectual?
Prof. Pichot-Bravard: A ação política deve ser alimentada por uma vida espiritual exigente e por um trabalho regular de formação intelectual e cultural.
Nossos adversários revolucionários, e especialmente marxistas, ou marxizantes, entenderam perfeitamente o papel essencial da cultura no combate político. A grande falta dos liberais foi abandonar a cultura aos seus adversários para se concentrar sobre a ação econômica.
A reconquista política implica um empreendimento de reconquista cultural, como ilustra Phillippe de Villiers na Vendéia, o único departamento do Oeste da França onde a direita reforçou suas posições entre 1990 e 2010. Ademais, isto abre àqueles que desejam se engajar na política um campo de ação muito mais vasto do que eles imaginam. A ação política não se resume à vida eleitoral, que pode muito bem ser apenas uma perda de tempo. Ela pode consistir em organizar um ciclo de formação, ou simplesmente em participar dele. Ela pode consistir em animar um programa de rádio, uma revista ou um site, como vocês fazem.
Ela pode consistir em restaurar e realçar uma capela ou um monumento ameaçado de ruínas, como Reynadl Sécher em La Chappelle Basse-Mer.
Ela pode consistir em criar, ou em manter uma escola realmente livre. Ela pode consistir em animar uma associação ou um movimento de jovens. Ela pode consistir em participar de manifestações, como fazem hoje os "Hommen".
Há muitos modos de combater. Nosso mundo contemporâneo reduz a ação política à disputa partidária. É preciso evitar cair nesta armadilha. Recordemos isso: a política consiste no serviço do bem comum. Sem dúvida esse serviço implica, em um momento ou outro, na conquista do poder, mas esta conquista, para ser efetiva, eficaz e durável, exige inicialmente uma conquista das inteligências. Ela exige transmitir valores e conhecimentos, batalhar sem concessão contra a "novilíngua" do pensamento oficial, contra as mentiras da desinformação, reacostumar os ouvidos de nossos compatriotas a ouvir um discurso tradicional a fim de levá-los, inicialmente, a considerar que este discurso faz parte das escolhas possíveis, antes de convencê-los que esta escolha é a melhor para a restauração da França.”

http://catolicosribeiraoarteehistoria.blogspot.com.br