segunda-feira, 16 de julho de 2012

O homem prevaricador e decaído não é feito para a verdade

“O homem prevaricador e decaído não é feito para a verdade; nem é a verdade feita para o homem neste estado de prevaricação e de queda. Entre a verdade e a razão humana, desde a prevaricação do homem, Deus colocou uma imperecível repugnância e uma invencível repulsa. A verdade tem em si mesma os títulos de sua soberania, e impõe seu jogo sem pedir permissão; ora, o homem, desde que se revoltou contra Deus, não reconhece senão sua própria soberania, e não quer admitir qualquer outra a não ser que ela solicite previamente seu sufrágio e seu consentimento. Eis porque, quando a verdade se lhe apresenta, seu primeiro movimento é negá-la; negando-a, ele afirma sua soberana independência. Se negá-la lhe é impossível, ele entra em luta com ela; combatendo-a, ele combate por sua soberania. Vencedor, ele a crucifica; vencido, ele foge; fugindo, ele imagina escapar de sua servidão; crucificando-a, ele acredita crucificar seu tirano.
Ao contrário, entre a razão humana e o absurdo existe uma afinidade secreta e um estreito parentesco. O pecado os uniu pelo vínculo de um indissolúvel desponsório. O absurdo triunfa no homem precisamente porque é destituído de qualquer direito anterior e superior à razão humana. Não tendo direitos a alegar, não pode ter pretensões, e eis por que o homem, em seu orgulho, não encontra nenhum motivo para o repudiar. Longe disso, o orgulho o leva a acolhê-lo; o absurdo, sua vontade o aceita, porque é engendrado por sua própria inteligência, a qual, por sua vez, se compraz nele, isto é, no seu próprio filho, no seu próprio verbo, testemunho vivo de seu poder criador. Criar é próprio da Divindade; criando o absurdo, o homem como que se torna Deus, e confere a si mesmo honras divinas. Contanto que ele seja Deus, que ele aja como Deus, que lhe importa o resto? Que importa a existência de um Deus da Verdade, se ele é, ele próprio, o Deus do absurdo? Não será ele, desde então, independente como Deus? Soberano como Deus? Adorando a obra de sua criação, glorificando-a, é a si mesmo que ele glorifica e adora.”
(Juan Donoso Cortés, Ensaio sobre o Catolicismo, o Liberalismo e o Socialismo)