“Se falamos em cisma a propósito do donatismo africano, não significa que, no fundo, não houvesse verdadeira heresia. O cisma nasceu por ocasião da eleição de Ceciliano para arcebispo de Cartago. Formou-se um partido contra ele. Pretenderam que sua consagração, pelo bispo Félix de Aptonge, era inválida. Dizia-se que Félix, nos tempos de perseguição, entregara os Livros Sagrados à polícia. O fato de ter sido
traidor, como se dizia, lhe tiraria para sempre o poder de consagrar validamente. Essa teoria se aproxima um pouco da de São Cipriano, bispo de Cartago. Também ele afirmava, contra o sentir de Roma, que o batismo conferido por hereges era inválido. De fato, os adversários de Ceciliano invocaram a autoridade de Cipriano. Seu chefe era um tal Donato, bispo de Casa Negra, na África. Seu principal teólogo, outro
Donato, a quem deram a alcunha de o Grande. Daí o nome de
donatistas. Num país de paixões vivas, como a África, e em que eram muitos os descontentes com a dominação romana, foi fácil encontrar partidários. Os donatistas chegaram mesmo a ter
tropas de choque, como diríamos hoje, em forma de grupos fantasiados, constituídos por homens que se chamavam a si mesmos de
soldados de Cristo, mas que os católicos chamavam de
circumcelliones ou vagabundos de palhoças.
Doutrinariamente, os donatistas, incluindo as variantes, professavam dois princípios igualmente heréticos: 1º) Os pecadores públicos e manifestos, notadamente os bispos e padres prevaricadores, não pertenciam mais à Igreja. 2º) Fora da verdadeira Igreja, todos os sacramentos eram inválidos.
Fato ainda mais grave, os donatistas queriam expulsar da Igreja não só os bispos e padres acusados de prevaricações, mas ainda todos os fiéis que continuavam em comunhão com eles. Acabavam considerando-se a única verdadeira Igreja! Todo o resto da Igreja, segundo eles, estava fora da verdade. Estavam bem longe do verdadeiro espírito de misericórdia que reina no Evangelho!
Heresia tão radical e perigosa seria vigorosamente combatida pelos católicos. De fato, o donatismo foi condenado nos concílios de Latrão, em Roma, em 313, depois no de Arles, em 314, presidido pelo imperador Constantino. Desde então, todos os imperadores – exceto Juliano, o Apóstata – foram adversários intransigentes do donatismo, mas não puderam erradicá-lo. Em favor da seita agiam razões políticas e um nacionalismo africano semelhante ao que vemos em nossos dias.
O grande adversário doutrinal do donatismo, no século V, foi Santo Agostinho, bispo de Hipona. Em 411, em Cartago, houve um grande concílio contraditório. Havia 286 bispos católicos africanos contra 279 donatistas. Em quase todas as localidades africanas, havia, portanto, dois bispos: um católico e um donatista. Graças à eloqüência e ciência bíblica de Agostinho, o concílio confundiu os cismáticos. O Estado tomou sérias medidas contra eles. As conversões se multiplicaram e, pouco a pouco, a heresia desapareceu.
Estas discussões, às vezes acaloradas, tiveram um bom resultado. Estabeleceu-se: 1º) que não se sai da Igreja pelo pecado, mesmo que seja mortal e público, mas somente pela apostasia da fé; 2º) que para a validade do sacramento, não se exige o estado de graça no ministro do sacramento.”
(Mons. Léon Cristiani,
Brève Histoire des Hérésies)
Tradução de José Aleixo Dellagnelo
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