sábado, 20 de novembro de 2010

A justificação pelas obras segundo São Tiago


“À primeira vista, o que vimos até agora parece estar em contradição com o ensinamento de São Tiago, que diz:
“Queres saber, ó homem vão, como a fé sem obras é estéril? Abraão, nosso pai, não foi justificado pelas obras, oferecendo o seu filho Isaac sobre o altar? Vês como a fé cooperava com as suas obras e era completada por elas. Assim se cumpriu a Escritura, que diz: Abraão creu em Deus e isto lhe foi tido em conta de justiça, e foi chamado amigo de Deus (Gên 15, 6). Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé?” (Tg 2, 20-24)
Assim, diz São Paulo que a justificação é pela fé, não pelas obras; São Tiago diz que somos justificados pelas obras e também pela fé. Não há aqui uma contradição? Não, se reconhecermos que São Tiago está usando a palavra “justificação” em um sentido ligeiramente diferente do utilizado por São Paulo. Simplesmente, Paulo usa “justificação” para expressar a mudança de “mau” (estado de pecado) para “bom” (estado de graça) diante de Deus. Tiago, no entanto, usa a mesma palavra para exprimir o manter-se bom – e tornar-se cada vez melhor – diante de Deus. Essa ambigüidade na idéia de justificação é semelhante à que ocorre na linguagem cotidiana em relação à idéia de saúde. Se dizemos que “uma boa alimentação nos faz saudáveis”, isso tanto significa que a boa alimentação muda nossa condição de doentes para saudáveis, como que nos mantém saudáveis e pode nos fazer cada vez mais saudáveis. Assim, o que Tiago nos ensina é que tendo sido inicialmente justificados pela fé, devemos perseverar tanto nas boas obras como na fé, para crescermos em “justiça” – isto é, em santidade. O exemplo de Abraão, por ele usado, ajuda a entender aonde quer chegar. Abraão foi justificado primeiro pela fé, quando creu no chamado de Deus e em Sua promessa (Gên 15, 6). Depois disso, foi justificado ainda mais pela “obra” – o ato de obediência – de estar preparado para sacrificar seu filho Isaac ao comando de Deus (Gên 22).
Os protestantes geralmente citam São Tiago de forma seletiva, ressaltando que, de fato, a “fé sem obras é morta”, e sustentando que, se uma pessoa não produz boas obras, isso mostra que ela não tem o tipo de fé que justifica, mas somente a “fé morta” que até os maus espíritos têm. Mas eles ainda insistem, em flagrante contradição com o versículo 24, que “só a fé” é que realmente justifica – que as boas obras são somente um efeito, e de modo nenhum uma causa, de nossa justificação. Outros protestantes adotam o estratagema exegeticamente desesperado de afirmar que Tiago 2, 24 fala de uma justificação “diante dos homens” e não “diante de Deus”, como se o Apóstolo estivesse meramente afirmando que boas obras nos fazem parecer justos na avaliação das pessoas que nos conhecem. Contudo, o contexto claramente descarta essa hipótese totalmente injustificada, motivada somente pela necessidade de reconciliar Tiago com uma interpretação errada de Paulo. Não admira que Lutero – de modo mais radical, mas talvez com mais coerência – repudiasse desdenhosamente Tiago como uma “epístola de palha” e costumasse ignorar a contradição desta com sua própria doutrina.
Há muitas outras passagens bíblicas que esclarecem que, depois de sermos livremente perdoados e justificados pela fé e pela graça, devemos perseverar nas boas obras se quisermos conservar essa graça e alcançar a salvação final. “Só a fé” não é mais suficiente neste derradeiro estado de nossa jornada espiritual, pois “a fé sem obras é morta” (Tg 2, 26). O próprio São Paulo, pouco antes de escrever aos romanos sobre a “justificação pela fé, sem as observâncias da lei”, diz: “Porque diante de Deus não são justos os que ouvem a lei, mas serão tidos por justos os que praticam a lei.” (Rom 2, 13). E também:
Flp 2, 12-13: “Assim, meus caríssimos, vós que sempre fostes obedientes, trabalhai na vossa salvação com temor e tremor (...). Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar.” (Eis aqui a doutrina católica em poucas palavras: boas obras realizadas em estado de graça são necessárias para nossa salvação e meritórias diante de Deus, porque são simultaneamente Suas obras e nossas.)
Apoc 20, 11-12: “Vi, então, um grande trono branco e aquele que nele se assentava. (...) Vi os mortos, grandes e pequenos, de pé, diante do trono. Abriram-se livros, e ainda outro livro, que é o livro da vida. E os mortos foram julgados conforme o que estava escrito nesse livro, segundo as suas obras. (Ver também a parábola do Juízo Final, as “ovelhas” e os “cabritos” que são julgados “segundo suas obras” – Mt 25.)
Jo 14, 15: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos.”
I Jo 2, 3-4: “Eis como sabemos que o conhecemos: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-lo e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele.””
(Rev. Brian Harrison, O. S, Faith, Works and Justification)

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