sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Intuição do Verbo de Deus por meio das obras humanas


“Se considerarmos o que é produzido, veremos que o produto feito pela arte mecânica procede do artífice mediante similitude existente na mente, pela qual o artífice concebe antes de produzir e em seguida produ-lo como o idealizou. O artífice produz a obra exterior imitando até aí o exemplar interior, como melhor pode; e se lhe fosse possível produzir um efeito tal que pudesse amar e conhecer o seu autor, certamente o faria; e se esse efeito conhecesse o seu autor, isso só poderia dar-se mediante aquela similitude que procedeu do artífice; e se tivesse ofuscado os olhos do conhecimento, de sorte que não pudesse elevar-se acima de si, necessário seria, para vir a ter conhecimento do seu autor, que a similitude, pela qual esse efeito foi produzido, se pusesse ao nível de uma natureza que pudesse ser por ele compreendida e conhecida. Do mesmo modo hás-de entender que nenhuma criatura procedeu do Autor supremo senão pelo Verbo eterno “no qual tudo dispôs”, e pelo qual produziu não apenas criaturas que têm razão de vestígio, mas também de imagem, a fim de poderem assemelhar-se a ele pelo conhecimento e pelo amor. Mas, uma vez que, por causa do pecado, a criatura racional ficou com o olhar da contemplação obnubilado, foi muito conveniente que o eterno e invisível se tornasse visível e assumisse uma carne, para nos reconduzir ao Pai. Isto é o que se diz no décimo quarto capítulo do Evangelho de São João: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”; e no capítulo décimo primeiro do Evangelho de São Mateus: “Ninguém conhece o Pai senão o Filho, e a quem o Filho quiser revelar”. E por isso é que se diz: “o Verbo se fez carne”. Considerando pois a iluminação da arte mecânica quanto à produção da obra, intuiremos aí o Verbo gerado e incarnado, isto é, a Divindade e a humanidade e a integridade total da fé.”
(São Boaventura, De Reductione Artium ad Theologiam)

Tradução de Mário Santiago de Carvalho

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