segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pequeno florilégio dos erros e ambigüidades conciliares (I)


“1) Na constituição Lumen Gentium, que trata da noção própria de Igreja, aparece claramente uma definição errada da Igreja, porque afirma, no artigo 8, que a “Igreja do Cristo” subsiste na Igreja Católica e que à “Igreja do Cristo” pertencem também “elementos de santificação” e “verdades exteriores à Igreja Católica”. Durante dezenove séculos foi ensinado que a Igreja Católica é a única e verdadeira Igreja do Cristo, porque foi fundada por Ele e constitui Seu Corpo Místico, única depositária da Verdade Revelada, na continuidade do ensinamento dele recebido e transmitido por São Pedro e pelos apóstolos a seus sucessores e aos Padres da Igreja, mantido “de mão em mão” (Concílio de Trento) até hoje. Quem disso se separou foi considerado – a justo título – como cismático (seitas e não Igrejas) e mais, herético, se professou doutrinas contrárias ao depósito da fé (como os luteranos, anglicanos etc...). As comunidades cristãs que se afastaram da Igreja não podem, enquanto tais, conceder a salvação a seus membros: tendo se separado da única e verdadeira Igreja, estão privadas da ajuda do Espírito Santo, sem a qual a salvação da alma não é possível. E todas as outras religiões o podem ainda menos. Não tendo sido fundadas pelo Filho de Deus (que além disso não querem reconhecer) não podem ensinar a Verdade que nos foi revelada sobre os divinos Mistérios e sobre os costumes.
Foi assim que a Santa Igreja sempre ensinou. Diz ela, por acaso, que aquele que não é católico está a priori condenado à pena eterna? Não, porque sempre ensinou que podemos nos salvar com o batismo de desejo: explícito, quando aquele que pede o batismo, ainda estando fora da Igreja, já vive se esforçando para fazer a vontade de Deus, mas morre antes de receber o batismo; implícito, quando, estando, sem falta própria, fora da verdadeira fé, o não-católico vive no entanto procurando fazer em tudo a vontade de Deus, a fim de não morrer em estado de pecado mortal: ele se salva em sua religião, mas não por intermédio de sua religião. O Vaticano II contradiz essa doutrina quando insere na Igreja do Cristo, ao lado da Igreja Católica, “elementos de santificação e de verdade” ou ainda de salvação, representados pelas outras denominações cristãs enquanto tais, com suas falsas doutrinas, já formalmente condenadas pelo Magistério. As seitas são assim impropriamente elevadas ao nível de “Igrejas”: isso está expressamente no artigo 3 do decreto conciliar Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo. Trata-se de erro teológico manifesto ao qual se acrescenta também um erro de lógica no artigo 4 seguinte, onde se diz que só a Igreja Católica mantém “toda a plenitude dos meios de salvação” (não mais portanto a unicidade) enquanto que as “Igrejas” dos protestantes e dos cismáticos, enquanto tais constituindo “meios de salvação” utilizados pelo Espírito Santo (!), mostram “carências”. Já que a salvação é evidentemente sempre a mesma (o céu), não se compreende segundo qual lógica os “meios de salvação” dos protestantes e dos cismáticos, afligidos por “carências” e portanto deficientes, podem por si mesmos conceder a mesma salvação que a oferecida pelos meios de salvação da Igreja Católica, meios que não sofrem dessas “carências”.
Os heréticos e os cismáticos fariam então parte da “Igreja do Cristo”: é por isso que não se lhes pede para retornarem à única e verdadeira Igreja, depois de terem abjurado seus erros. De fato, o decreto Unitatis Redintegratio não fala de “volta”, mas de “conversão”, com um sentido completamente anormal: "a unidade não se deve fazer pela volta dos separados à Igreja Católica, porém antes pela conversão de todas as Igrejas no Cristo total, o qual não subsiste em nenhuma delas, mas é reintegrado mediante a convergência de todas em Um”. Uma falsa noção de “Igreja do Cristo” é pois a base do “dialogo ecumênico” com os ditos “irmãos separados”. A unidade à qual esse “diálogo” aspira é pois falsa, necessariamente aberrante, inclusive no plano lógico, já que deve fazer viver juntos a verdade e o erro: a imutável Verdade revelada confiada à Igreja com os delírios do livre exame individual, do “simul iustus et peccator” e outras coisas semelhantes; a necessidade das obras meritórias para a salvação com sua negação; o casamento “divinitus” indissolúvel com aquele muito solúvel dos protestantes e ortodoxos etc...
2) A Lumen Gentium foi em seguida marcada por uma concepção errônea da colegialidade episcopal. Com efeito, a suprema potestas iuridictionis sobre a Igreja, que é outorgada pelo direito divino ao papa, foi atribuída (pelo artigo 22) também ao colégio dos bispos em união com o Papa, coisa nunca antes admitida. Temos, pois, dois titulares do poder supremo (um autentico absurdo jurídico) com a única diferença de que os bispos não a exercem sem a autorização do Papa. Em substância, essa fórmula de compromisso deixa as conferências episcopais praticamente livres para exercer as amplas autonomias e competências que lhes são reconhecidas ex novo pelo Concilio (decreto Christus Dominus, artigo 37), sobretudo em matéria litúrgica, para experimentar e adaptar os ritos às culturas locais (constituição Sacrosanctum Concilium, artigos 22, 39 e 40). O controle da Santa Sé sobre o comportamento dos bispos se reduziu, em substância, a constatar as iniciativas das Conferencias Episcopais, agora que a “potestas” da qual estão investidos colegialmente os bispos é “suprema” como a do Papa. As Conferências Episcopais assim pulverizaram a autoridade de cada bispo (a título individual). A autoridade do Papa e a autoridade do bispo sofreram uma diminuição impressionante, dando vantagem à autoridade do coletivo dos bispos, que goza mesmo de poderes legislativos. A constituição hierárquica da Igreja foi subvertida pela instauração de uma oligarquia episcopal.
Além disso, a Lumen Gentium trouxe uma outra modificação (artigo 9 e seg.) à noção de Igreja, concebida não como “corpo místico do Cristo” (São Paulo), mas como “povo de Deus”. Agora é a comunidade dos fiéis, presidida pelos padres, que vem a ser a Igreja, como se esta última devesse se constituir essencialmente a partir de baixo, nas assembléias que constituem a Igreja local, a soma das quais constitui a Igreja Universal. Assim a parte é tomada pelo todo – o “povo de Deus” pela totalidade da Igreja – com o fim de introduzir aí uma visão democrática, próxima ao modo de sentir dos protestantes heréticos, totalmente estranhos à Tradição, a qual, evidentemente, sempre se manteve firme sobre a origem e a natureza sobrenatural da Santa Igreja, manifestada e garantida por sua organização hierárquica.
3) Em contrapartida, a constituição Gaudium et Spes, que trata da relação da Igreja (a “Igreja do Cristo” ex. artigo 8 da Lumen Gentium) com o mundo contemporâneo, sofre manifestamente de um antropocentrismo difuso, totalmente incompatível com a sã doutrina. No artigo 3 está dito que o “objetivo da Igreja...é salvar o homem, edificar a humanidade... por conseqüência... o Concílio, proclamando a grandeza eminente da vocação do homem... oferece à humanidade a cooperação sincera da Igreja, em vista de instaurar essa fraternidade universal que corresponde a essa vocação”. Note-se bem: não se pensa em “salvar o homem” pecador por meio da conversão ao Cristo, único que lhe torna possível a vida eterna (Mc. 16, 15-16; Mt. 28, 18-20). Não. Essa Hierarquia pensa conseguir a “salvação” pelo engajamento na instauração da terrestre e mundana “fraternidade universal”, que não tem nada a ver com o fim sobrenatural próprio da Igreja. É a fraternidade das ideologias leigas apodrecidas pelo tempo, das quais a Gaudium et Spes não hesita em extrair outras sementes: “as vitórias da humanidade [e quais seriam elas?] são um sinal da grandeza de Deus e o fruto de seu inefável desígnio” (artigo 34); “o progresso terrestre... é de grande importância para o Reino de Deus” (artigo 39), etc. Essa exaltação do homem encontra acentos impressionantes no artigo 22: “O Cristo...desvela também plenamente o homem a si mesmo e lhe manifesta sua altíssima vocação”. Parece que Nosso Senhor não veio para salvar os pecadores que cressem Nele e se convertessem ("não vim chamar os justos, mas os pecadores” Mc. 2, 17), mas para fazer os homens tomarem consciência dessa grande coisa que ele, homem, é, para exaltar o homem! A altíssima vocação do homem resultaria de afirmações como as seguintes: “que o homem é a única criatura que Deus quis por ele mesmo” (art. 24 cit.) enquanto que “com a Encarnação o Filho de Deus se uniu de certa maneira a todo homem” (art.22 cit.). Por isso os homens “todos, resgatados por Cristo, gozam da mesma vocação e do destino divino” (art. 29). Difundem-se aqui os germes de uma doutrina que nunca fora antes ensinada pela Igreja (porque Deus fez todas as coisas para “Ele mesmo”, para sua glória e nenhuma “para ela mesma”, nem mesmo o homem) e essa doutrina terá, como é conhecido, seu desenvolvimento no pós-Concílio: que Nosso Senhor com a Encarnação estaria, em certo sentido, unido a todo homem, de modo a poder considerar – por esse único fato – que todos os homens já estariam resgatados, sem necessidade de sua conversão ou de seu retorno ao Catolicismo. E é com essa falsíssima premissa (uma verdadeira armadilha para seus partidários) que se instaurou o “diálogo” com as outras religiões, para poder constituir com elas também uma unidade planetária, sincretismo não menos monstruoso do que o que é procurado com os heréticos e os cismáticos.”
(Paolo Pasqualucci, O Acontecimento Capital do Século XX)

Nenhum comentário:

Postar um comentário