quarta-feira, 21 de julho de 2010

Pequeno florilégio dos erros e ambigüidades conciliares (II)


“4) O Concílio deveria, em seguida, ter repetido a doutrina de sempre sobre as duas fontes da Revelação (a Sagrada Escritura e a Tradição), sobre a inerrância absoluta da Escritura, sobre a plena e total historicidade dos Evangelhos. Mas na constituição Dei Verbum sobre a revelação divina, esses princípios fundamentais são antes expostos de modo ambíguo (nos artigos muito contestados 9, 11 e 19), com expressões que, em um caso (no artigo 11), se prestam a interpretações inteiramente opostas, das quais uma reduz a inerrância apenas à “verdade consignada na Escritura para nossa salvação”. O que equivale na prática a uma heresia porque põe em dúvida o caráter absoluto da inerrância das Escrituras Santas.
5) O Concílio, em seguida, pôs em obra a reforma litúrgica, cujos tristes efeitos estão, há anos, sob as vistas de todos. A antiqüíssima e venerável liturgia católica da Santa Missa, coração do Catolicismo, desapareceu, substituída por um novo rito, em língua vulgar, que os Protestantes puderam declarar teologicamente aceitável! De fato, seu Institutio (1969 e 1970) não nomeia nem o dogma da Transubstanciação nem o caráter propiciatório do Sacrifício (graças ao qual nossos pecados nos são perdoados) que também constitui um dogma de fé (Denz. Schönm 938/1739-1741; 950/1753). Ao contrário, o acento é posto, à maneira protestante, não no Sacrifício do Senhor, mas no banquete que é o seu memorial ou antes o memorial da Ressurreição (mistério pascal) mais do que da Cruz, oferecido para a assembléia dos fiéis sob a presidência do padre, assembléia que agora concelebra no mesmo plano que este último. Nessa missa, o Sobrenatural da verdadeira Missa católica, a repetição incruenta do Sacrifício da Santa Cruz por meio da transubstanciação do pão e do vinho em corpo e sangue do Senhor, desapareceu, sabendo-se que o Institutio se limita a mencionar uma “presença real” indiferenciada, não qualificada e não qualificadora, porque considera da mesma maneira a assembléia dos fiéis, a pessoa do ministro, a palavra do Cristo e as espécies eucarísticas.
Os últimos estudos puseram em relevo de modo categórico porque o novo rito não pode de maneira nenhuma se definir como católico. Com efeito, “foi afastado do Rito da Missa tudo o que poderia ter uma relação com a pena devida pelo pecado, como também a finalidade propiciatória da Missa”. Além disso, segundo a heterodoxa teologia “dita do mistério pascal”, considerando o rito memorial capaz, por si só, de tornar presente, fora do tempo humano, os mistérios da morte e da ressurreição do Cristo, a reforma litúrgica modificou profundamente a estrutura ritual da Missa até o ponto de eliminar sua dimensão precisamente sacrificial. Isso tornou-se possível também pela utilização de uma noção de símbolo muito particular, de aparência esotérica - a nosso ver – que lembra as tenebrosas tanto quanto falaciosas doutrinas de um René Guénon e Cia.
Já que a teologia do mistério pascal considera a Eucaristia não mais como um sacrifício visível, mas como um símbolo que torna misteriosamente presentes a morte e a ressurreição do Senhor e que permite, através desses fatos, o contato com o Cristo glorioso, a presença do Cristo Sacerdote e Vítima cedeu o passo, na ação litúrgica, à do Kyrios que se comunica à assembléia. E uma tal imprópria, quase mágica noção de símbolo contribuiu para a elaboração de uma nova noção de Sacramento, naturalmente diferente daquela que pertence ao deposito da fé. Pois bem, essa incrível missa do Novus Ordo já estava antecipada nos artigos 7, 10, 47, 48 e 106 da constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a reforma litúrgica, a qual, além disso, nos artigos 21, 24, 37, 38, 40, 90 e 119 considera também a simplificação do rito, para torná-lo mais fácil, mais adaptado (!) à cultura profana, nacional e local; atualização a ser conseguida através da criatividade e experiências litúrgicas. Todas essas novidades vão expressamente contra todos os ensinamentos da Igreja. Isso provocou os diversos e múltiplos ritos hoje dominantes, do afro-católico (que se exibe com danças e tambores dentro da própria Basílica de São Pedro em Roma), ao índio-católico, às variantes nacionais e locais e aos ritos pessoais dos diferentes oficiantes de serviço. À ortodoxia e à majestade do Rito Romano Antigo, cujo cânon remonta aos Apóstolos, sucedeu a Babilônia do novo rito submisso à aculturação, fruto de uma doutrina perversa.
6) O Vaticano II mostrou que aceitava o conceito leigo da liberdade como “libertas a coactione – liberdade de não ser coagido”, ontologicamente fundada na dignidade do homem enquanto homem, para justificar o caráter lícito de não importa qual culto religioso (declaração conciliar Dignitatis Humanæ, artigos 2, 3 e 4). O Concilio justifica, assim, a liberdade entendida como autodeterminação absoluta do indivíduo, de um individuo que se considera realizado e auto-suficiente, enquanto que a Igreja sempre ensinou que a liberdade não pode se separar da Verdade (revelada) e que a dignidade da pessoa fica obscurecida se nela falta a retidão da vontade que procura o Bem, porque essa dignidade está fundada sobre valores sobrenaturais e não sobre o homem enquanto homem. E o Concílio, por conseqüência, introduziu a idéia da livre procura da verdade por parte da consciência individual, com suas próprias forças naturais, apenas e em união com os homens de boa vontade de todas as crenças e de toda fé (Gaudium et Spes, 16), o que é menos católico do que se possa imaginar. Essa colocação conduziu, por fim, à afirmação de uma substancial independência da “comunidade política” em relação à Igreja: uma e outra teriam em comum somente o fato de estar “a serviço” de uma geral “vocação pessoal e social entre os homens”, de modo a poder realizar uma “sã colaboração segundo as modalidades adaptadas às circunstâncias de lugar e de tempo” (Gaudium et Spes, 76) ou ainda segundo os critérios de simples oportunidade. Mas isso se opõe ao ensinamento constante da Igreja, segundo o qual a Igreja tem um primado sobre a “comunidade política” e essa última, mesmo em sua independência relativa, deve contribuir para a salvação das almas por meio da realização e defesa de um bem comum inspirado nos valores católicos. Deveríamos continuar e pararmos por exemplo nas análises irreais do mundo contemporâneo contidas em Gaudium et Spes, maquiadas com os piores lugares-comuns tirados das ideologias leigas correntes de então e de hoje, ou na imagem adocicada e inverídica das religiões não-cristãs, apresentadas no artigo 16 de Lumen Gentium e pela declaração conciliar Nostra Ætate. Mas o que dissemos até aqui nos parece suficiente.”
(Paolo Pasqualucci, O Acontecimento Capital do Século XX)

http://www.capela.org.br/Crise/Vaticano2/pasqualucci.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário