“Deus é todo-poderoso, mas de tal modo que atos de culpabilidade, por exemplo mentir ou querer o mal, não Lhe podem ser atribuídos; nem o podem atos de penalidade (pelo pecado original), tais como temer e entristecer-se; nem atos materiais e corporais, como dormir e andar, exceto figurativamente; nem atos contraditórios, como fazer algo maior que Ele mesmo, ou produzir outro Deus igual a Si mesmo, ou criar outro ser que seja infinito em ato; e assim por diante. Como escreve Anselmo, “o que é contraditório, por menor que seja, não se encontra em Deus.” Embora Deus não possa fazer tais coisas, Ele é verdadeira, própria e perfeitamente todo-poderoso.
Isso deve ser entendido conforme se segue. O primeiro Princípio é poderoso de um poder não-qualificado; portanto o universal “oni” que prefacia “potente” cobre todas aquelas coisas feitas por um poder não-qualificado: ou seja, todas as coisas que procedem de um poder tanto completo como ordenado. Chamamos de 'completo' um poder que não pode desaparecer, sucumbir, ou ser limitado. Mas o pecado implica um desaparecimento de poder, a dor um colapso de poder e a operação corporal uma limitação de poder. O poder divino, suprema e completamente perfeito, não é criado, nem depende de nada, nem necessita de nada. Portanto não pode ser sujeito de atos corporais, culpáveis e penais: e isso precisamente porque é onipotente de um completo poder.
Ora, há três sentidos nos quais um poder pode-se dizer ‘ordenado’: quando é em ato, quando significa potência por parte de uma criatura, e quando significa potência por parte do único Poder incriado. O que é possível ao poder no primeiro sentido é não apenas possível, mas atual. O que é possível no segundo sentido, mas não no primeiro, é simplesmente possível, embora não atual. O que é possível no terceiro sentido, mas não no primeiro ou no segundo, é possível para Deus, mas impossível para as criaturas. O que não é possível em qualquer dos sentidos anteriores, i.e, o que, em razão de causas e princípios primordiais e eternos, é diretamente oposto à ordem, é simplesmente impossível; como seria se Deus produzisse algo infinito em ato, fizesse algo que fosse e não fosse ao mesmo tempo, fizesse com que um evento passado nunca tivesse acontecido, e assim por diante. A ordem e a completude do poder divino excluem a possibilidade de fazer tais coisas.
Isso mostra claramente o âmbito do poder divino, o significado do simplesmente possível e do simplesmente impossível, e o fato de que alguma impossibilidade é compatível com a verdadeira onipotência.”
(São Boaventura,
Breviloquium)
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