“A imaginação profética de Soloviev e Benson descreve o Anticristo como um leigo. Soloviev, como vimos, associa o Anticristo, que é um político obcecado com religião, a um certo tipo de mago – o bispo apóstata Apolônio, que serve junto ao altar do poder. Benson também vê o Anticristo como um político, um leigo americano que se apresenta como o senhor do mundo, em cujos dons está o conceder a paz universal, o progresso e a concórdia fraternal entre as nações. É fascinante observar que ambos, Soloviev e Benson, apresentam seus personagens sob uma luz positiva. Enquanto a Bíblia descreve o Anticristo como o homem da iniqüidade, os personagens literários de Soloviev e Benson não são impostos pela força das armas. Pelo contrário, eles se apóiam no consenso popular e universal. Gozam da adulação da imprensa, do apoio de outras figuras poderosas e do povo. O Anticristo é o homem mais popular que já apareceu sobre a face da terra.
É fácil ver que ele é a antítese de Cristo: Cristo foi eliminado, crucificado, assassinado vergonhosamente e condenado como um criminoso. O Anticristo, a imagem reversa de Cristo, torna-se senhor do mundo por consenso popular: será proclamado um deus, supremo senhor e supremo salvador. Seu domínio universal baseia-se na aclamação popular.
Em certo sentido, Soloviev e Benson concordam em que o Anticristo é visto como uma pessoa positiva em termos mundanos; ele traz a paz e o progresso. Ele convence o homem que ele mesmo, o Anticristo, é a primeira manifestação de Deus. De acordo com Benson, ele é um homem perfeitamente calmo, frio, fascinante e poliglota. Ele é o homem da paz, do destino e da providência. O mundo o reconhece como rei, senhor e imperador.
O ódio a Cristo é a única característica em comum do Anticristo como é descrito por Soloviev e Benson.
Aqui eu gostaria de contrastar ambos escritores para destacar suas profundas diferenças. O inimigo do Anticristo segundo Soloviev é a própria pessoa de Cristo. Para o católico Benson, é a Igreja Católica. Soloviev faz seu Anticristo negar a Cristo aos gritos: “Ele não ressuscitou! Ele apodreceu! Apodreceu no túmulo!” Já o Anticristo de Benson premedita a destruição da Igreja Católica metódica, obstinada e perfeitamente, a qual é vista como a origem de todo mal e heresia e a praga da humanidade. O lema de Felsenburgh é: “
Ecclesia Catholica delenda est!” A Igreja Católica deve ser destruída. A mim isso me parece muito mais relevante, ainda que a intuição aguda de Soloviev consiga focar a disseminada e contemporânea intolerância à unidade de Cristo numa tentativa – como acredita o Cardeal Biffi – de destruir a pessoa de Cristo como Filho de Deus e apresentar o Cristianismo meramente como um sistema de valores humanitários.
Benson, por outro lado, e este é um aspecto bem interessante de sua visão, enfatiza o desejo do mundo e do espírito do mundo de destruir a Igreja Católica, porque ela é a única testemunha verdadeira do sobrenatural.
Talvez essas duas peculiaridades que caracterizam o Anticristo em sentido profético devam ser colocadas juntas: hoje testemunhamos a intolerância a Cristo que foi, por assim dizer, “degradado” pela negação de Sua divindade e de Sua unidade. Ele é apresentado apenas como homem – ainda que um dos maiores que já existiram. Ao mesmo tempo, o inimigo a ser destruído hoje, admitamo-lo, é a Igreja Católica.
Gostaria também de realçar outro contraste entre Soloviev e Benson. Ambos escritores vêem o Anticristo como um leigo, um político, na verdade um homem de poder. É interessante, contudo, notar que enquanto Benson situa o Anticristo no fim do mundo e cuja suprema manifestação coincidirá com a vinda de Cristo no fim da história, Soloviev vê a chegada do Anticristo no final de um período histórico, após o qual segue-se um período de iluminação, no qual Cristo habitará e viverá entre os homens por um milhar de anos. Parece que ambos escritores inspiraram-se em tradições diferentes. Uma delas situa o Anticristo no fim do mundo, enquanto a outra aguarda um período de paz e intimidade com Deus (o reinado dos mil anos) para os que sofreram a última provação na época do aparecimento do Anticristo.
A visão de Benson baseia-se na Segunda Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses e na correta interpretação do Apocalipse de São João segundo as quais o aparecimento do Anticristo coincide com o Juízo Final e com o fim da história humana. Essa tradição não vê nenhum reinado de mil anos. Naturalmente, é uma questão aberta à exegese descobrir se João e Paulo pretendiam colocar o aparecimento do Anticristo no fim do mundo. Virá o Anticristo no fim do mundo? João e Paulo parecem responder afirmativamente.
A visão de Soloviev baseia-se no capítulo vinte do Apocalipse de São João, o qual, tomado literalmente, presta-se à interpretação de que ao aparecimento do Anticristo seguir-se-á um reinado de mil anos. Tal interpretação tem sido constantemente repudiada pela Igreja (cf.
Catecismo da Igreja Católica n. 676).
Considero Benson um escritor mais complexo que Soloviev. Seu romance é mais completo e, de certo modo, mais moderno. Enquanto o principal protagonista na obra de Soloviev é o Anticristo em pessoa, em Benson é a oposição entre duas realidades: uma, maior e mais populosa, consistindo da humanidade ou dos que Benson chama de “os humanitários” que afirmam nada existir superior ao homem e que consideram o homem como Deus. A menor parcela da humanidade consiste de “supernaturalistas” e é identificada com um pequeno grupo de católicos que afirmam a existência de Deus distinto do homem e a divindade de Cristo. De acordo com Benson, todas as religiões, à exceção do Catolicismo, serão absorvidas pelo humanitarismo. Assim, esta importante diferença deve ser considerada: em Soloviev a figura do Anticristo é preponderante, enquanto em Benson tal preponderância é representada pelo “espírito do mundo” e o Anticristo é meramente sua “epifania”. O espírito do mundo, que é, praticamente, um mundo que perdeu a fé e deifica o homem, está determinado a erradicar o Cristianismo ao destruir todos os católicos e ao obrigar a humanidade a professar a crença no ateísmo absoluto – que projeto tremendo! Aqui, prezados amigos, não estamos falando de meras fábulas, mas de algo que espreita na consciência do nosso tempo.”
(Pe. Livio Fanzaga,
Wrath of God)
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