“O esforço dos gregos para alcançar um entendimento de sua humanidade culminou na criação platônico-aristotélica da filosofia como ciência da natureza humana. Ainda mais que com os sofistas do seu tempo, os resultados estão em conflito com o clima de opinião contemporâneo. Hei de enumerar alguns pontos em desacordo:
1. Clássico: há uma natureza do homem, uma estrutura de existência definida que impõe limites à perfectibilidade.
Moderno: a natureza humana pode ser transformada, seja pela evolução histórica ou pela ação revolucionária, de modo que um reino perfeito de liberdade pode ser estabelecido na história.
2. Clássico: filosofia é o esforço para se avançar da opinião (
doxa) sobre a ordem humana e sobre a sociedade à ciência (
episteme); o filosofo não é um filodoxo.
Moderno: nenhuma ciência sobre esse assunto é possível, só opinião. Todos têm o direito a sua opinião; temos uma sociedade pluralista.
3. Clássico: a sociedade é o homem em conjunto.
Moderno: o homem é a sociedade reduzida.
4. Clássico: o homem vive numa tensão erótica em direção ao fundamento divino da existência.
Moderno: ele não vive dessa forma, pois eu não vivo assim; e eu sou a medida do homem.
5. Clássico: o homem é perturbado pela questão do fundamento; por natureza é um questionador (
aporein) e vive em busca (
zetein) do de onde, para onde e porquê de sua existência; ele levantará a questão: por que há algo e não o nada?
Moderno: essas são questões
otiose (Comte); não as pergunte, seja um homem socialista (Marx); questões às quais as ciências das coisas mundano-imanentes não podem responder são sem sentido, são
Scheinprobleme [problemas ilusórios] (neopositivismo).
6. Clássico: o sentimento de inquietação existencial, o desejo de saber, o sentimento de ser induzido a perguntar, o inquirir e o buscar a si mesmo, o questionar em direção ao fundamento que induz a ser procurado, o reconhecimento do fundamento divino como indutor - são o complexo experimental, o
pathos, no qual a realidade da participação humano-divina (
metalepsis) torna-se luminosa. A exploração da realidade metaléptica, da
metaxy platônica, assim como a articulação da ação exploratória por meio de símbolos da linguagem, no caso platônico dos mitos, são a preocupação central dos esforços do filósofo.
Moderno: as reações modernas a essa questão central mudam com o “clima de opinião”... A ignorância filosófica progrediu tanto que o cerne experiencial do filosofar desapareceu do horizonte e nem mesmo é reconhecido como tal quando aparece em filósofos como Bergson. O processo de desaculturação eclipsou essa questão tão completamente por meio da opinião que, às vezes, falar de uma indiferença em relação a ela é hesitante.
7. Clássico: educação é a arte da
periagoge, da conversão (Platão).
Moderno: educação é a arte de ajustar, com solidez, as pessoas ao clima das opiniões que prevalecem na época, de modo que não sintam o “desejo por saber”. Educação é a arte de impedir que as pessoas adquiram o saber que as permitiria articular as questões da existência. Educação é a arte de comprimir os jovens em um estado de alienação que resultará em desespero silencioso ou em militância agressiva.
8. Clássico: o processo pelo qual a realidade metaléptica torna-se consciente e noeticamente articulada é o processo pelo qual a natureza do homem torna-se luminosa para si-mesma como vida da razão. O homem é o
zoon noun echon.
Moderno: a razão é razão instrumental. Não existe algo como a racionalidade noética do homem.
9. Clássico: por meio da vida da razão (
bios theoretikos), o homem compreende sua liberdade.
Moderno: Platão e Aristóteles eram fascistas. A vida da razão é uma empresa fascista.
A enumeração não é nem remotamente exaustiva. Qualquer um pode complementá-la com suculentos itens coligidos da literatura opinante, da mídia de massa e de conversações com colegas e estudantes. Todavia, [a enumeração torna claro o que] Whitehead quis dizer quando declarou que a filosofia moderna fora arruinada. Além disso, os conflitos foram formulados de tal maneira que o sinal da incorporação grotesca à deformação da humanidade por meio do clima de opinião torna-se visível.
O grotesco, contudo, não deve ser confundido com o cômico ou com o humorístico. A seriedade do assunto será melhor compreendida se se olhar os campos de concentração dos regimes totalitários e as câmaras de gás de Auschwitz, nas quais a bizarrice da opinião torna-se a realidade assassina da ação.”
(Eric Voegelin,
On Classical Studies)
http://ohumanista.blogspot.com/2005/12/filosofia-clssica-vs-clima-de-opinio.html
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