quinta-feira, 22 de junho de 2017

O mito do progresso


"Talvez não exista quimera mais falaz, maligna e destrutiva que o mito do Progresso, levedura de todas as ideologias modernas. Segundo dita quimera, a Humanidade avança para um porvir sempre melhor, em asas de avanços científicos cada vez mais refinados e de sucessos políticos cada vez mais estimulantes; e tais avanços e sucessos irão produzindo, por sua vez, um aperfeiçoamento da própria Humanidade, que devido à conquista de sucessivos direitos poderá entronizar-se a si mesma como um deus (torna-se, na verdade, hilário que as massas resistam a crer em um Deus trino e não tenham problemas em crer na Humanidade, um deus grupal ao modo da hidra de infinitas cabeças). De fato, o progressismo não é mais que um grotesco determinismo eufórico que confia (contra as evidências que nos proporciona a observação empírica) que a vocação natural da natureza humana é ascender por si mesma, ignorando que o fato mais certo e irrefutável da história humana é a Queda, da qual o homem só pode levantar-se com Deus e ajuda.
Refletia eu sobre esses assuntos faz umas semanas, enquanto contemplava no cinema uma película absolutamente idiota, sétima de uma saga automobilística e adrenalínica, que se tornou uma das mais bem-sucedidas da história do cinema. Muito rápida e furiosa, a película estava cheia de estrondos e pirotecnias avassaladoras, mas carecia de sentido, de conflito dramático, de personagens de carne e osso, de paixões nobres ou plebéias, de sentimentos dignos de tal homem, do mínimo relance de raciocínio. Enquanto contemplava com fastio e perplexidade semelhante porcaria me perguntei se era dirigido a seres humanos, ou antes a alguma espécie animal fruto de uma involução que necessitasse para sua sobrevivência de entretenimentos basbaques que não a exponham ao risco de pensar. Aqui alguém poderia objetar que a uma película cujo fim primordial é pastorear multidões não se deve exigir conflito dramático, nem personagens consistentes, nem semelhantes requintes; mas o certo é que em outras épocas – sem sairmos da esfera cinematográfica – as películas recordistas de público que desempenhavam igual função se intitulavam E o vento levou ou Ben-Hur, que enquanto pastoreavam multidões proporcionavam um entretenimento que não insultava a inteligência. Vendo aquela película rápida e furiosa cheguei à conclusão de que era o produto natural de uma época na qual o progresso técnico (muito visível na porcaria) encobre um retrocesso espiritual, moral, definitivamente humano.
A quimera do progressismo se ampara em uma miragem de grande eficácia persuasiva, segundo a qual o desenvolvimento alcançado pela ciência ou pela técnica é o sinal mais evidente do esplendor de uma civilização. Na verdade, desenvolvimento científico e civilização são conceitos que nada têm que ver entre si; pois um se refere a um âmbito puramente material e o outro a um âmbito espiritual. Que uma sociedade disponha de remédios para sanar enfermidades ou comunicar-se a distância não significa que seja uma sociedade que tenha avançado na consecução do bem, da verdade ou da beleza; inclusive poderia significar exatamente o contrário. Lamartine, em seu poema A queda do anjo, imaginava uma sociedade na qual floresciam de forma prodigiosa todos os refinamentos científicos concebíveis; mas essa sociedade, a um intenso progresso científico, unia um manifesto espírito de barbárie. Por preconceito progressista, Lamartine situava essa sociedade na pré-história, aceitando o tópico progressista que pretende que os homens temos evoluído desde a barbárie até o refinamento espiritual. As chamadas 'distopias', por sua parte, costumam imaginar futuros regidos pela barbárie; mas tal barbárie costuma produzir-se em mundos nos quais o progresso científico se deteve, ou em conjunturas políticas ditatoriais. Muito raramente aceitamos a possibilidade de um mundo evoluído cientificamente, solidamente democrático, no qual os homens tenham retrocedido espiritualmente, caminhando para a barbárie; e a razão pela qual não o aceitamos é porque esse mundo talvez já seja o nosso, um mundo rápido e furioso no qual as pessoas, imunizadas contra a nefasta mania de pensar, já nem sequer são capazes de fazer juízos éticos (o que, segundo Aristóteles, é o traço distintivo do ser humano).
Afirmava Gracián que "todo móvel instável tem aumento e declinação". Talvez os antigos pecassem de um certo determinismo aziago; mas se há algo mais equivocado que o determinismo aziago é o determinismo eufórico."
(Juan Manuel de Prada, El Mito del Progreso)