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sábado, 12 de março de 2016

“Como é possível milagre fora da Igreja Católica”, pelo Cardeal Lépicier

“Põe-se aqui uma grave questão: pode haver milagre fora da Igreja Católica? Nossa resposta é que se pode, em verdade, sustentar a possibilidade e até a existência de verdadeiros milagres fora da religião católica. Isso não pode dar-se por uma lei ordinária, mas somente por exceção e em casos isolados, e jamais fora do fim que distingue a verdadeira religião de Jesus Cristo. Por isso dizemos que o milagre pode dar-se fora do corpo desta religião, mas não fora de sua alma. Como fato sistemático, que constitui, por assim dizer, um sistema, um todo harmonioso governado por princípios invariáveis e por uma lei fixa, o milagre existe somente na religião que se intitula universal ou católica, porque fundada pela Causa Primeira que reuniu tudo, e em favor da qual foram operados os milagres mesmos da antiga lei.
Em verdade, pode admitir-se que, de maneira excepcional, e em casos isolados, o milagre se dê fora do corpo da religião católica, sendo livre o Espírito Santo para escolher seus instrumentos por onde quer que queira. Isso não deve constituir nenhuma dificuldade, sobretudo se o taumaturgo é um homem de vida santa e não busca outra coisa em suas obras que a honra de Deus.
Será bom, a este respeito, lembrar aqui o que lemos em São Marcos. Tendo dito a Jesus o Apóstolo João: 'Mestre, vimos um homem, que não vai conosco, expulsar os demônios em vosso nome, e lho impedimos', Nosso Senhor falou nestes termos: 'Não o impeçais, pois ninguém pode fazer milagre em meu nome e logo depois falar mal de mim. Quem não é contra vós é por vós'. Isto equivale a dizer que, se algum milagre se cumpre por um homem fora do corpo da Igreja de Jesus Cristo, tal fato é necessariamente ordenado à manifestação da verdade pregada pelo Salvador, e de modo algum em favor do erro.
É neste sentido que se devem explicar os milagres atribuídos, em tempos muito próximos dos nossos, a um padre ortodoxo grego de grande piedade, chamado Ivã ou João Serguief, da principal igreja de Cronstadt. A fama de santidade deste padre era tal que, no mês de outubro de 1894, o imperador Alexandre III, morrendo, o chamou na esperança de obter por sua intercessão um alívio para seus sofrimentos.
Tais milagres, supondo-os autênticos, seriam fatos isolados, cumpridos aparentemente fora da Igreja Católica, mas lhe pertenceriam de direito, porque não tinham por objeto a confirmação de uma falsa doutrina, mas antes a recompensa de uma santidade em harmonia com os princípios proclamados precisamente pela Igreja Católica. Tais milagres teriam tido pois por fim fornecer novas provas da existência da ordem sobrenatural.
Santo Agostinho expõe luminosamente esta verdade quando, comentando precisamente o fato contado por São Marcos na passagem há pouco citada, explica que as palavras pronunciadas então por Nosso Senhor: 'Quem não é contra vós é por vós', não contradizem as referidas em São Mateus: 'Quem não está comigo é contra mim'. 'Nesse caso' (o daquele que expulsara o demônio), diz o santo Doutor de Hipona, 'ele não era contra os discípulos, mas, ao contrário, era por eles, enquanto operava curas pelo nome de Cristo... Ele devia ser confirmado na veneração de tal nome e, portanto, não era contra Igreja, mas pela Igreja.' Lembremos ainda, aqui, o episódio tão interessante contado no livro dos Números. Dois indivíduos, Eldad e Medad, embora não tivessem ido com os outros ao tabernáculo, profetizaram todavia no campo na ausência e sem o conhecimento de Moisés. O chefe do povo de Deus, tendo-o sabido, quis que eles fossem deixados livres para profetizar.”

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Resposta do Prof. Carlos Nougué a uma pergunta acerca da possibilidade de milagres fora da Igreja

“Caríssimo Sr. XXX:
Responder-lhe-ei por partes.
1) Leia-se, antes de tudo, o dito por Santo Tomás de Aquino em Quaestiones Disputatae de Potentia Dei, q. 6, a. 5.
OBJEÇÃO 5. Lê-se nas histórias (referidas por Agostinho em A Cidade de Deus, X, 26) que uma vestal virgem, para mostrar que conservara seu pudor, carrega água do Tibre num vaso furado, e todavia a água não escorre; o que não se pôde fazer senão porque a água era impedida de escorrer por um poder que não era natural; o que na divisão das águas do Jordão e em sua detenção é claramente um milagre. Por isso parece que os demônios podem fazer milagres.
RESPOSTA DE SANTO TOMÁS. 5. Não está excluído que seja para recomendar a castidade que o verdadeiro Deus tenha feito por seus bons anjos um milagre desse gênero, retendo a água, porque, se havia alguns bens entre os pagãos, tinham vindo de Deus. Mas, se isso fosse feito pelos demônios, tal não se opõe ao que foi dito. Pois deter ou ser movido localmente depende de um mesmo princípio em gênero, porque o que é movido para um lugar se detém por tal natureza. É por isso que, assim como os demônios podem mover os corpos localmente, assim também podem retê-los por movimento. E no entanto isso não é um milagre, como quando feito divinamente, porque, segundo o poder natural do demônio, pode chegar-se a tal efeito.”
2) Em resumo, diz aí o nosso Santo duas coisas: uma, que os demônios podem fazer coisas que se assemelham a milagres mas não o são; outra, que Deus, pelo ministério dos anjos, podia fazer milagres entre os pagãos (ou seja, não apenas entre o povo eleito), assim como, embora ordinariamente a salvação das almas se desse entre os judeus, também se dava, extraordinariamente, entre os pagãos, como sempre disseram nossos Doutores. Santo Agostinho, por exemplo, pensava que Cícero se teria salvado, o que se provaria pelo que disse antes de morrer: “Causa causarum, miserere mei” (Causa das causas, tem misericórdia de mim).
3) Ademais, como diz o sacerdote que lhe escreveu, parece que “se encontram alguns casos de milagre entre os ortodoxos, por exemplo para testemunhar a verdade do Novo Testamento diante de um judeu” – o que de algum modo concorre para o bem da Igreja. – Aliás, todos os que se salvaram antes de Cristo (judeus ou pagãos) não o fizeram senão em ordem a Cristo, que é o eixo dos tempos. E os que extraordinariamente se salvam fora da Igreja depois de Cristo (o que é afirmado, entre outros, pelo Concílio de Trento) tornam-se da Igreja no ato mesmo em que são salvos, razão por que não há contradição com o axioma “fora da Igreja não há salvação”.
4) Mas a melhor passagem de Santo Tomás de Aquino para entender o assunto ainda me parece a da Suma Teológica, II-II, q. 178, a. 2 (“Se os maus podem fazer milagres”), ad 3: “Por isso, os maus que ensinam falsas doutrinas [ou seja, os heréticos] não poderiam jamais fazer verdadeiros milagres para confirmar seu ensinamento, embora, às vezes, possam fazê-los em nome de Cristo, que eles invocam, e pela virtude dos sacramentos que administram”. E isso, que, como dito, sempre será extraordinário, Deus não o faz senão por algum bem, ou imediatamente da Igreja, ou porque se destina a cumprir a predestinação de quem atualmente não está no seio da Igreja, ou por qualquer outra razão que esteja entre os ocultos desígnios de Deus.
5) E, salvo engano, nunca nenhum Doutor nem, muito mais importante, nenhum documento do magistério infalível disse que absolutamente não poderia haver milagres fora da Igreja. E isso não fere de modo algum o princípio da contradição: assim como o que estando fora da Igreja se salva e entra neste mesmo momento para a Igreja, assim também um milagre fora da Igreja serviria de algum modo a ajudar a cumprir a salvação de algum eleito, que, insista-se, salvo pela graça da perseverança final, entra no momento mesmo da morte para a Igreja.
6) Ademais, a Igreja conciliar, ainda que por jurisdição precária (tese que desenvolverei oportunamente), ainda é parte da Igreja, conquanto se trate de parte tênue. Explico-o. Como dizia Pio XII, um assassino já perdeu por seu mesmo ato o direito à vida e à cidadania. Mas, digo, é preciso que o estado o julgue, lhe retire a cidadania e o condene à morte. Enquanto não o faz, tal assassino continua com a vida e a cidadania, ainda que só de certo modo, ou seja, em estado precário. Pois é, analogamente, o que me parece se passa com a Igreja conciliar: já perdeu ipso facto, por heresia, a jurisdição; mas ainda a preserva precariamente, por falta do devido julgamento, tudo o que pode concluir-se do dito no Código de 17. – Mas também me parece válida a analogia do Padre Álvaro Calderón: só se pode chamar católica à hierarquia conciliar de modo análogo a como um câncer pode dizer-se de quem o porta e padece.
7) Quanto pois a se é possível que Deus faça algum milagre por alguém da Igreja conciliar, parece que sim, ainda que sempre extraordinariamente. Reveja-se o dito por Santo Tomás: os heréticos podem fazer milagres “em nome de Cristo, que eles invocam, e pela virtude dos sacramentos que administram”. Apliquemos o dito ao caso da Igreja conciliar.
a) Quase todos invocam de algum modo o nome de Cristo.
b) Seus sacramentos, porém, suscitam dúvidas graves quanto à sua validade; mas tampouco pode dizer-se que sejam todos ou sempre inválidos. Trata-se de questão disputada – e árdua. Necessitaríamos de um papa para decidi-la infalivelmente. Mas ao menos por ora isto parece impossível.
c) Ademais, como diz o sacerdote que lhe escreveu, amiúde os milagres que os conciliares anunciam são falsos.
8) Por isso, e porque em último termo quem decide da veracidade ou da falsidade de um milagre é o magistério infalível, que hoje não temos, é que parece mais prudente que nos calemos diante de eventos de aparência miraculosa realizados em ambiente conciliar (a não ser, naturalmente, que se tenha prova em contrário).
UMA ÚLTIMA OBJEÇÃO. Escreve o Papa São Gregório Magno em suas Morais: “Por isto a Igreja despreza os milagres dos hereges, porque não reconhece neles coisa alguma de santidade” (20, 9).
RESPOSTA. Desprezar não implica, necessariamente, negar a realidade. Por isso mesmo é que, pouco antes do citado acima, escreve ainda o Santo Papa: “Mas às vezes os hereges também realizam sinais e milagres, a fim, porém, de que eles por isso possam receber as recompensas de sua correção e abstinência [...]”. – Ademais, também Santo Tomás diz, no referido artigo da Suma, que nenhum milagre operado mediante um mau católico ou mediante um herético é prova de sua santidade.
Espero tê-lo ajudado.
Em comunhão de orações,
C. N.”

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

“Se os maus podem fazer milagres” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 178, a. 2)

“Quanto ao segundo, assim se procede. Parece que os maus não podem fazer milagres.
1. Com efeito, os milagres obtêm-se pela oração. Ora, a oração do pecador não merece ser ouvida, como se diz no Evangelho de João (9, 31): “Nós sabemos que Deus não ouve os pecadores”, e no livro dos Provérbios (28, 9): “De quem desvia seus ouvidos para não ouvir a Lei, até a oração será execrável”. Logo, parece que os maus não podem fazer milagres.
2. Ademais, os milagres atribuem-se à fé, segundo o de Mateus 17, 19: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte: Transporta-te daqui para lá, e ele transportar-se-á”. Ora, “a fé sem obras é morta”, diz a Epístola de Tiago (2, 20); assim, ela não parece ter operação própria. Por conseguinte, parece que os maus, que não praticam boas obras, não podem fazer milagres.
3. Ademais, os milagres são testemunhos divinos, pois se lê na Epístola aos Hebreus (2, 4): “comprovando Deus seu testemunho por meio de sinais e maravilhas e vários milagres”. Por isso, na Igreja alguns são canonizados pelo testemunho dos milagres. Ora, Deus não pode ser testemunha do erro. Parece, portanto, que os maus não podem fazer milagres.
4. Ademais, os bons estão mais unidos a Deus que os maus. Ora, nem todos os bons fazem milagres. Logo, muito menos os maus.
MAS, EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Apóstolo na primeira Epístola aos Coríntios (13, 2): “Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada”. Ora, todo aquele que não tem caridade é mau; “É este só dom do Espírito Santo o que distingue os filhos do Reino dos filhos da perdição”, diz Agostinho em XV de Trin. Parece, portanto, que até os maus podem fazer milagres.
RESPONDO. Deve dizer-se que, entre os milagres, há os que não são verdadeiros, mas [meros] fatos fantásticos, que enganam o homem fazendo-o ver o que não é. Outros são fatos reais, ainda que não mereçam verdadeiramente o nome de milagres, pois que são produzidos por certas causas naturais. E estas duas categorias de milagres podem ser feitas pelos demônios. Mas os verdadeiros milagres não podem ser feitos senão pela virtude divina, pois Deus os produz para utilidade do homem. E isto de dois modos. Primeiro, para confirmar a verdade sagrada. Segundo, para manifestar a santidade de alguém, que Deus quer propor como exemplo de santidade. Ora, no primeiro caso, os milagres podem ser feitos por todos os que pregam a verdadeira fé e invocam o nome de Cristo, o que, às vezes, pode ser feito pelos próprios maus. Por isso, a respeito das palavras de Mateus (7, 22): “acaso não profetizamos em teu nome?”, etc., diz Jerônimo: “Profetizar ou fazer milagres e expulsar demônios às vezes não vem do mérito de quem o faz, senão que é a invocação do nome de Cristo o que o faz para que os homens honrem a Deus, por cuja invocação se fazem tantos milagres”. No segundo caso, só se fazem milagres pelos santos, para manifestação de sua santidade, já durante sua vida já depois de sua morte, tanto por eles mesmos como mediante outros. Assim, lemos nos Atos dos Apóstolos: “Deus fazia milagres pela mão de Paulo; de tal modo que, até quando se aplicavam aos enfermos os lençóis que tinham tocado seu corpo, saíam deles as doenças” (19, 11-12). E, desse modo, nada impede que algum pecador faça milagres por invocação de algum santo. Mas tais milagres não deverão atribuir-se ao pecador, mas àquele cuja santidade Deus pretende manifestar por meio deles.
1. À PRIMEIRA OBJEÇÃO, portanto, deve dizer-se, ao tratar a oração de súplica, que se ela é atendida não o é por causa do mérito de quem a faz, mas da misericórdia divina, que se estende até aos maus. Por isso, às vezes Deus ouve também a oração dos pecadores. A esse respeito, diz Agostinho em super Ioan.: “O cego pronunciou aquelas palavras antes de ser ungido”, isto é, antes de ter sido perfeitamente iluminado, “pois Deus ouve os pecadores”. – O que diz o livro dos Provérbios, a saber, “a oração do que não ouve a lei é execrável”, é preciso entendê-lo como referente ao mérito do pecador. No entanto, essa oração às vezes alcança a misericórdia de Deus, quer para a salvação daquele que ora, como aconteceu com o publicano de que fala Lucas, quer ainda para a salvação dos outros e para glória de Deus.
2. À SEGUNDA deve dizer-se que a fé sem as obras é morta, quando aquele que crê não vive por ela a vida da graça. Mas nada impede que um vivo opere por um instrumento morto, assim como um homem que age por meio de um bastão. E é assim que Deus utiliza como de um instrumento a fé do pecador.
3. À TERCEIRA deve dizer-se que os milagres são sempre verdadeiros testemunhos daquilo que confirmam. Por isso, os maus que ensinam falsas doutrinas não poderiam jamais fazer verdadeiros milagres para confirmar seu ensinamento, embora, às vezes, possam fazê-los em nome de Cristo, que eles invocam, e pela virtude dos sacramentos que administram. Mas aqueles que anunciam doutrinas verdadeiras fazem às vezes verdadeiros milagres, para confirmá-las, mas não para atestar sua santidade. Por isso, diz Agostinho no livro Octoginta trium Quaest.: “Há grande diferença entre os milagres dos magos, os dos bons cristãos e os dos maus cristãos: os magos fazem-nos por pactos particulares com os demônios; os bons cristãos, em virtude da justiça pública; os maus cristãos, por sinais desta justiça”.
4. À QUARTA deve dizer-se o que diz Agostinho no mesmo lugar: “Não se concede a todos os santos fazer milagres, para que os fracos não caiam no erro perniciosíssimo de pensar que em tais fatos haja dons maiores do que nas obras de justiça, que se ordenam à vida eterna”.
OBSERVAÇÃO DE C. N. Está suposto neste artigo de Santo Tomás que somente ao magistério da Igreja (quando cingido, propriamente ou analogamente, das quatro condições vaticanas) se reserva a certeza ou infalibilidade quanto ao caráter de todo e qualquer milagre. – Ademais, no artigo de Santo Tomás “maus” está antes por “pecadores” em geral do que por “heréticos” em particular (embora estes também se incluam: “os maus que ensinam falsas doutrinas...”). Mas nos dias atuais grassa a heresia como nunca antes. Especialmente nestes dias, por conseguinte, havemos de armar-nos da mais fina prudência diante de fatos ou eventos aparentemente miraculosos. De ordinário havemos de calar-nos.”

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