terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Breves considerações sobre o Arcebispo Viganò

"O Arcebispo Carlo Maria Viganò, em um texto enviado ao blog Chiesa e post concílio, disse coisas muito importantes e que devem ser objeto de profundas considerações. Ainda que pese nele algo de liberal quanto à sua formação política e filosófica e certa ingenuidade quanto a Bento XVI, o que nos interessa aqui são as verdades que ele disse de maneira corajosa especialmente nesse texto. Ele inicia citando o Bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, D. Athanasius Schneider, que discorria em um artigo sobre os erros do documento da Fraternidade Universal firmado pelo Papa Francisco e um imã em Abu Dhabi, Emirados Árabes, ano passado. Nesse terrível documento, afirma-se que Deus quis, em sua infinita sabedoria, a pluralidade das religiões como quis as de raça e sexo, afirmação que o Papa Francisco atribuiu à vontade permissiva de Deus. D. Schneider, no referido artigo demonstrou o erro dessa afirmação e não apenas isso, atribuiu a ela uma relação de causa e efeito entre o Concílio Vaticano II e esse documento. 
Viganò inicia de forma elogiosa a refutação de D. Schneider ao documento de Abu Dhabi, sem deixar de lhe corrigir alguns pontos equivocados de sua argumentação quando, por exemplo, o Bispo de Astana afirma que o documento conciliar (Dignitatis Humanae), no qual se encontra em germe a ideia da fraternidade universal expressa em Abu Dhabi, poderá ser revisto por um outro papa no futuro, porque certos documentos de outros concílios também o foram ao longo da história, dando, como exemplo, certas disposições sobre judeus e muçulmanos. Ora, essas disposições não eram heréticas e visavam a salvaguardar a cidadela cristã, o que é bem diferente de Dignitatis Humanae, que contém elementos que levam à apostasia e à perda de fé. Após esse preâmbulo, Viganò passa, então, ao problema central da questão: o Concílio Vaticano II. Aqui ele destaca a afirmação dos defensores das novidades do Concílio em nome de um dito “espírito do Concílio”: “Nunca se falou de ‘espírito do Concílio de Nicéia’ ou de ‘espírito do Concílio de Ferrara-Florença’, muito menos do ‘espírito do Concílio de Trento’, assim como nunca tivemos uma era ‘pós-conciliar’ depois de Latrão IV ou Vaticano I. A razão é óbvia: esses Concílios eram todos, indiscriminadamente, a expressão em uníssono da voz da Santa Madre Igreja, e por essa mesma razão, a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Significativamente, aqueles que mantêm a novidade do Vaticano II também aderem à doutrina herética que coloca o Deus do Antigo Testamento em oposição ao Deus do Novo Testamento, como se pudesse haver contradição entre as Pessoas divinas da Santíssima Trindade. Evidentemente essa posição, que é quase gnóstica ou cabalística, é funcional para a legitimação de um novo sujeito voluntariamente diferente e oposto à Igreja Católica”. Nessas breves palavras, Dom Viganò reconhece que há uma oposição entre o Vaticano II e a Igreja Católica, e que quem adere ao Concílio se opõe a Nosso Senhor Jesus Cristo, porque proclama uma voz que não é a de Cristo e sim a de um “espírito do Concílio”.
Dom Viganò, em outras ocasiões, já havia assinalado a conspiração maçônica que movera o Concílio pelos bastidores e pela infiltração. No entanto, agora, ele próprio, em um gesto de profunda humildade, admite que também errou, ou por ingenuidade ou por falta de senso da realidade. Ele prossegue: “Também cometemos o erro, entre outros, de considerar nossos interlocutores como pessoas que, apesar das diferenças de ideias e fé, ainda eram motivadas por boas intenções e que estariam dispostas a corrigir seus erros se pudessem abrir-se para a nossa fé. Juntamente com numerosos padres do Concílio, pensamos no ecumenismo como um processo, um convite que chama dissidentes à única Igreja de Cristo; idólatras e pagãos ao único Deus verdadeiro; e o povo judeu ao Messias prometido. Mas a partir do momento em que foi teorizado nas comissões conciliares, o ecumenismo se configurou de uma maneira que estava em oposição direta à doutrina anteriormente expressa pelo Magistério. Pensamos que certos excessos eram apenas exageros daqueles que se deixaram levar pelo entusiasmo, pela novidade: acreditamos sinceramente que ver João Paulo II cercado por encantadores-curandeiros, monges budistas, imãs, rabinos, pastores protestantes e outros hereges, comprovava a capacidade da Igreja de reunir pessoas para pedir paz a Deus. Esta ação como exemplo oficial, iniciou uma sucessão desviante de Panteões que eram mais ou menos oficiais, a ponto de ver Bispos carregando sobre seus ombros o ídolo imundo da Pachamama, escondido de forma sacrílega sob o pretexto de ser uma representação da maternidade sagrada”. 
Eis aí, nada poderia estar mais de acordo com D. Lefebvre, que não foi tão ingênuo naquela época do panteão de Assis e viu com clarividência profética o desastre que se desenrolava diante de todos. Dom Viganò, embora não cite Dom Lefebvre, ao menos tem a humildade de admitir que errou em não ser capaz de ver que isso era o que estava preparado desde o início pelos inimigos de Deus e que penetrou na Igreja pelo “espírito do Concílio”, como ele corajosamente agora reconhece: “Se a Pachamama pôde ser adorada em uma igreja, devemos isso à Dignitatis Humanae, se temos uma liturgia protestante e às vezes paganizada, devemos isso à ação revolucionária de Dom Bugnini e às reformas pós-conciliares. Se a Declaração de Abu Dhabi foi assinada, é graças à Nostra Aetate. Se chegamos ao ponto de delegar decisões às Conferências Episcopais, mesmo em grave violação da Concordata, como aconteceu na Itália, devemos isso à colegialidade. Graças à sinodalidade, encontramo-nos com Amoris Laetitia tendo de procurar uma maneira de impedir que aparecesse o óbvio para todos: que esse documento, preparado por uma impressionante máquina organizacional, visava a legitimar a comunhão para os divorciados e os concubinários, assim como Querida Amazônia será usada para legitimar mulheres sacerdotes (caso muito recente o de uma “vigária episcopal” em Freiburg) e a abolição do santo celibato”. 
Como se vê, Viganò não mitiga os danos do Concílio, porque, longe de ser 5% ruim, o Concílio, em bloco, é uma oposição à doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, e como tal deve ser rejeitado até que a autoridade competente o condene juntamente com seus frutos envenenados. Mas continuemos com Viganò: “O Concílio foi usado para legitimar os desvios doutrinais mais aberrantes, as inovações litúrgicas mais ousadas e os abusos mais inescrupulosos, enquanto a autoridade permanecia calada. Esse Concílio foi tão exaltado que foi apresentado como a única referência legítima para católicos, clérigos e bispos, obscurecendo e conotando com um senso de desprezo a doutrina que a Igreja sempre ensinara com autoridade e proibindo a liturgia perene que, por milênios, nutriu a fé de uma linhagem ininterrupta de fiéis, mártires e santos”. E, finalmente, uma comovente confissão merecedora de todo nosso apoio: “Confesso com serenidade e sem controvérsia: fui uma das muitas pessoas que, apesar de muitas perplexidades e medos que hoje se revelam absolutamente legítimos, confiavam na autoridade da Hierarquia com obediência incondicional. Na realidade, penso que muitas pessoas, incluindo eu mesmo, não consideraram inicialmente a possibilidade de que pudesse haver um conflito entre obediência a uma ordem da Hierarquia e fidelidade à própria Igreja. O que tornou tangível essa separação antinatural, de fato, eu diria perversa, entre a hierarquia e a Igreja, entre a obediência e a fidelidade, foi certamente este mais recente pontificado”. 
Após diagnosticar o fracasso e engodo de uma tal hermenêutica da continuidade, ele acrescenta: “É inegável que a partir do Vaticano II foi constituída uma igreja paralela, sobreposta e diametralmente oposta à Igreja de Cristo. Essa igreja paralela obscureceu progressivamente a instituição divina fundada por Nosso Senhor, a fim de substituí-la por uma entidade espúria, correspondente à religião universal desejada, que foi primeiramente teorizada pela maçonaria”. 
Haveria muito mais para dizer sobre as palavras de Dom Viganò, mas deixamos que ele mesmo falasse com a propriedade de quem conhece profundamente bem as motivações reais dos que ocupam, desde mais de meio século, a hierarquia da Igreja. Ele conclui: “Assim como honesta e serenamente obedeci a ordens questionáveis sessenta anos atrás, acreditando que elas representavam a voz amorosa da Igreja, assim também hoje, com igual serenidade e honestidade, reconheço que fui enganado. Ser coerente hoje, mas perseverando no erro, representaria uma escolha miserável e me tornaria cúmplice dessa fraude (...). Todos sabíamos que o Concílio seria mais ou menos uma revolução, mas não poderíamos imaginar que isso seria tão devastador, mesmo para o trabalho daqueles que deveriam impedir isso (...). Domingo passado a Igreja celebrou a Santíssima Trindade, e o breviário nos oferece a recitação do Symbolum Athanasianum, agora proibido pela liturgia conciliar e já reduzido a apenas duas ocasiões na reforma litúrgica de 1962. As primeiras palavras desse Symbolum, agora desaparecido, permanecem inscritas em letras de ouro: “Quicumque vult salvus esse, ante omnia opus est ut teneat Catholicam fidem; quam nisi quisque integram inviolatamque servaverit, absque dubio in aeternum peribit.” – Todo aquele que quiser salvar-se deve antes de tudo professar a fé católica: porque aquele que não a professar, integral e inviolavelmente, perecerá sem dúvida por toda a eternidade”. 
Que Deus o proteja, Excelência!" 
(Carlos Bezerra, Breves Considerações sobre o Arcebispo Carlo Maria Viganò)