domingo, 26 de janeiro de 2020

Corrupção benéfica


“E que ocorreria se, como assinalava Huntington, a corrupção fosse 'um fator de modernização e de progresso econômico'? Que ocorreria se, como afirmava sem recato algum Churchill, a corrupção servisse 'como um lubrificante benéfico para o funcionamento da máquina da democracia'? E aqui, certamente, não nos referimos à democracia como procedimento eleitoral, nem como regime político, mas à democracia tristemente vigente, a democracia entendida como religião antropoteísta, cujo princípio – permita-se-nos citar a Gómez Dávila – 'é uma opção de caráter religioso, em ato pelo qual o homem assume o homem como Deus'. Esta religião antropoteísta, em lugar de prometer ao homem bens espirituais e eternos (como fazem as religiões que seguem crendo em Deus), promete-lhe bens materiais e perecíveis. Em A cultura não é o que importa, uma obra recopilada pelo citado Huntington, afirma-se que a sobrevivência de certas 'crenças pré-modernas' enraizadas na fé religiosa impede a 'eficiência econômica'; e que não há outro modo de consolidar a democracia que substituí-las ou adaptá-las 'de forma não violenta'. Esta substituição ou adaptação não violenta é, exatamente, o que realiza a democracia entendida como religião antropoteísta: seus adeptos renunciam a seus bens eternos (resumíveis na salvação da alma) e em troca obtêm as recompensas materiais e perecíveis as quais lhes obtém a eficiência econômica: Estado de bem-estar, direitos de braguilha, subvenções e outras sinecuras, eleições em abundância, etcétera.
E uma vez alcançada a 'eficiência econômica' que consolida a democracia, a corrupção se torna – como assinalava Churchill – seu 'lubrificante benéfico'. Pois, como o próprio Huntington explica em A ordem política nas sociedades em mudança, a corrupção serve para superar as barreiras administrativas que reduzem o investimento e distorcem os preços da economia. A corrupção – ensina-nos o célebre politicólogo ianque – 'agiliza os processos burocráticos e seleciona os atores do mercado, a fim de que prevaleçam aqueles que investem de forma decidida, inclusive subornando, em seus projetos empresariais'. Pois, com efeito, em um ambiente competitivo, as pessoas que estão dispostas a pagar maiores subornos são os agentes econômicos mais eficientes. E, ademais, a corrupção gera ingressos alternativos para políticos e funcionários, que servem para complementar seus salários. Graças à corrupção, pois, os salários de nossos políticos e funcionários podem manter-se em um baixo nível de remuneração, reduzindo a carga impositiva sobre o comum da população.
A corrupção, em suma, é benéfica para a democracia, como assinalava Churchill. É verdade que, como nos ensinava Salústio, 'desde que a glória, a autoridade e o mando seguem as riquezas, decaiu o lustre da virtude e se teve a inocência de costumes por ódio e má vontade'. Mas isto a quem importa? O democrata antropoteísta se enfastia de que, em troca destes subornos, os políticos o roubem e vomita sua raiva (e sua inveja) nas redes sociais, ou troca de políticos nas eleições, embora intua (sem necessidade de haver lido Lampedusa) que os que os substituam farão exatamente o mesmo. Mas, no fundo de seu coraçãozinho apodrecido, sabe que o destino dos homens que renunciaram aos bens eternos não é outro que deixarem ser arrebatados seus bens materiais.”
(Juan Manuel de Prada, Corrupción Benéfica)