segunda-feira, 18 de março de 2019

Jorge Luis Borges: Limites


Dos caminhos que estendem o poente
Um (não sei qual) há de ser percorrido
A última vez, por mim, indiferente,
E sem que o adivinhe, submetido

A Quem prefixa onipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras, imaginações e formas
Que destecem e tecem esta vida.

Se para tudo há término e há compasso
E última vez e nunca mais e olvido,
Quem nos dirá de quem, em nosso espaço,
Sem sabê-lo, nos temos despedido?

Sob o cristal já gris a noite apaga;
Do alto dos livros que um borrão tisnado
Da sombra espalha pela mesa vaga,
Algum deles jamais será folheado.

Há no Sul um portão enferrujado
Com grandes jarras de alvenaria
E tunas que a mim estará vedado
Como se fosse uma litografia.

Para sempre fechaste a porta certa
E há um espelho que te aguarda insano;
A encruzilhada te parece aberta
E a vigília, quadrifonte, Jano.

Entre as memórias sempre existe aquela
Que se perdeu um dia no horizonte;
Não se verão descer àquela fonte
Nem o alvo sol nem a lua amarela.

Não achará tua voz o tom que o persa
Deu à sua língua de aves e de rosas,
Quando ao acaso, ante a luz dispersa,
Queiras dizer as coisas mais preciosas.

E o incessante Ródano e o logo,
Todo o ontem sobre o qual hoje me inclino?
Tão perdido estará como Cartago
Que no fogo e no sal viu o latino.

Creio ouvir na manhã o atarefado
Rumor de uma longínqua multidão.
É tudo o que foi caro e olvidado;
Espaço e tempo e Borges já se vão.


Tradução de Augusto de Campos