domingo, 22 de abril de 2018

Uma acorde que desestabilizou toda a música


“A uma estrutura objetiva da alma humana corresponde uma estrutura objetiva da música. Ambas podem ser perturbadas pelas opções discordantes dos homens; mas o livre arbítrio subjetivo não pode mudar estas estruturas, nem sua correspondência recíproca. Não é senso comum que assim como é corrente a música suave nos supermercados para estimular as mulheres a comprar, se executa música vigorosa no exército para incitar os homens a marchar? A mercadotecnia e a milícia são atividades demasiado reais para permitir que nelas interfiram as fantasias do liberalismo.
Ainda assim, os liberais fantasiam. Daí, sem dúvida, a atual produção de “Tristão e Isolda” no Covent Garden, que se esforça em “desconstruir” a obra-prima de Wagner, como se descreveu nos Comentários Eleison da semana anterior. No entanto, um artigo de duas páginas incluído nas notas do programa para a mesma produção ilustra a correspondência objetiva entre classes de música e classes de reações humanas. Quisera poder citá-lo todo, mas não se assustem com os detalhes técnicos, leitores, porque estes são precisamente os que provam o ponto.
O artigo foi tomado do livro “Vorhang Auf!” (“Levante-se o Pano!”), de um maestro alemão que ainda vive: Ingo Metzmacher. Centra-se no famoso “Acorde de Tristão”, que aparece pela primeira vez no terceiro compasso do prelúdio. O acorde consiste de um trítono (ou quarta aumentada) fá e si abaixo do dó central (dó4) e acima dele, uma quarta: ré sustenido e sol sustenido. Neste acorde, diz o autor, há uma tremenda tensão interna em busca de uma resolução, mas nas quatro vezes que este acorde aparece nos primeiros 14 compassos do prelúdio, só se resolve na 7ª dominante; um acorde irresoluto de per si e que clama por uma resolução. E quando ao final alcança um acorde estável em fá maior no compasso 18, imediatamente é desestabilizado por uma nota baixa elevando-se um semitom meio compasso adiante, e assim sucessivamente.
Os semitons são de fato a chave, diz Metzmacher, do novo sistema harmônico inventado por Wagner em “Tristão” para expressar o anelo ilimitado do amor romântico. Os semitons “agem como um vírus; não há som que esteja a salvo deles e não há nota que possa estar certa de que não variará para cima ou para baixo.” Os acordes assim fracionados continuamente, reparados e imediatamente fracionados outra vez, constituem uma procissão implacável de estados de tensão irresoluta, que corresponde perfeitamente em música ao desejo mútuo dos amantes, “crescendo imensuravelmente como um resultado da impossibilidade de encontrar-se plenamente.
Mas Metzmacher assinala o preço que se há de pagar: a música baseada no sistema de claves, uma mescla estruturada de semitons com tons plenos, “toma sua força vital de uma habilidade de dar-nos com uma clave particular a sensação de estar em casa.” Pelo contrário, com o sistema de Tristão, “nunca podemos estar certos de que um sentimento seguro não é na realidade uma decepção.” Assim, o acorde de Tristão “marca um ponto de inflexão na história não só da música, mas de toda a humanidade.” Metzmacher entenderia bem o velho provérbio chinês: “quando a modalidade da música muda, os muros da cidade tremem.
Tal como a música tonal subvertida de “Tristão”, assim talvez também esse produtor do Covent Garden tenha tentado subverter “Tristão”. Onde então se detém a desconstrução da vida e da música? Resposta não wagneriana: Nas verdadeiras celebrações da Missa! Com a Nova Missa Maçônica, os verdadeiros católicos nunca se sentirão em casa.”
(Mons. Richard Williamson, F.S.S.P.X, “Tristan” - Chord)