terça-feira, 10 de abril de 2018

Santo Tomás de Aquino e a saudade


“A interação palavra-vida torna-se ainda mais decisiva quando se trata de atingir sentimentos mais sutis e complexos do coração humano: neste caso, cada povo costuma gerar a palavra que se apropria do sentimento que lhe é mais conatural e, reciprocamente: o sentimento se torna como que conatural porque a palavra se apodera do falante desde a infância.
Como tão bem apontou Fernando Pessoa, numa das "Quadras ao gosto popular", para o caso da saudade:
Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.

Saudade é aquele complexo agridoce - dor gostosa; dor que não é pura dor, mas prazer; prazer que dói -, assim descrito na genial quadrinha popular:
Saudade, ainda que doa
Tu és nesta vida fugaz
A única coisa boa
De todas as coisas más

Como, por exemplo, traduzir para outra língua o verso da canção de Isolda:
"Das lembranças que eu trago na vida, você é a saudade que eu gosto de ter...?"
Tomás, no século XIII (quando mal havia português e não estava formada a palavra “saudade”), fez um agudo diagnóstico - em que inclui até a explicação causal - da saudade: a dor - diz ele - é por si contrária ao prazer, "mas pode acontecer que um efeito per accidens da dor seja deleitável, como quando produz a recordação daquilo (pessoa, terra, etc.) que se ama e faz perceber o amor daquilo por cuja ausência nos doemos. E assim, sendo o amor algo deleitável, a dor e tudo quanto provém desse amor também o serão" (I-II, 35, 3 ad 2).
Se a caracterização em si já é perfeita, ela se mostra mais genial ainda quando nos lembramos que Tomás não era português nem brasileiro...”
(Jean Lauand, Tomás de Aquino e o Neutro)