"Assim intitulava Agustin de Foxá um iluminador artigo de ABC no qual explicava o declive da Grã-Bretanha, dedicada durante décadas a inocular todo tipo de venenos entre seus inimigos, para destruí-los. Depois de deixar cair o tzar da Rússia, depois de favorecer a dissolução do Império Austro-Húngaro no formigueiro de repúblicas de opereta, depois de enviar agentes a pregar a livre determinação dos povos entre as colônias das potências rivais, os ingleses pensaram ilusamente que um mundo enfermo de demagogia e ateísmo cairia estrepitosamente, enquanto eles permaneceriam indenes. Mas o bumerangue que haviam lançado retornou, ensangüentado, a feri-los; e sua política de esplêndido isolamento mostrou-se de alfenim diante da avalanche de males que haviam provocado, de tal modo que seu império não tardou a sucumbir.
Um processo semelhante está acontecendo diante de nossos olhos com os Estados Unidos da América. Lá pelos anos setenta, Washington assinou com Riad um pacto pelo qual o banco central saudita se comprometia a adquirir valores do tesouro americano por uma quantidade que nunca se soube com exatidão, mas que se presume ingente e que permitiu aos Estados Unidos endividar-se até extremos desquiciados, na confiança de que os petrodólares sauditas poderiam continuar adquirindo indefinidamente dívida americana. Ademais, os sauditas convenceram outros países produtores de petróleo da região a que vendessem seu petróleo unicamente em dólares, o que ainda inchava mais esta descomunal bolha financeira. Em troca, os americanos fizeram dos sauditas "sócios preferenciais" e se comprometeram a fornecer-lhes armamento e proteção militar, assim como aos Estados satélites da região que seguiram seu exemplo, assegurando que a demanda de moeda estadunidense nas transações internacionais (os célebres petrodólares) nunca decaísse. Se houvesse que se estabelecer um marco no qual a democracia entregou sua alma e se tornou definitivamente um regime protervo haveria que se assinalar, sem dúvida, este pacto com a Arábia Saudita: pois, à parte de pôr sob sua proteção uma dinastia execrável e de amparar um regime político que perpetrou (e continua perpetrando) os crimes mais horrendos, estava entregando ao caos a região e, por conseguinte, o mundo inteiro.
Esta obscura aliança explica, por exemplo, por que os Estados Unidos invadiram o Iraque (cujo governante, Sadam Hussein, se negava a comerciar em dólares). E também por que permitiram a ascensão do Daesh, que não é senão uma sucursal saudita encarregada de estender o sunismo em suas variantes mais oprobriosas. Em troca de entregar sua alma, os Estados Unidos puderam incrementar seu endividamento e destruir a economia de seus inimigos, mediante diminuições do preço do petróleo acordadas com a Arábia Saudita. Mas o bumerangue volta agora para ferir seu lançador: a diminuição dos preços do petróleo obrigou Riad a desfazer-se de valores estadunidenses, para evitar a quebra de sua economia, o que provocou o pânico bursátil; e, por sua vez, o Irã (única potência mundial xiita e rival encarniçado da Arábia Saudita) anunciou, após voltar ao mercado petroleiro, que cobrará de seus compradores em euros, seguindo o exemplo da Rússia e da China, que em seu comércio bilateral abandonaram o dólar.
Quando quisermos explicar o que acontece no Oriente Próximo, não devemos esquecer esta breve história. Tudo fica assim mais compreensível, desde a inoperância (cumplicidade?) dos Estados Unidos com o Daesh até as intoxicações russófobas. E, naturalmente, todas as calamidades que nos aguardam, ao redor da esquina."
(Juan Manuel de Prada,
La Política del Boomerang)