quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Mons. Williamson sobre o valor da cultura não-católica


“Uma leitora dos “Comentários” questiona novamente o valor da cultura não católica, atacando-os por causa dos elogios a Wagner (EC 9) e a T.S. Eliot (EC 406, 411). Para ela, T.S. Eliot deve ser rejeitado como um protestante, ao passo que Wagner é um diabo jacobino apaixonado pelo budismo, cuja música está carregada de impureza gnóstica. Veja, ambos, Eliot e Wagner, têm suas faltas, graves faltas quando mensuradas em relação à plenitude da verdade católica, como os “Comentários” mencionados acima apontam. Entretanto, em nossa época doentia eles têm sua utilidade, a qual pode ser resumida pelas palavras atribuídas a Santo Agostinho: “Toda verdade pertence a nós, cristãos”.
Eliot e Wagner pertencem à “cultura” de outrora. Para nossa finalidade, definiremos cultura como as histórias, a música e as imagens que homens de todas as épocas necessitam para nutrir suas mentes e seus corações. Assim definida, a cultura reflete e revela, ensina e molda. Reflete porque é o produto de algum escritor, músico ou artista que tem o talento de dar expressão ao que se passa em sua alma e na de seus contemporâneos. Se foi popular em seu tempo, a cultura revelou parte do que acontecia em suas almas. Se se tornou um clássico a partir daí, como Eliot e Wagner, é porque reflete e revela parte do que acontece nas almas de homens de todos os tempos. Assim, da extrema pobreza de sua formação unitarista, Eliot foi capaz de desenhar seu assustador retrato do homem moderno, enquanto Wagner, para além de qualquer budismo ou gnosticismo, à custa de um imenso talento preencheu suas óperas com uma riqueza de verdadeira psicologia humana que milhares de comentadores não pararam de interpretar desde então.
A cultura também molda e ensina porque o escritor, ou o músico, ou o artista, dá expressão e forma a movimentos até então informes, nas mentes e nos corações de seus contemporâneos. Shelley chamou os poetas “os legisladores não reconhecidos do mundo”. Elvis Presley e os Beatles tiveram enorme influência sobre a juventude moderna, e sobre as gerações seguintes. Picasso quase criou a arte moderna e, em grande parte, projetou o modo como os modernos visualizam o mundo a seu redor. Esses exemplos modernos da grande influência da literatura, da música e da arte sobre os seres humanos raramente podem ser apreciados porque o homem moderno é deveras ímpio, e há nele pouco que valha a pena refletir ou expressar. Contudo, a imensa influência não pode ser negada.
Em resumo, a cultura é baseada e advinda das almas dos homens. E a Igreja Católica trabalha para a salvação dessas almas. Então, como poderia negligenciar a cultura? Seus próprios escritores direcionaram os pensamentos dos homens, e seus artistas e seus músicos preencheram suas igrejas com beleza, a fim de elevar suas almas a Deus, desde o início da Igreja. “É claro”, alguém poderá objetar, “que isto é verdade em relação à cultura católica, mas nem Eliot nem Wagner foram católicos. Então, que serventia têm para a Igreja?”
No homem, há três coisas: a graça, o pecado e a natureza. Proveniente de Deus, nossa natureza básica somente pode ser boa, mas, como foi maculada pelo pecado original, também é fraca e inclinada ao mal. A natureza é como o campo de batalha da eterna guerra entre a graça e o pecado, que lutam para possuí-la. A graça eleva e cura a natureza. O pecado a derruba. Eis a luta sem fim. A Eliot e a Wagner pode ter faltado a graça, mas Deus lhes permitiu serem mestres da natureza. A Igreja é a comandante-chefe no que diz respeito à salvação das almas. Como ela poderia falhar em estudar o campo de batalha e em extrair todos os possíveis benefícios dos mestres da natureza, para conhecer as almas do tempo e ensiná-las?”
(Mons. Richard Williamson, F.S.S.P.X, Again, Culture)

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