terça-feira, 9 de maio de 2017

O coquetel infernal do liberalismo

“Desde o princípio, a Revolução se fez venenosa, mas com arte, com habilidade, ela recorda e ultrapassa as maquinações de Agripina e Locusta.
Vamos um instante à Roma pagã: Locusta é uma famosa envenenadora dos tempos dos Césares. Ela primeiro deve assassinar o imperador Cláudio por ordem de Agripina. Ela é chamada ao conselho; pedem-lhe que ponha engenho em sua destreza. Um veneno demasiado rápido poria de manifesto o assassinato de Cláudio; um veneno demasiado lento lhe daria tempo de reconhecer e restabelecer os direitos de Britânico, seu filho. Locusta compreende, e encontra o que procura em um veneno que transformará a razão e extinguirá lentamente a vida. Um eunuco faz com que o desventurado César tome o veneno em um cogumelo, o qual saboreia deliciado: Morre embrutecido!
Um ano depois, Locusta livra Nero de Britânico, que o perturbava. Desta vez, ele não pede um veneno lento, tímido, secreto, como o que fez com tanto refinamento para Cláudio; mas um veneno ativo, rápido, fulminante. Britânico cai morto na mesa imperial.
Locusta teve alunos, Nero lhe permitiu formar seus discípulos em uma escola de envenenamento. A história, com efeito, e a pintura, a representam provando seus venenos em escravos desgraçados, uns retorcendo-se a seus pés, e outros tornando-se loucos.
Regressemos a nossa época.
Quem teria podido pensar que Locusta seria ultrapassada? A Revolução se encarregou deste sinistro progresso.
Com efeito, desde o aparecimento do cristianismo no mundo, tudo tomou uma forma mais elevada, mais espiritualizada, inclusive o mal, inclusive o envenenamento. Envenenam-se os espíritos e a moral como antes se envenenava o corpo: com engenho! Não dizemos nos séculos cristãos, o veneno da heresia, o veneno do erro? A sombra de Locusta sem dúvida já rondava os conciliábulos do maniqueísmo, do arianismo, do calvinismo, do voltairenismo: mas em 1789 a Revolução, inspirando-se na envenenadora e ávida de ultrapassá-la, imaginará na ordem intelectual e social um veneno que transtornará a razão e extinguirá lentamente a vida nos povos cristãos: que é o que ela imaginou?
O liberalismo.
Com efeito, para chegar a transtornar a razão em um povo como o da França e chegar a extinguir lentamente sua vida, é necessária uma beberagem que seja ao mesmo tempo veneno, poção e narcótico:
- o veneno mata;
- a poção embriaga;
- o narcótico adormece.
Trata-se de matar nela as idéias cristãs; ao mesmo tempo embriagar as almas generosas; e ao mesmo tempo adormecer a gente honesta: tudo isso, ao mesmo tempo. O liberalismo será esta mistura hábil, esta terrível beberagem. Se ele é decomposto, encontramos ali os três elementos, veneno, poção e narcótico.
- O veneno primeiro: assim como encontramos, nos campos, plantas venenosas, encontramos também, na ordem intelectual, más doutrinas, opiniões perniciosas. Pode-se dizer que a Igreja sempre as tem extirpado, mas elas reaparecem com a facilidade e a tenacidade das ervas más: por exemplo, a negação do pecado original, também a onipotência da razão à qual tudo se deve submeter, a suficiência das forças sociais para conduzir os povos. Produções venenosas de todos os séculos, o filosofismo do século XVIII as fez ressurgir e as propagou. A Revolução só terá que agachar-se para recolhê-las. Elas formarão o primeiro elemento de sua terrível beberagem.
- Além do veneno, a poção: Há, no tesouro das línguas humanas, palavras que têm o poder de arrebatar, de embriagar, de apaixonar, estas são: as palavras mágicas de liberdade, de fraternidade, de igualdade. O Evangelho, havendo purificado estas palavras, as explicou e, pondo-lhes um fermento divino, as ampliou tanto que elas expressaram idéias novas. Durante muito tempo permaneceram apegadas ao Evangelho, penetraram e trabalharam o mundo de uma maneira tão segura e saudável como eram doces, ponderadas, respeitosas. Mas eis que no século XVIII o filosofismo se apoderou destas palavras. Imediatamente perderam seu fermento divino e se tornaram poção. A Assembléia Nacional, na célebre noite de 4 de agosto de 1789, que será uma embriaguez sem precedentes na história dos povos, experimentará esta poção. Entram então como segundo elemento na beberagem encantadora e funesta que prepara a Revolução.
- O narcótico, finalmente, encontra-se como o terceiro elemento. Entre todos os sentimentos dos quais o coração do homem foi dotado, há um que se distingue por sua grande nobreza quando a verdade é seu guia, mas que se torna um perigo extremo quando se inspira só em si mesmo: é o sentimento de tolerância, de indulgência. Com efeito, quando ela toma por guia a verdade, a tolerância se traduz em compaixão pela pessoa, reprovação do erro; tal é a expressão da tolerância católica. Pelo contrário, quando só se inspira em si mesma, a tolerância, extraviando-se na brandura das crenças ou em uma sensibilidade falsa e exagerada, torna-se indulgência pelos erros tanto quanto pelas pessoas, e desculpa tudo sem consideração: atos de debilidade e doutrinas culpáveis.
A Igreja sempre uniu cuidadosamente este sentimento à verdade. O filosofismo do século XVIII o separa. É então que na sociedade tomam a forma de máximas como estas:
“A tolerância é a mãe da paz” - “Só a tolerância pôde conter o sangue que jorrava de um lado a outro da Europa” - “Se Deus quisesse, todos os homens teriam a mesma religião, assim como têm o mesmo instinto moral. Sejamos então tolerantes”. Este sistema de tolerância alentado e propagado será o ópio, o narcótico de que necessita a Revolução. Ela se servirá dele para adormecer todas as querelas religiosas e inclusive, se fosse possível, as próprias religiões. Uma multidão de gente honesta, de gente boa, não pedirá mais que letargiar-se, dormitar e permanecer neutra, apesar da severidade da teologia. Terceiro elemento da beberagem revolucionária!
E assim:
- Onipotência da razão como tribunal ao qual tudo deve se submeter; suficiência das forças humanas para fazer seu caminho, e suficiência das forças sociais para conduzir os povos (veneno).
- Grandes palavras de liberdade, igualdade e fraternidade (poção).
- Sentimento de tolerância recíproco não somente para as pessoas, mas para as doutrinas (narcótico).
Esta é a pérfida beberagem que, como nos tempos de Locusta, deve transtornar a razão e extinguir lentamente a vida. Uns serão embriagados, outros adormecidos, e outros em grande número serão mortos no decorrer do tempo. Esta mistura receberá, mais tarde, seu nome característico: o liberalismo.”
(Joseph Lémann, Les Juifs dans la Révolution Française)