terça-feira, 21 de março de 2017

Bom senso sobre a vacância da Sé

I
“Os sacerdotes Dominicanos de Avrileé, França, fizeram a todos nós um grande favor ao republicar as considerações sobre a Sé vacante de Roma escritas há uns quatrocentos anos por um famoso teólogo tomista da Espanha, João de Santo Tomás (1589-1644). Por ser um fiel sucessor de Santo Tomás de Aquino, ele se beneficia daquela sabedoria superior da Idade Média, época em que os teólogos podiam medir os homens por Deus ao invés de medir Deus pelos homens, uma tendência que começou como uma necessidade (se as almas não podiam mais tomar a penicilina medieval, teriam de tomar um remédio menos eficaz), mas que culminou no Vaticano II. Eis aqui, de forma bem resumida, as principais ideias de João de Santo Tomás sobre a deposição de um Papa:
I - Pode um Papa ser deposto?
Reposta: sim, pois os católicos são obrigados a se separar dos hereges depois destes terem sido advertidos (Tt 3, 10). Além disso, um Papa herético põe toda a Igreja em um estado de legítima defesa. Mas o Papa deve ser primeiro advertido tão oficialmente quanto seja possível, para que possa se retratar. Também sua heresia deve ser pública, e declarada tão oficialmente quanto seja possível, para evitar confusão generalizada entre os católicos, vinculados entre si pela obediência.
II - Por quem ele deve ser oficialmente declarado herege?
Resposta: não pelos Cardeais, porque embora eles possam eleger um Papa, não podem depor nenhum, porque é a Igreja Universal que é ameaçada por um Papa herético, e então a maior autoridade universal possível da Igreja é a única que pode depô-lo, a saber, um Concílio da Igreja composto de um quorum de todos os Cardeais e Bispos da Igreja. Estes poderiam ser convocados não autorizadamente (o que só o Papa pode fazer), mas entre eles.
III - Por qual autoridade poderia um Concílio da Igreja depor o Papa?
(Aqui está a principal dificuldade, porque Cristo dá ao Papa poder supremo sobre toda a Igreja, sem exceção, tal como o Vaticano I definiu em 1870. Já João de Santo Tomás deu argumentos de autoridade, razão e Direito Canônico para provar esse supremo poder do Papa. Então, como pode um Concílio, sendo inferior ao Papa, ainda assim depô-lo? João de Santo Tomás adota a solução fornecida por outro famoso teólogo dominicano, Tomás Caetano (1469-1534). A deposição do Papa por parte da Igreja cairia não sobre o Papa enquanto Papa, mas sobre a ligação entre o homem e seu Papado. Isso pode parecer um tanto sutil, mas é lógico.)
Por um lado, nem mesmo o Concílio da Igreja tem autoridade sobre o Papa; mas por outro lado, a Igreja é obrigada a evitar os hereges e a proteger o rebanho. Portanto, como em um Conclave os Cardeais são os ministros de Cristo para vincular esse homem ao Papado, mas somente Cristo dá a ele sua autoridade papal, assim o Concílio da Igreja seria por sua declaração solene os ministros de Cristo para desvincular esse herege do Papado, mas somente Cristo, por sua autoridade divina acima do Papa, poderia autorizadamente depô-lo. Em outras palavras, o Concílio da Igreja deporia o Papa não autorizadamente, mas apenas ministerialmente. João de Santo Tomás confirma esta conclusão com base no Direito Canônico da Igreja, que afirma em muitos lugares que somente Deus pode depor o Papa, mas que a Igreja pode julgar sua heresia.
Infelizmente, como assinalam os Dominicanos de Avrilée, quase todos os Cardeais e Bispos da Igreja hoje estão tão infectados pelo modernismo que não há esperança humana de um Concílio da Igreja que veja de modo claro o bastante para condenar o modernismo dos Papas conciliares. Nós podemos apenas orar e esperar pela solução divina, que virá na boa hora de Deus. A seguir: não estaria um Papa automaticamente deposto por uma simples heresia sua?”
II
“Com respeito à deposição de um Papa herege, os Dominicanos Tradicionais de Avrillé, na França, nos prestaram um grande favor ao publicar não apenas as considerações clássicas de João de Santo Tomás (cf. CE 405), mas também as de outros teólogos proeminentes. Em resumo, as melhores mentes da Igreja ensinam que um argumento simples e hoje em dia popular, a saber, o de que um Papa herege não pode ser membro da Igreja e, portanto, muito menos seu chefe, é exageradamente simples. Ainda resumindo, há mais no Papa do que apenas o indivíduo católico, quem, ao cair em heresia, perde a fé e com ela sua condição de membro da Igreja. Para a Igreja, o Papa é muito mais do que um indivíduo católico. Para clarear, apresentaremos os argumentos destes teólogos na forma de perguntas e respostas:
Antes de tudo, é possível que um Papa caia em heresia?
Se ele emprega todas as quatro condições de seu Magistério Extraordinário, não pode ensinar heresia; mas que ele pode pessoalmente cair em heresia, é a opinião mais provável, ao menos de teólogos antigos.
Então, se ele cai em heresia, isto não o impede de continuar a ser membro da Igreja?
Como uma pessoa católica individual, sim; mas como Papa, não necessariamente, porque o Papa é muito mais do que apenas um indivíduo católico. Como disse Santo Agostinho, o sacerdote é católico para ele mesmo, mas é sacerdote para os outros. O Papa é Papa para toda a Igreja.
Mas suponha que a grande maioria dos católicos possa ver que ele é um herege, por estar óbvio. Sua heresia, nesse caso, não o impossibilitaria de continuar a ser Papa?
Não, porque ainda que sua heresia seja óbvia, muitos católicos ainda podem negá-la – por exemplo, por “piedade” para com o Papa –, e assim, para evitar que surja confusão em toda a Igreja, uma declaração oficial da heresia do Papa seria necessária para manter os católicos unidos. Tal declaração teria de vir de um Concílio da Igreja, convocado para este propósito.
Mas se a heresia fosse pública e óbvia, não é certo que seria suficiente para depô-lo?
Não, porque, em primeiro lugar, todo herege deve ser oficialmente advertido antes de ser deposto, para que possa se retratar de sua heresia. E em segundo lugar, seja na Igreja ou no Estado, todo oficial superior está servindo ao bem comum, e para o bem comum ele deve permanecer no ofício até que seja oficialmente deposto. Então, tal como um bispo permanece no ofício até que seja deposto pelo Papa, assim o Papa permanece no ofício até que a declaração oficial de sua heresia por um Concílio da Igreja faça com que Cristo o deponha (CE 405).
Mas, se um herege não é um membro da Igreja, como pode ele ser seu chefe, o membro mais importante?
Porque sua condição particular de membro é uma coisa diferente de sua chefatura oficial. Por sua condição particular de membro ele recebe santificação da Igreja. Por sua chefatura oficial, ele dá governo oficial à Igreja. Ao cair em heresia, ele deixa de ser um membro vivo da Igreja, é verdade, mas nem por isso ele deixa de ser capaz, mesmo como um membro morto, de governar a Igreja. Sua condição de membro da Igreja pela fé e caridade é incompatível com a heresia, mas seu governo da Igreja por sua jurisdição oficial, que não exige fé nem caridade, é compatível com heresia.
Mas, por sua heresia, um antigo Papa jogou fora seu Papado!
Pessoalmente e em privado, isso é verdade, mas não é certo oficialmente e em público, até que um Concílio da Igreja tenha tornado a sua heresia não apenas pública, mas também oficial. Até então o Papa deve ser tratado como Papa, porque para a tranqüilidade e o bem comum da Igreja, Cristo mantém Sua jurisdição.”
(Mons. Richard Williamson, F.S.S.P.X, Vacancy Sense)

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