“Em princípio, o ‘católico liberal’ não gosta de falar de princípios. Ele se atém ao campo dos fatos, pois aí ele pode mais facilmente usar seus talentos. Mas já aqui somos obrigados a crer que a mediocridade de seu discernimento da verdade naturalmente o levará a uma mediocridade na ação (a menos que a real teoria de justificativa de sua atitude seja simplesmente seu medo de agir e lutar).
De toda a forma, sabemos que qualquer ação ou vigoroso combate humano necessariamente pressupõe a percepção de um bem a ser obtido ou conservado. Esta é a única razão para o esforço; caso contrário, reagiríamos apenas um pouco, ou nem mesmo o faríamos. O mundo moderno chama isso de ‘lei da motivação’. É preciso amar profundamente para estar fortemente motivado; mas só se ama na medida em que se compreende a importância ou valor de um determinado bem. Não é então difícil de entender que haverá apenas uma fria indiferença, ou pelo menos, uma convicção muito fraca a respeito da verdade. Isto, por sua vez, produz uma pusilanimidade e uma covardia na ação. Este é freqüentemente o caso do ‘católico liberal’. Adicionemos a isto que o fato de seu exagerado desejo de conciliação, além de sua fé enfraquecida, o faz correr o risco de se meter em transações ambíguas e firmar lamentáveis compromissos. Isto tem como conseqüências recuos vergonhosos, capitulações e uma irreparável traição. As últimas poucas décadas testemunharam tudo isso. Mesmo assim, o ‘católico liberal’ não acredita em nada disso. Ele continua, ao contrário, expressando seu orgulho em sua solicitude para o que chama de ‘um desejo de paz’, ‘conduta prudente’, ‘atitude caridosa’, ‘sentido de realidade’, ‘política de resultados’. Observemos isso mais cuidadosamente.
Desejo de paz – O ‘católico liberal’ deseja a paz a qualquer custo. Contudo, esse custo é freqüentemente muito alto, pois ele acaba sendo, na concepção do ‘católico liberal’, o custo da verdade, dos direitos de Deus e da Igreja. Certamente todo católico deve trabalhar para a paz, isto é, para a tranqüilidade da ordem em todos os domínios. ‘Bem-aventurados os pacíficos ...’ Mas, como explica o Cardeal Pie, a paz é somente possível na verdade, pois a ordem é somente possível se as coisas estiverem dispostas de acordo com as exigências de suas relações mútuas. A paz entre os homens é portanto obtida quando suas atividades são ordenadas de acordo com a virtude. Em particular, as virtudes da justiça e caridade asseguram um respeito a todas as leis e poderes legítimos. Ora, a paz entre a Igreja e o mundo é impossível aqui embaixo: ‘Meu filho, quando entrares no serviço de Deus ... prepara a tua alma para a tentação’ (Eclo 2:1), ‘Todos os que querem viver piamente em Jesus Cristo, padecerão perseguição’ (II Tim 3:12).
Nosso Senhor claramente previu isso quando disse: ‘vocês serão odiados por causa de meu nome.’ Este é, de fato, o privilégio do católico, que sempre e em todo lugar atrai um ódio violento e é acusado de hipocrisia pelo próprio mundo que ele condena. A Igreja militante continuará a declarar guerra enquanto houver almas a salvar. Como resultado, o pacífico é sempre chamado a estar preparado para a guerra contra os destruidores da ordem na batalha contra a concupiscência, o mundo e o demônio. É por causa do amor à ordem e à paz que o pacífico ataca a ignorância, o erro e as paixões, a fim de salvar almas. O ‘católico liberal’ ao contrário não entende as verdadeiras condições para a paz, que é a permanência na ordem, pois a desordem invade sua mente, desordem que está presente até mesmo em seu nome. É a concordância de vontades o que ele deseja acima até, e apesar da, divergência e oposição de mentes. A única coisa que ele obtém é uma tolerância superficial e provisória em que o católico tem tudo a perder e nada a ganhar. Ele não obtém nem a verdadeira paz nem a estima de seus adversários. Repetidamente você o vê estendendo a mão com uma irritante insistência, oferecimento que estamos dispostos a recusar com desprezo! Não, o ‘católico liberal’ não é um pacífico, mas sim um pacifista. Ele tem duas características principais: uma aversão pelos seus irmãos católicos e um perfeito entendimento com o inimigo.
Atitude caridosa – Caridade! Caridade! Esta é a desculpa que o ‘católico liberal’ tenta apresentar. A verdadeira caridade é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a Deus. Esses dois amores não são separáveis. Amamos a Deus e ao próximo como Deus deseja, isto é, visando a um fim e de uma forma que Ele quer, i.e., por e em Jesus Cristo e a Igreja. A verdadeira caridade sabe que o primeiro bem é a verdade; propagar isto é pois a primeira obrigação. Porque amamos fervorosamente, odiamos vigorosamente; juramos nosso inexplicável ódio ao mal, ao erro e ao pecado, e procuramos destruir cada obstáculo que se opõe à missão apostólica da Igreja. Comentando sobre a passagem de São Paulo,
facientes veritatem in caritate, praticando a verdade na caridade, Cardeal Pie escreve: ‘A caridade implica antes de tudo o amor a Deus e à verdade. Ela não hesita em puxar a espada por uma causa divina, sabendo que somente com golpes duros e incisões salutares pode se vencer ou converter o inimigo.’ Será que o ‘católico liberal’ ama a Deus sobre todas as coisas quando desconsidera Suas verdades e ridiculariza Suas leis imprescritíveis? Amará ele seu próximo quando não o auxilia a se libertar dos erros e o ajuda através de verdades sobrenaturais? É possível amar o doente ignorando sua doença ao invés de curá-la? As almas são amadas quando mesmo as verdades elementares, que são necessárias para a salvação, são recusadas a elas para não lhes causar ansiedade? Não, a caridade do ‘católico liberal’ é mal orientada, quando e se não completamente deformada. Ele é mais um pregador hipócrita da caridade do que verdadeiramente caridoso, pois é todo doce com o incrédulo, mas amargo como fel com o católico. Seu coração está voltado para a ‘esquerda’, como suas idéias. Ele não tem nada para dar aos verdadeiros católicos senão amargura e violência. ‘Seu ardor é amargo, suas discussões ríspidas, sua caridade agressiva’ (Dom Sarda).
Conduta prudente – Pelo menos, o ‘católico liberal’ é ‘prudente’! Ele na prática assume a definição que criou: não é ela a virtude
par excellence do ‘justo meio’ e aquela que regula todas as outras virtudes? Com uma modéstia que lhe causa satisfação, repete sem cessar que ele não compromete o bom objetivando idioticamente o perfeito. Em vez disso, ele sabiamente se contenta como o ‘possível’. Mas isso o faz mais justo? A prudência é definida como:
recta ratio agibilium, que pode ser traduzida como a ‘arte de obter êxito,’ isto é, a habilidade de atingir o objetivo. A prudência nunca perde sua perspectiva que é o fim último do homem e do universo. Portanto, ela analisa todos os meios que auxiliarão na sua obtenção. Ela procura o maior bem possível numa dada circunstância, e, entretanto, considera isso apenas como um degrau para o fim último, e não como um fim em si mesmo. Ela cuida do doente de uma maneira útil, nunca todavia cedendo ao mal, a menos que seja obrigada a tolerá-lo por enquanto, aguardando um momento favorável para triunfar ainda mais completamente. A prudência certamente se dobra às circunstâncias, mas sempre para obter um bem maior. Ela trabalha incansavelmente em sua direção, intensificando todo bem possível. Ela nunca se senta resignada em ser conquistada, mas sempre acaba sendo o conquistador. Ela procura o sucesso, nunca desdenhando da força, mas controlando-a e usando-a para obter o fim em vista. A prudência do ‘católico liberal’, por outro lado, é sempre vulgar porque é míope, nunca vendo muito alto ou muito longe. Falta-lhe sabedoria que é o ‘conhecimento das mais altas causas’. Ele é débil e hesitante pois não há convicção na fé. Toda a confiança é colocada nas modestas e limitadas condições humanas, e nenhuma em Deus e Sua graça. Esta não é senão a prudência do mundo ou a ‘prudência carnal’. Ela não deseja nenhum tipo de batalha; ela desdenha a força em vez de colocá-la a serviço da verdade. Esse tipo de prudência somente sabe como capitular. Fundamentalmente, ela não é senão medo e mesmo covardia.
Sentido de realidade – O ‘católico liberal’ crê e mesmo proclama que é dotado de um ‘senso de realidade’, na falta de um ‘senso católico’. Ele não se interessa por teoria, mas se considera prático. Alega conhecer seu tempo, suas aspirações e necessidades. Para ele, a verdade deve ser apresentada numa forma inteiramente diferente às pessoas agora amadurecidamente impregnadas de liberdade. Ele pressiona a Igreja a levar em conta o progresso e Se colocar à sua disposição. Contudo, este infeliz indivíduo não tem o senso da realidade especulativa, nem natural nem sobrenatural, dado seu amor incrivelmente fraco pela verdade. Tampouco tem ele o senso da realidade prática, pois, surpreendentemente, falta-lhe psicologia. Ele pensa que conhece as aspirações de seu tempo, mas na realidade é totalmente ignorante das profundas aspirações de todos os tempos; por exemplo, a da inteligência por verdades universais e a da vontade pelo bem soberano. Ele não entende a invencível atração que a verdade exerce sobre toda e qualquer alma. Tendo uma excessiva confiança nos meios humanos, ele se esquece de se socorrer Naquele que fez o céu e a terra. Ele despreza a graça onipotente de Jesus Cristo, e tem em particular uma fé muito superficial na profunda afinidade entre a alma sacerdotal e a alma batizada. Por isso, seus sermões, se ele é padre, são ineficazes e enfadonhos, pois coloca ênfase na eloqüência e persuasão, em vez de na
virtus Christi. Em vez de falar com autoridade de representante de Deus e embaixador de Cristo, ele se faz pequeno, humilde e suplicante. Conseqüentemente, obtém somente o sucesso humano e às vezes até mesmo indiferença e desprezo. Falta-lhe também psicologia frente a um adversário obstinado. Ele pensa que, com a capitulação freqüente ante ao adversário, ele receberá em troca mais, mas de fato, ele perde terreno a cada dia. Isto é o que ele chama de o ‘possível’, de ‘mal menor’. Mesmo assim, quando ele faz dessa atitude um sistema, o ‘mal menor’ se torna o maior de todos os males, e o ‘possível’ se encolhe sem cessar, pois quanto mais ele recua, mais o adversário avança e conquista o seu terreno. Essa é a história da resistência do ‘católico liberal’ nos últimos 50 anos. Assim, hoje chegamos a aceitar e respeitar a lei do secularismo! Este é o resultado de tal política e é enormemente triste!
Assim, esse dissimulado ‘justo meio’ se move sem cessar, sempre na direção do mal maior. É surpreendente ver como o ‘católico liberal’ se colocou entre a Igreja e a Revolução. Ele continuamente se aproxima do lado da revolução e se distancia cada vez mais da Igreja. Realmente, nesse sentido ele avança continuamente na direção da conformidade com o povo. Assim, o ‘católico liberal’, cuja intenção era a de conciliar a Igreja com a Revolução, tornou realmente possível a vitória da Revolução. Ele não ganhou nada da esquerda, perdeu muito da direita, não conseguiu nenhuma conversão, facilitou muita perversão e causou até mesmo uma multidão de apostasias. Ele nos acusa de colocar a Igreja em perigo, e ainda assim é Ela sozinha que se defende perante um mundo hostil, simplesmente anunciando o que Ela acredita e deseja. Ao contrário então, nós o acusamos de trair a Igreja. Ele coloca a fé em perigo ao destruir a resistência católica ou, por covardia, ao fazer um pacto com o próprio adversário.
Ao ‘católico liberal’ não falta inteligência. Ele tem uma eloqüência, um talento e um conhecimento mais perfeitos que qualquer um. É contudo sua posição que é
imbecillus, segundo o significado latino. Em lugar de construir sobre a pedra,
fundatus supra firmam petram, ele constrói sobre a areia movediça da liberdade em que ele é engolido. Sua posição é totalmente contraditória, pois ele deplora os próprios efeitos das causas que ama, e deseja combater a impiedade, a imoralidade e a heresia sem perceber que seu próprio liberalismo o conduz para essas conclusões.”
(Pe. Augustin Roussel,
Libéralisme et Catholicisme)
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