quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Gustave Thibon: Revolta, a dominante de nossa época


“Existem, nas idéias e nos costumes, dominantes que são peculiares a cada época — como, por exemplo, a libertinagem durante a Regência, o culto da Razão no tempo do humanismo, a apologia da sensibilidade e do irracional no século do romantismo etc. Ora, uma das dominantes de nossa época é a revolta, em todos os domínios, contra os valores tradicionais; revolta que se traduz pela exaltação e prática da violência.
Esse fenômeno se observa em todas as ordens do humano e do social.
Na ordem da amizade, por exemplo. Em muitos meios, a amizade degenerou em camaradagem vulgar e brutal. A integração na turma (e tal palavra não significa necessariamente uma associação de malfeitores) substitui a intimidade entre as pessoas e o intercâmbio de idéias e sentimentos. Ora, a turma busca muito freqüentemente distrações e aventuras mais ou menos sofisticadas de agressividade, e essa violência se multiplica em virtude do gregarismo. O aumento da delinqüência juvenil (blusões pretos ou amarelos) prende-se a essa corrupção do vínculo social. Um fenômeno tipicamente moderno é o dos delitos coletivos cuja multiplicação causa apreensão aos criminologistas. Até no vício e no crime, observa-se essa absorção do indivíduo pela turma…
No plano da sexualidade, muitos jovens se presumem insensíveis, “libertos”, e desprezam indistintamente não apenas a exaltação romântica ou o sentimentalismo sem graça das épocas precedentes, como também tudo o que se relaciona com a ternura ou com o ideal. O coração e a alma afiguram-se-lhes anacronismos e as relações sexuais reduzem-se, para eles, a “conjunções carnais” sem amor e sem mistério ou a manifestações elementares do desejo de potência. Seu ideal é o do macho, não o do amoroso. Observa-se evolução análoga entre certo número de moças cínicas e desavergonhadas, para as quais a rejeição incondicionada dos preconceitos substitui e suprime toda reflexão.
O entusiasmo pelos esportes brutais e perigosos (praticados freqüentemente sem preparação e sem prudência) provém do mesmo estado de espírito. Penso aqui nos riscos gratuitos que assumem — com inconcebível leviandade — tantos jovens “mordidos” pelo alpinismo, pela espeleologia, pela natação, pela navegação a vela, e também nos perigos mortais a que eles expõem seus eventuais salvadores. E nesse delírio de velocidade (a porcentagem dos acidentes causados por jovens é de uma cruel eloqüência) que viola (entre pessoas aliás inofensivas) o mandamento eterno: “não matarás”.
A moda artística e literária não escapa a essa falsa norma. Seu imperativo essencial é surpreender, chocar, desnudar, ultrapassar todo limite e infringir toda regra. Assistimos, em todos os domínios, ao desencadeamento da violência e da disformidade: danças selvagens, música epiléptica, cenas de histeria coletiva nas manifestações duma “vedette” da canção, sacrifício da palavra na poesia e da imagem e da cor na pintura, etc. Nem esqueçamos esse fenômeno sociológico sem precedente que constitui o sucesso sempre crescente da literatura policial e dos filmes de terror, nos quais os instintos sádicos que habitam o coração do homem encontram cada dia que passa novo alimento.”

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