terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Liberdades


“Tão horroroso seria destruir a liberdade onde Deus a colocou, como introduzi-la onde a não há, disse Pascal. Esta fórmula ajunta e estigmatiza os dois atentados com que os tiranos, confessos ou mascarados, ameaçam a verdadeira liberdade dos povos: a opressão e a corrupção, a destruição por atrofia, e a destruição por inchaço.
Em França, há mais de um século, vem-se introduzindo a liberdade onde a não há. Arranca-se o povo à necessidade nutrícia, ao humilde e maternal alvéolo de instituições, costumes e deveres, no interior do qual se pode manifestar, normalmente, a liberdade. Para quê? Para a fazer atuar fora do sítio, fora do domínio adaptado à sua natureza, e em que ela própria se refuta: dogma de soberania do povo, com o corolário prático do sufrágio universal... Seria o mesmo que pedir a um cego que escolha livremente entre as cores! Ao ideal da liberdade, imolam-se os quadros da natureza. Diz-se ao cordeiro: és livre de ser, ou não ser, herbívoro. É ao que levam, ao fim e ao cabo, instituições que alimentam no cérebro de todos os homens a ilusão de serem soberanos, iguais a quem quer que seja, e de talhar, com o voto, os problemas mais alheios à sua competência.
Mas estirar e dilatar, assim, a liberdade é, ainda, a maneira mais segura, e a mais pérfida, de a suprimir. Do bem que se usa mal, perde-se até o uso. Soldado que anda sete léguas, ao outro dia está de tréguas... Depois de ter passeado o desejo e o capricho por todos os alimentos de carne, o herbívoro, corrompido, já não é capaz de escolher capazmente entre os vegetais que o rodeiam: o homem do povo, atulhado de “idéias gerais”, e de ambições absurdas, perde a sabedoria específica do meio social e profissional a que pertence. Cada qual só é livre dentro de sua própria ordem: fora dela, não tem mais que a ilusão da liberdade; de fato, é movido por um palavreado oco ou por paixões doentias, e a sonhada soberania universal acaba em fumo e tragédia. E não é isto o mais grave. O mais terrível é que já não é livre, nem mesmo na alma das massas, a verdadeira liberdade, a verdadeira sabedoria.
Pode-se modificar assim o dito de Pascal: ao querer introduzir-se a liberdade onde a não há, destrói-se a liberdade onde Deus a colocou. O homem que não aceita ser relativamente livre será absolutamente escravo.”
(Gustave Thibon, Diagnostics)

Tradução de Torres Júnior