quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A Idade de Prata da literatura russa


“Se aceitarmos o pensamento de Mukarovski, o maior representante do Círculo Lingüístico de Praga, que põe em destaque a importância do contexto na análise de qualquer texto literário, comprovaremos como o contexto histórico e social influiu e interrompeu a vida – e a obra – dos escritores russos no século XX: Mandelstam morre em um campo de concentração. Outros, como Maiakovski, Yessenin ou Marina Tsvetaeva, se suicidam. Outros são fuzilados como o marido de Ana, Nicolai Gumilev, Boris Kornilov ou Vladimir Narbut.
Nos anos de poder soviético – afirmou Shentalinski – foram detidos cerca de 2.000 escritores e desses 1.500 foram fuzilados e morreram em cárceres e campos de concentração.
Observando esse contexto podemos dizer que o povo russo amava a poesia; nos anos anteriores à Revolução de 1917 ocupavam-se todos os lugares do estádio de Moscou para escutá-la. Na época do regime soviético os versos eram passados de mão em mão em cópias manuscritas ou aprendidos e recitados em reuniões de amigos e dissidentes. Deve-se ter em conta que o comovente poema Réquiem de Anna Akhmatova se conserva porque ela e um grupo de amigos o memorizavam para não deixar rastro escrito que pudesse ter nefastas conseqüências. Em O Canto e a Cinza nos contam como Anna fazia com que sua amiga escritora Lidia Chukovskaia aprendesse poemas do Réquiem para depois queimar o poema. No ano de 1946, passada a época do terror estalinista, quando se permitia a Akhmatova dar alguns recitais, os cidadãos a recebiam de pé, entre ensurdecedores aplausos, porque se sentiam identificados com seus versos.
Consideravam-se "crimes de estado" os versos que não estavam ao serviço da Revolução. Este comportamento repressivo era conseqüência da tese de Lênin de que a literatura, e a arte em geral, tinha que defender as idéias da Revolução proletária. E foi precisamente o poeta Maiakovski, antes de descobrir os horrores da Revolução, quem defendeu com entusiasmo esta postura em seus versos. A chegada de Stalin ao poder radicalizou a situação, com assassinatos, deportações e aniquilação de qualquer sinal de resistência.
Mas como era o ambiente literário russo antes da Revolução?
Essa época, chamada Idade de Prata, será continuadora do período de esplendor da literatura russa, o Romantismo russo, cujo artífice foi Pushkin, a considerada Idade de Ouro. Foram anos de uma rica diversidade de correntes estéticas e literárias e de grande agitação intelectual, cultural e artística. Ressalte-se que a Idade de Prata começa com o simbolismo russo.
O VANGUARDISMO, a revolução literária que antecede a revolução política, apoiará a revolução para depois ser substituído ou eliminado por um realismo socialista. A revolta contra o passado artístico, que supõe a vanguarda, é uma revolta também contra o símbolo político do passado e da opressão representada pelo tzarismo. O vanguardismo russo tem seu centro no futurismo, mas não coincide com o Futurismo italiano nem nasce deste. De fato queriam chamar-se "futurianos" e não futuristas, para que não os confundissem. O futurismo não foi um agrupamento homogêneo; sob o mesmo nome se concentraram grupos diferentes. O mais famoso era o cubofuturista, ao qual pertenciam Khlebnikov e Maiakovski.
Quando se lança o primeiro manifesto futurista A Bofetada no Gosto do Público em 1912 estão em marcha outros movimentos literários: acmeísmo, clarismo, imaginismo...
ACMEÍSMO. Corrente literária russa que surgiu em 1911, durante o chamado Século de Prata da literatura russa, em resposta ao simbolismo. Ao contrário do simbolismo, o acmeísmo se empenhou em substituir o hermetismo, a polissemia e a ambigüidade complicada e o misticismo daquele com a clareza na linguagem do retratado. Surge junto com o futurismo, o que levou a que parecessem anacrônicos.
No outono de 1912 na casa de Gumilev seis poetas jovens decidiram criar uma nova corrente poética, a princípio deram dois nomes a este movimento: acmeísmo – da palavra grega acme – que significa grau máximo de algo, florescimento; e adamismo, visão do mundo viril, clara e firme. Mas este segundo termo caiu em desuso. Só seis poetas se reconheceram como acmeístas: Gumilev, Gorodetsky, Akhmatova, Mandelstam, Narbut e Zenkevitch.
Em janeiro de 1913 no primeiro número da revista Apollon apareceram artigos de Gorodetsky e Gumilev, que se tornaram verdadeiros manifestos do acmeísmo. Os acmeístas renunciam a conhecer a essência oculta das coisas, ao contrário dos simbolistas, falam do mundo concreto e real, ao alcance da experiência humana imediata. Desaparece o romantismo místico dos simbolistas em busca de maior realismo. Rejeitam a vaguidade e nebulosidade do simbolismo em favor de maior clareza, lógica e concreção, sem esquecer que o símbolo é necessário na poesia. A beleza não é um capricho de um semideus,/ mas o olho implacável de um simples carpinteiro (Mandelstam). Os acmeístas se consideravam artesãos da palavra, por este motivo chamavam suas reuniões Oficina dos Poetas.
Nas reuniões da Oficina dos Poetas cada um lia seus poemas. À leitura dos poemas seguia-se sua discussão. Gumilev antes disso exigia "propostas subordinadas", como gostava de expressar, quer dizer, não reclamações nem afirmações gratuitas, nem que uma coisa fosse boa ou má, mas explicações que argumentassem por que era boa ou má. O próprio Gumilev em geral falava no começo, falava largamente, e sua análise era detalhada.
Todos os poetas da época iam ao bar O Cachorro Vagabundo. Akhmatova dedicou a esse lugar dois poemas: "Todos aqui estamos ébrios, perdidos" e "Sim, eu amava aqueles encontros noturnos"; também aparece em seu "Poema sem herói". Os encontros eram realmente noturnos: chegavam ao Cachorro Vagabundo depois do teatro, depois de alguma festa noturna ou disputa, e partiam quase ao amanhecer.
O Cachorro Vagabundo era freqüentado por visitantes estrangeiros célebres. A esse café vinham todos os poetas de Petersburgo: simbolistas, acmeístas, futuristas, estes últimos todavia divididos em "cubofuturistas", com Maiakovski à frente com sua jaqueta amarela, e Khlebnikov, e os seguidores de Igor Sevirianin. Khlebnikov já então era todo um mistério. Sentava-se em silêncio, inclinando a cabeça, sem perceber ninguém."

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