sábado, 24 de outubro de 2015

Como a Esquerda nos roubou a idéia de beleza


“Ser homem significa buscar uma verdade que satisfaça a mente, uma virtude que sacie a consciência, e uma beleza que toque o coração. Se o homem for privado de uma destas coisas, ele não encontrará a felicidade, nem terá paz.
A mais preciosa, a mais profunda e a mais importante das grandes idéias que a Esquerda nos roubou é a beleza. Não preciso gastar muito tempo na proposição de que a vida sem beleza é um pesadelo: aqueles que já contemplaram a beleza verdadeira - a beleza sublime, mesmo que tenha sido só por alguns momentos - não podem comparar isso com mais nada a não ser os êxtases dos místicos e os arrebatamentos dos santos. A beleza consola os tristes; a beleza traz felicidade e aprofunda o conhecimento; a beleza é como a comida e o vinho, e os homens que vivem rodeados de feiúra ficam atrofiados e famintos em suas almas.
Se a beleza é assim tão importante, por que é que não há qualquer discussão em torno dela? A vitória da Esquerda neste campo foi tão súbita, tão extraordinária e tão completa, que a discussão da beleza tornou-se um silêncio total e desolador. Será que você, caro leitor, chegou alguma vez a ler alguma discussão em torno da beleza, propondo uma teoria da beleza, ou mesmo exaltando a importância central da beleza na alma humana, durante o último ano? E nos últimos 10 anos? Será que alguma vez leu? Esta pode muito bem ser a única dissertação em torno deste tópico que você vai ler nesta década; e no entanto o tópico é de suprema importância. É um assunto de vida ou morte não para o corpo, mas para o espírito.
Não há qualquer discussão em torno da beleza porque, ao convencer o público de que a beleza está nos olhos de quem a contempla, a Esquerda colocou a beleza para além da esfera de discussão. Segundo a Esquerda, a beleza é uma questão de gosto, e um gosto arbitrário, note-se. Não há qualquer discussão em torno do gosto porque dar razões para se preferir coisas de bom gosto a coisas de mau gosto é elitista, desagradável, rude e inapropriado. Ter gosto implica que algumas culturas produzem mais e melhores obras de arte que as outras, e isto levanta a desconfortável possibilidade de que o amor à beleza seja eurocêntrico, ou até racista. Admirar a beleza tornou-se um crime de ódio.
Se a beleza está nos olhos de quem a vê, então não há qualquer diferença entre as belas artes e a mera decoração, não há qualquer diferença entre a Mona Lisa de Leonardo da Vinci e um papel de parede. Obviamente que há uma diferença: nós decoramos uma ferramenta útil para torná-la mais agradável à vista ou ao manuseio - tal como pintar detalhes em um carro e bordar imagens em tecido. A arte popular tem como propósito o entretenimento; ela deve satisfazer o olhar e fazer passar o tempo, mas um episódio de I Love Lucy não é feito com o mesmo propósito que o Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. A arte não deve ser útil; quando você tem nos braços um bebê e olha para ele, e fica olhando para a maravilha e o milagre da nova vida, você não faz isto porque o bebê é útil.
Se a beleza está nos olhos de quem a vê, então não existe esta coisa de educar o gosto. Pode-se sentar e assistir a um programa de entretenimento bem feito - por exemplo, um desenho animado do Rato Mickey - com prazer e satisfação, e nenhum estudo será necessário para preparar uma pessoa para o apreciar e entender. Mas para se sentar e ler o Paraíso Perdido de Milton com prazer, é preciso que a pessoa já tenha familiaridade suficiente com as figuras clássicas e bíblicas às quais alude, e a satisfação de quem lê aumenta quando se conhecem os modelos épicos, Virgílio e Homero, sobre cujos temas Milton constrói variações tão criativas e impressionantes.
Se a beleza está nos olhos de quem a vê, então qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, pode ser declarada bonita unicamente pelo artista. Tal como Deus a criar luz a partir do nada pelo Poder da Sua Palavra, o artista cria beleza não através de gênio ou perícia, mas do seu fiat explícito. É beleza não porque ele criou algo, mas porque ele assim o declarou.
Seguindo esta lógica, um urinol é bonito, uma lâmpada que acende e apaga, uma cabeça de vaca decapitada e coberta de sangue, moscas e larvas, um copo d'água em uma prateleira, um crucifixo mergulhado em urina, uma lata de excremento, ou uma cama por fazer. O argumento dado pela Esquerda é que você não consegue ver a beleza destas coisas devido às suas limitações, à sua alma destreinada, ao seu embotamento. O argumento meramente ignora o fato de que educar os gostos para serem embotados, filisteus e grosseiros é o oposto de educá-los para que sejam sensíveis à beleza.
A esta altura, o leitor pode estar se questionando quem ou o quê na Esquerda alguma vez fez tais declarações absurdas. Sem dúvida que nem todo esquerdista está preocupado com arte, e nem todos que se inclinam para a Esquerda em outros tópicos adotam a visão de arte dominante entre os esquerdistas. Aqueles que a adotam, contudo, dizem exatamente o que eu digo que eles dizem. Se por acaso você nunca ouviu tais disparates sobre pernas de pau, só posso lhe dizer que você não tem prestado muita atenção ao mundo da arte - o que, diga-se de passagem, é algo positivo da sua parte.
Embora se possa achar que estou brincando, não estou. Cada um dos exemplos que mencionei é real.
Fountain (1917) de Marcel Duchamp é um urinol; Work No. 227, The Lights Going On and Off (2000, Vencedor do Prêmio Turner) de Martin Creed é uma lâmpada piscando; A Thousand Years (1990) de Damien Hirst é a cabeça de uma vaca coberta de larvas; An Oak Tree (1973) de Michael Craig-Martinis é um copo d'água numa prateleira; Piss Christ (1987) de Andres Serrano é um crucifixo mergulhado em urina; Artist’s Shit (1961) de Piero Manzoni é uma lata de excremento; My Bed (1998) de Tracey Emin é uma cama por fazer.
Nossa geração é a primeira da história da Cristandade a não possuir, de todo, belas artes. O público deu as costas ao chafurdar neurótico na auto-repugnância que domina as belas artes, e busca saciar seus desejos nas artes populares: se os retratos geram repugnância, pode-se ainda olhar para cartazes de filmes, calendários e capas de revistas. O tema musical de John Williams no filme Star Wars servirá em lugar de Elgar, Wagner ou Holst. Mas todos estes entretenimentos populares servem para entreter, não para arrebatar.
A arte popular satisfaz os apetites e as paixões. Mesmo que algumas satisfaçam apetites e paixões nobres, não é função das obras populares fazerem o que uma verdadeira obra de arte faz, que envolve esquecer os apetites e as paixões. É por esta razão que uma estátua clássica nua não é como a página central da Playboy. Uma é egoísta, visto que a luxúria é egoísta, e usa a outra como instrumento; a outra é altruísta, visto que o amor é altruísta.
Se, a qualquer altura antes da Primeira Guerra Mundial, fosse perguntado a qualquer filósofo ou intelectual qual era o propósito da arte, da poesia, da música, das pinturas, das esculturas, das obras de arquitetura, todos eles, de todas as gerações para trás até Sócrates, diriam que o propósito da arte é buscar a beleza. O próprio Sócrates teria dito que através da beleza, através do amor forte e pelo desejo que é criado no peito humano em presença de algo sublime, somos atraídos para fora de nós, e somos levados, passo a passo, para longe do mundano em direção do divino.
O argumento mais forte contra o ateísmo tão amado pela Esquerda não é aquele que pode ser expresso em palavras, visto que é o argumento da beleza. Se olharmos para um pôr-do-sol revestido em escarlate, qual rei descendo a sua pira empurpurada, ou nos maravilharmos perante o reluzente trovão de uma cascata, se dermos por nós fascinados pela suave complexidade de uma rosa vermelha ou contemplarmos a fria e virgem majestade da estrela da manhã, ou observamos uma catedral ou um jardim murado, ou ouvirmos a "Ode à Alegria" de Schiller, musicada por Beethoven, ou olharmos para o David de Miguel Ângelo, ou ficarmos imersos na canção e esplendor e tristeza nórdica do “Anel dos Nibelungos” de Wagner, ou do “Senhor dos Anéis” de Tolkien, se, de fato, observarmos beleza genuína e por alguns momentos nos esquecermos de nós mesmos, então seremos atraídos para fora de nós rumo a algo maior.
Nesse momento intemporal de arrebatamento sublime, o coração sabe, mesmo que a cabeça não consiga expressar em palavras, que o enfadonho e quotidiano mundo de traição, dor, desapontamento e mágoa não é o único mundo que existe. A beleza aponta para um mundo para além deste mundo, um domínio mais elevado, um país de alegria onde a morte não existe. A beleza aponta para o divino.
A Esquerda odeia este argumento visto que, como não pode ser expresso em palavras, não pode ser refutado com palavras. Este argumento só pode ser refutado com imagens: um urinol, uma cabeça de vaca cortada, uma lata de excremento, uma cama desarrumada. Estas imagens são feias, agressivamente feias, feitas com o propósito de serem humilhantes, feitas para serem absurdas, chocantes, ofensivas, repugnantes e nojentas. Se a visão da estrela da manhã aponta para um mundo para além deste mundo, justo e pleno de música das esferas, então as visões de excremento e lâmpadas piscando, de cabeças cortadas e camas por fazer apontam-nos para um mundo de desespero vociferador, um cemitério profanado, um monte de estrume.
A Esquerda odeia este argumento porque, se a beleza não está só nos olhos de quem a vê, então a beleza nos diz o que é a verdade, uma verdade real, uma verdade que nos chega de um mundo para além do mundo da propaganda mesquinha, um mundo para além da pornografia. A Esquerda odeia este argumento porque, se a beleza não está só nos olhos de quem a vê, então a beleza é para ser servida, e não usada para prazeres egoístas. A beleza humilha o orgulhoso, pois revela que existe um mundo para além dele mesmo e para além dos seus apetites. E a Esquerda odeia isso.
Acham que estou exagerando? Acham que aquilo com que estamos a lidar nada mais é que uma falta de gosto ou uma educada diferença de opinião, e não ódio? Entrem em um museu de arte moderna: olhem para o urinol, para a cabeça de vaca cortada, para a lata de excremento, para a cama suja. Não são expressões de um ou dois indivíduos aberrantes com problemas psicológicos: é o status quo da nossa cultura há quase um século, uma indústria que envolve quantidades infindáveis de dinheiro público e privado. É a liderança da visão artística controlando nossa civilização, e o que os arqueólogos do futuro irão apontar como as imagens espirituais da nossa era.
Por que é que eles gostam de tais imagens? A resposta não é difícil: a desolação da feiúra ajuda a causa esquerdista de uma forma real e bastante sutil.
Imaginem dois homens: um está em uma casa iluminada, alta e com colunas de mármore, adornada com arte luxuosa, esplêndida e com brilhantes imagens em vidro de heróis e santos, lembranças de grandes mágoas e grandes vitórias, tanto do passado quanto prometidas. Um coro polifônico eleva sua voz em uma canção dourada, cantando uma ode à alegria. O outro homem encontra-se em uma pocilga com papel de parede caindo, ou em uma ruína sem teto infestada de ratos, cercada com lúgubres paredes de cimento borrifadas de excremento e com graffiti irregulares, manchada de palavrões e trêmulas luzes neon publicitando locais de strip. Por perto ouve-se uma ensurdecedora música rap, gritando obscenidades. Um burocrata aproxima-se de cada um dos homens e ordena-os que façam rotinas e tarefas rotineiramente humilhantes, tais como urinar em um copo para serem testados quanto à presença de drogas, ou deixar que suas impressões digitais sejam recolhidas, ou sofrer uma busca na cavidade anal, ou entregar suas armas, ou seu dinheiro, ou seu nome. Qual dos dois homens, em princípio, é mais suscetível a não se submeter?
Qual dos dois homens irá automaticamente assumir que a vida humana é sagrada, que os direitos humanos são sacrossantos, e que o Homem foi feito à imagem e semelhança de Deus? O homem rodeado por imagens divinas? Ou o homem rodeado por escarnecedora sujeira?
Dito de outra forma, qual dos dois homens é mais suscetível de cair vítima de uma visão do mundo sombria, sem significado, sem verdade, sem virtude?
O propósito de quase um século de feiúra agressiva nas belas artes é o de gerar repugnância. Não interessa se você se tornará um fã da pavorosa abominação e horror da arte moderna ou se dará as costas em cínico desgosto e buscará a beleza apenas no entretenimento popular. Tanto os fãs da feiúra como os cínicos repelidos por ela perderam sua inocência. Nenhum dos dois ouvirá o argumento da beleza; nenhum dos dois ouvirá a música das esferas."
(John C. Wright, How We've Been Robbed of Beauty by the Left)