quarta-feira, 17 de junho de 2015

Por trás do encontro do Papa com Raúl Castro

“A cordialidade e hospitalidade que o papa Francisco mostrou a Raúl Castro no Vaticano há alguns dias deixou atônitos muitos católicos, e com razão. O ditador foi a Roma para polir sua imagem, e o Pontífice o ajudou.
Durante o encontro, Castro zombou da fé ao brincar que se o Papa se comportasse bem, ele poderia regressar à Igreja católica. Também zombou de todos os refugiados cubanos, vivos ou mortos, ao presentear o Papa com uma peça de arte que mostrava um migrante rezando.
O papa Francisco deu ao ditador uma cópia de sua exortação apostólica de 2013 intitulada A alegria do Evangelho, na qual critica duramente a liberdade econômica. É como pregar aos devotos. Como disse Raúl, "Ele é jesuíta e eu também fui a uma escola jesuíta." É sério.
Sempre é possível que o papa Francisco busque aproximar-se do regime para mudá-lo. Talvez tenha em mente uma versão espiritual do Cavalo de Tróia, que após cruzar as portas do inferno cubano descarregue um exército de anjos.
Com Deus todas as coisas são possíveis, mas suspeito que esta reconciliação com Castro tenha raízes mais mundanas.
O Santo Padre é um filho da Argentina do século XX, definida ideologicamente pelo nacionalismo, pelo socialismo, pelo corporativismo e pelo sentimento antiestadunidense. Não me estranharia descobrir que estas tendências influem em suas opiniões sobre os Estados Unidos e a ilha a 144 quilômetros de suas costas.
Quando a ditadura cubana perdeu seu mecenas soviético no começo da década de 90, quase entrou em colapso. No ano passado, os profundos problemas econômicos voltaram a dar a aparência de que obrigariam uma mudança. À medida que diminuíram os subsídios petrolíferos venezuelanos a La Habana, o podre sistema da ilha ficou à beira do colapso.
Era uma oportunidade para que a Igreja mostrasse solidariedade com o indefeso povo cubano, ou pelo menos tomasse partido. Em vez disso, o Vaticano interveio para ajudar os Castro. Em dezembro nos inteiramos de que o papa Francisco negociou o descongelamento das relações entre Obama e Castro, que, embora seja improvável que gere melhoras nos direitos humanos, já está gerando um renovado interesse em investir com o governo militar.
Alguns católicos trataram de escusar a hostilidade do Papa à liberdade econômica em A alegria do Evangelho argumentando que ele cresceu em uma economia corrupta dirigida pelo Estado e, provavelmente, a confundiu com um sistema capitalista. É um disparate. O estatismo argentino explicitamente denuncia a economia de mercado.
Há outra explicação mais plausível sobre por que o Papa mostra seu desdém em sua exortação por uma "crua e ingênua confiança na bondade dos que possuem poder econômico e no funcionamento sacralizado do atual sistema econômico". Ela se encontra na convicção argentina de superioridade cultural sobre os capitalistas do norte obcecados por dinheiro e sua fé no Estado para protegê-la.
O historiador mexicano Enrique Krauze rastreia sua origem em uma rejeição intelectual aos EUA depois da derrota espanhola na guerra hispano-estadunidense de fins do século XIX. Os exemplos que cita em Redentores, seu livro de 2011, incluem o poeta nicaragüense Rubén Dario e o historiador franco-argentino Paul Groussac, que caracterizaram os estadunidenses como bestas incivilizadas. Ao mesmo tempo, segundo Krauze, o Cone Sul, e a Argentina em particular, importaram a idéia de um "socialismo que luta para melhorar o nível econômico, cultural e educativo dos pobres, enquanto gera um estado nacionalista".
Em 1900, o uruguaio José Enrique Rodó publicou Ariel, no qual enfatiza a "superioridade da cultura latina sobre o mero utilitarismo patrocinado" pelo norte. Rodó foi "o primeiro ideólogo do nacionalismo latino-americano", e sua influência se estendeu por toda a região. "O latino-americanismo, especialmente no sul, também foi anti-ianqueísmo", escreve Krauze.
Cuba volta a ser, 115 anos depois, símbolo da luta entre o Norte e o Sul. Muitos intelectuais latino-americanos não gostam da ditadura, mas detestam a riqueza e o poder dos EUA. Sabem que um colapso completo de Cuba provavelmente trará de volta os estadunidenses. É por isso que toleram o status quo.
Só posso especular sobre as opiniões do Santo Padre sobre Cuba, mas se está ganhando uma duvidosa reputação política. Em agosto de 2014 levantou a proibição ao padre Miguel d'Escoto Brockmann, da comunidade Maryknoll, para celebrar missa. O clérigo comunista, que atuou como ministro de Relações Exteriores do sandinismo marxista, foi degradado pelo papa João Paulo II por recusar-se a se afastar da política.
Depois de levantar a proibição, o padre d'Escoto se apressou a denunciar o querido pontífice polaco por "abuso de autoridade". Também declarou Fidel Castro mensajeiro do Espírito Santo na "necessidade de lutar" para estabelecer "o reino de Deus nesta Terra, que é sua alternativa ao império".
Na semana passada, o reverendo Gustavo Gutiérrez, o peruano que lançou a teologia da libertação, regressou ao Vaticano. Disse aos jornalistas que a Igreja nunca condenou seu pensamento e elogiou as idéias do papa Francisco sobre a pobreza. Não mencionou a pronunciada queda da pobreza no Peru desde que as autoridades se desfizeram de suas idéias. Talvez o Papa fale disso durante sua viagem a Cuba em setembro.”
(Mary Anastasia O'Grady, Behind the Pope's Embrace of Castro)