sexta-feira, 26 de junho de 2015

Do mal, o pior


“É certo: o mais grave da recente encíclica não reside na adoção de uma controvertida hipótese científica que nem sequer roça nos conteúdos da fé e da moral cristã, nem no emprego – claramente abusivo – de um instrumento do Magistério para convencer os homens que separem o lixo orgânico do inorgânico ou que evitem desperdiçar eletricidade, nem na cansativa transcrição de páginas inteiras do manual escolar de ciências naturais. Tudo isso não é pouco, e em todo caso assinala o paroxismo de um “estilo” adotado pelos últimos pontífices, que já se distingue decididamente do que antes se conhecia como “carta encíclica”. Esta, que não significou senão a adaptação aos tempos instáveis do que outrora foram as bulas pontifícias, aparece depois do Iluminismo como um instrumento para equipar as consciências cristãs – estendido já o alfabetismo e a pública propaganda de opinião – com uma bagagem com a qual enfrentarem os ataques das “Luzes” e do racionalismo. Temos lido por aí que
as encíclicas do século XIX e do começo do século XX são lúcidas e claras. Seu propósito é expor a doutrina católica e defendê-la dos erros modernos, coisa que cumpriram admiravelmente. Rememorando documentos como a Pascendi, Quas Primas, Casti Connubii e outros, pode-se imediatamente recordar a essência dos mesmos e a força de seus argumentos. Pio XII ensinava que a encíclica era o meio normativo pelo qual o Romano pontífice exercia seu ofício de ensinar. Não se pode dizer o mesmo das modernas encíclicas: quem poderia resumir facilmente de que tratam a Redemptor Hominis ou a Populorum Progressio senão nos termos mais vagos?
Em essência, a encíclica pós-conciliar não sabe o que quer ser à medida que se vai desenvolvendo. Os papas continuaram a utilizá-la como um meio de ensinamento, mas em vez de ensinar em
que consiste a doutrina católica, [as encíclicas] esse tornaram cada vez mais na ocasião para que os papas expliquem por que a doutrina católica é o que é.
Isso não é inteiramente mau:
fides quaerens intellectum, certo? Mas em algum ponto do caminho parece que os papas deixaram perder o aspecto declarativo da encíclica com a esperança sobremaneira otimista de que se pudéssemos somente explicar nossa doutrina ao mundo – simplesmente fazendo-os caminhar através de nossos pensamentos, passo a passo – então talvez o mundo aceitaria a mensagem cristã. Talvez se apenas “propuséssemos” humildemente nossa razão para crer em vez de declarar que “possuímos” a verdade, não nos mostraria o mundo sua reciprocidade, não entraria em um “diálogo frutífero” com o cristianismo de maneira que nos enriqueceríamos mutuamente?
Com quanta razão expunha então Rafael Gambra que “a nebulosa dogmática destes tempos dá lugar a uma comunidade no afazer pelo bem da humanidade, pacífica e feliz, a cuja consecução a Igreja parece dirigir todos seus esforços e prédicas. Prédicas que deixam de ser exposição dos ensinamentos eternos que elevam à contemplação de Deus para se tornarem informações sobre o estado do mundo e chamamentos à ação”. Isso, evidente nos abortos assinados pelas Conferências Episcopais, não deixava de sê-lo – embora com algum decoro proporcional à investidura – nos documentos papais do pós-concílio. Francisco herda esta propensão verborrágica e a leva ao cúmulo – leia-se: ao delírio da embriaguez.
Mas então não: já não é o consabido risco do errar por falar demais, nem o de malbaratar os conteúdos da fé em um impossível diálogo com esse mundo que – testemunha a Escritura - “jaz sob o poder do Maligno”. Não são nem sequer os solecismos e os tropeços argumentativos recorrentes em um pontífice que não nasceu para doutor: o mais grave da ecoencíclica é essa igualação de todas as religiões sugerida pela dupla oração final, uma para uso dos católicos e outra para o resto. Igualação antecipada em pontos como o 62 (“não ignoro que, no campo da política e do pensamento, alguns rejeitam com força a idéia de um Criador ou a consideram irrelevante, até o ponto de relegar ao âmbito do irracional a riqueza que as religiões podem oferecer...”), nos quais fala em defesa de todas as religiões em seu conjunto, como advogado de todas elas. Ou o 217, no qual insta “alguns cristãos comprometidos e orantes” a uma “conversão ecológica” que complementaria as deficiências do Evangelho. Enfim, por toda síntese das bondades que devem ser reconhecidas na doutrina de Jesus, brilha uma citação lapidar: “a espiritualidade cristã promete um modo alternativo de entender a qualidade de vida” (222).
É evidente que a todas essas bobagens nos tem acostumado através de seus sermões diários e das entrevistas que concede para escândalo das consciências católicas. Mas não bastava que um pontífice falasse como superior do Grande Oriente: era mister que – por aquilo de que scripta manent – desse a conhecer sua mensagem por escrito. Assim há de agradar à Autoridade política mundial evocada no ponto 175 (a quem o autor da Laudato sii morre de vontade de secundar como xamã), que sem dúvida prefere ver ratificado no papel, convalidado pela imprensa vaticana, aquele velho projeto da fusão de todas as crenças.”

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