segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ansiedade sedevacantista

“As palavras e atos do Papa Francisco desde sua eleição no início do ano passado são tão pouco católicas e tão ultrajantes, que a idéia de que os papas recentes não são verdadeiramente Papas (“sedevacantismo”) vem sendo reavivada. Notem que o Papa Francisco simplesmente expressa a loucura do Vaticano II mais ostensivamente do que seus cinco predecessores. Permanece a questão de se os seis Papas conciliares (com a possível exceção de João Paulo I) são realmente Vigários de Cristo ou não. A questão, porém, não é de primordial importância. Se eles não são Papas, a moral e a Fé católicas pelas quais eu devo “trabalhar por minha salvação com temor e tremor” (Fl 2, 12) seguem sem mudar um jota. E se eles são Papas, disto se segue que eu não posso obedecê-los enquanto estiverem afastados dessa fé e dessa moral, pois “nós devemos obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5, 29). No entanto, eu acho por bem responder a alguns argumentos dos sedevacantistas, pois há entre eles quem queira fazer da vacância na Sé de Roma um dogma no qual os católicos devem acreditar. Em minha opinião, não existe tal coisa. “Nas coisas duvidosas, a liberdade” (Agostinho).
Eu acho que a chave do problema de o sedevacantismo ser simplesmente uma expressão é que o Vaticano II foi um desastre sem precedentes em toda a história da Igreja de Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, a conclusão lógica de um longo processo de decadência do clero católico que remonta ao final da Idade Média. Por um lado, a natureza divina da Igreja Católica e os princípios que governam quaisquer de suas crises, incluindo a conciliar, não podem mudar. Por outro lado, a aplicação desses princípios deve levar em consideração as circunstâncias humanas em constante mudança nas quais esses princípios operam. O atual grau de corrupção humana não tem precedente.
Pois bem, dois dos princípios imutáveis são aqueles em que, por um lado, a Igreja é indefectível, pois Nosso Senhor prometeu que os portões do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16, 18); e por outro lado, Nosso Senhor também perguntou se Ele encontrará fé na Terra em Sua Segunda Vinda (Lc 18, 8) – uma importante citação, porque claramente sugere que a Igreja estará quase que completamente deserta no fim do mundo, exatamente como ela parece estar quase completamente deserta em 2014. Pois, de fato, se nós não estamos hoje vivendo o fim do mundo, estamos certamente vivendo o ensaio geral para o fim do mundo, como Nossa Senhora de La Salete, o venerável Holzhauser e o Cardeal Billot sugeriram.
Assim, hoje, como no fim do mundo, a deserção pode ir muito longe. Porém ela não pode ir para além do poder de Deus Todo Poderoso, que garante que a Igreja nunca desaparecerá ou falhará completamente, mas pode ir tão longe quanto Deus permitir. Em outras palavras, nada precisa impedir que Sua Igreja seja destruída quase por completo. E até onde vai esse “quase por completo”? Só Deus sabe, e só o tempo poderá dizer, porque nenhum de nós homens está na mente de Deus, e apenas os fatos podem nos revelar, depois do evento, o conteúdo da mente divina. Mas Deus revela parcialmente Sua mente nas Escrituras.
Agora, quanto ao fim do mundo, muitos intérpretes do Capítulo 13, 11-17 do Apocalipse pensam que a segunda besta, que é como um cordeiro e serve ao Anticristo, representa as autoridades da Igreja, porque se essas autoridades resistissem ao Anticristo, ele nunca poderia prevalecer como as Escrituras dizem que irá. Seria então algo muito extraordinário se no ensaio geral para o fim do mundo os Vigários de Cristo falassem e se comportassem como inimigos de Cristo? Com base nesse quadro necessário, os Comentários da semana que vem proporão respostas a alguns dos principais argumentos dos sedevacantistas.
***
1. Ou se aceita todos os Papas Conciliares (como os liberais – Deus nos livre!), ou se recusa todos eles (como os sedevacantistas). Aceitá-los parte sim e parte não, é selecionar e escolher o que se deve ou não aceitar, como fez Lutero e como fazem todos os hereges (em grego, “escolhedores”).
Isso é certo se alguém seleciona e escolhe segundo a sua própria escolha pessoal, mas não é verdade se, como Monsenhor Lefebvre, se julga segundo a Tradição Católica, que pode ser encontrada no tesouro de 2000 anos de documentos magisteriais da Igreja. Nesse caso se está julgando com 260 Papas contra apenas seis, mas isto não prova a invalidade desses seis.
2. Mas os Papas conciliares têm envenenado a Fé e posto em perigo a salvação eterna de milhões e milhões de católicos. Isso é contrário à indefectibilidade da Igreja.
Na crise Ariana do século IV, o Papa Libério pôs a Fé em perigo ao condenar Santo Atanásio e apoiar os bispos arianos no Oriente. Durante algum tempo, a indefectibilidade da Igreja esteve assegurada não pelo Papa, mas por seu aparente adversário. Mas isso não quer dizer que Libério não foi Papa, nem que Atanásio o foi. De modo similar, a indefectibilidade da Igreja encontra-se atualmente nos fiéis seguidores da linha assumida por Monsenhor Lefebvre, mas isso não significa dizer que Paulo VI não foi Papa.
3. O que os bispos do mundo ensinam, em união com o Papa, é o Magistério Ordinário Universal da Igreja, que é infalível. Mas nos últimos 50 anos os bispos do mundo em união com os Papas conciliares vêm ensinando os absurdos conciliares. Portanto, esses Papas não são verdadeiros Papas.
Se o Magistério Ordinário da Igreja estivesse afastado da Tradição, ele não seria mais considerado “Ordinário”, mas do tipo mais extraordinário, pois a doutrina da Igreja não admite novidades, já que o “Universal” é tanto no tempo como no espaço. Ora, a doutrina conciliar se distancia da Tradição (por exemplo: liberdade religiosa e ecumenismo). Por isso a doutrina própria do Concílio não está sob o Magistério Ordinário Universal, e não pode servir para provar que os Papas conciliares não são Papas.
4. O Modernismo é “a síntese de todas as heresias” (São Pio X), e os Papas conciliares são todos modernistas “públicos e manifestos”, ou seja, hereges do tipo tal como os que São Roberto Belarmino declarou que não podem ser membros da Igreja, e muito menos seu chefe.
Vejam os “Comentários” da semana passada. As coisas eram muito mais claras – eram “públicas e manifestas” – na época de São Belarmino, do que elas são nos dias de hoje em meio à tamanha confusão de mentes e corações. A heresia objetiva dos Papas conciliares (ou seja, o que eles dizem) é pública e manifesta, mas não o é a sua heresia subjetiva ou formal (ou seja, sua intenção consciente e resoluta de negar o que reconhecem como dogma católico imutável). E provar sua heresia formal é algo que pode ser feito apenas por meio de uma confrontação com a autoridade doutrinal da Igreja, como, por exemplo, a Inquisição ou o Santo Ofício – chamem do que quiserem (“não importa que nome se dê a uma rosa, seu odor é sempre doce”, diz Shakespeare). Mas o Papa é a maior autoridade doutrinal, que está acima e por trás da atual Congregação para a Doutrina da Fé; como então pode ser provado que ele mesmo seja esse tipo de herege que é incapaz de ser chefe da Igreja?
5. Mas nesse caso, a Igreja está em um beco sem saída!
Novamente, vejam os “Comentários” da semana passada. As mentes dos homens estão hoje tão universalmente confusas que de tal situação só Deus pode livrá-las. De qualquer modo, essa objeção parece estar muito mais próxima de provar que Ele deve intervir (e logo!) do que provar que os confusos Papas não são Papas. Deus está nos pondo à prova, como Ele tem todo direito de fazer.”
(Mons. Richard Williamson, F.S.S.P.X, Sedevacantist Anxiety)

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