segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Padre Jean de Morgon: A Resistência é uma questão de princípios

“São Paulo nos disse, na Epístola aos Gálatas, que Se alguém pregar um evangelho diferente do que haveis recebido, seja anátema. Portanto, não é possível estar em paz com alguém que tem outra doutrina, outro Evangelho. Permitam-me então partir desta palavra de Deus para tratar de aplicá-la à situação atual, de hoje.
Devemos ter a preocupação de pregar a palavra de Deus, a Verdade, e aplicá-la ao tempo presente. Creio que vocês estejam a par dos acontecimentos que abalam o mundo da Tradição. Se não estão, comunico-lhes rapidamente. Alguns sacerdotes deixaram a Fraternidade e também comunidades amigas, as quais tomaram distância das autoridades da Fraternidade.
Tenho a permissão de meu superior de pregar hoje sobre este tema, de explicar-lhes por que esta divisão. É muito importante compreender, pois esta divisão visível, sensível, é resultado de uma divisão muito mais profunda, mais grave, sobre a qual quero falar. É uma divisão dos princípios. É muito importante compreendê-lo, não é uma divisão de pessoas, é uma questão de princípios.
À saída da Missa, vocês encontrarão cópias de um texto que escrevi há algum tempo. Não está assinado, mas fui eu quem o redigiu e assumo a responsabilidade.
Na primeira parte quero demonstrar que nós devemos ser pessoas de princípios. Na segunda parte, quero demonstrar-lhes que se depois de cinqüenta anos nós estamos na Resistência, no combate pela Fé e a Tradição, é porque somos homens de princípios; e em terceiro lugar quero aplicar isto ao que ocorre atualmente; há um problema de princípios na Tradição.
Primeiro ponto: Devemos ser pessoas de princípios.
Baseamo-nos nos ensinamentos do Papa Pio IX, em 1871 disse aos franceses que, desde a Revolução, já não têm a bênção de Deus pois alteraram os princípios. Depois São Pio X em sua encíclica Pascendi que disse que quando se alteram os princípios por menos que seja, as conseqüências são enormes. Depois o Papa Pio XII, recebendo os franceses, disse-lhes que a França não se levantará até que os católicos sejam homens de princípios, homens de doutrina, homens com formação.
Depois citarei o grande Cardeal Pie, que fez um sermão para explicar a seus diocesanos que a Igreja sempre foi intransigente com os princípios, e tolerante na prática com as pessoas. E o mundo, os liberais, são totalmente o contrário: São tolerantes com os princípios e intolerantes na prática. Isto é o que explica o Cardeal Pie.
E Monsenhor Freppel diz que quando abandonamos os princípios, é a ruína. Eles também nos dizem que todas as revoluções não se fazem pelas pessoas, mas que são batalhas pelos princípios.
Portanto, devemos ser homens de princípios, os Papas dizem, a Igreja diz. Se somos homens de interesse, se colocamos os princípios embaixo de nós, de nossos interesses, então vamos à catástrofe, não estamos fazendo a vontade de Deus.
Os princípios não são obrigatoriamente dogmas de fé. Mas se não os respeitamos, há graves conseqüências. Na França e na Inglaterra há um princípio para conduzir em um mesmo sentido pela rua. Embora na Inglaterra conduzam pela esquerda e nós, pela direita. Mas o princípio é o mesmo. E se não queremos respeitar esse princípio, vamos à catástrofe. Assim são os princípios, não necessariamente são dogmas de fé, mas é um princípio que se não respeitamos, vamos à catástrofe, ao acidente.
Segundo ponto: Quero demonstrar que na Tradição, na Resistência que levamos a cabo apesar de nós, resistência ao Papa, aos bispos, é porque é uma questão de princípios. Não estamos contra o Papa, não estamos contra os bispos, pelo contrário, estamos contra seus falsos princípios. Sim. E dou-lhes um exemplo para compreender rapidamente: O Concílio Vaticano I impôs um princípio: Tudo aqui embaixo está ordenado para a glória de Deus. Princípio que é dogmático, está na Sagrada Escritura. O Vaticano I não inventou nada declarando isto. O Vaticano I só recorda o princípio de que tudo aqui embaixo está ordenado e foi criado para a glória de Deus. Mas o Vaticano II colocou outro princípio: Tudo aqui embaixo está ordenado para o homem. Impuseram outro princípio. E Monsenhor Lefebvre, o Padre Calmel, e outros, não aceitaram este novo princípio. Queridos fiéis, dirijo-me aos mais antigos na Tradição dentre vocês, vocês não aceitaram o novo princípio tampouco, pois a nova religião que ordena tudo ao homem ocasionou que vocês se surpreendessem quando, chegando à sua igreja, já não viram o Sacrifício da Missa, e seu sentido católico, inclusive sem conhecer o princípio, fez com que não quisessem voltar à nova missa. Foi graças a estes pioneiros na Tradição que estamos no bom combate pela Fé; se não fosse por Monsenhor Lefebvre e tantos outros, não estaríamos aqui. E eles foram homens de princípios, que não quiseram transigir. Vocês devem saber que Monsenhor Lefebvre não quis nenhuma vez em sua vida celebrar a nova missa. Foi pressionado por alguns, mas Monsenhor era um homem de princípios e se essa missa é má, ele sempre disse: “Não, eu não a vou celebrar!”, nem uma só vez o fez. Se Monsenhor Lefebvre tivesse sido um homem de interesse, teria dito: podemos resolver as coisas, estas pessoas são muito amáveis, elas me darão uma capela, vamos poder resolver as coisas. Outro exemplo: quando o rei da Inglaterra quis se divorciar, o Papa lhe disse que não, não podia se divorciar. O Papa teria podido dizer que sim, é um rei católico, a Inglaterra continuará sendo católica etc. Mas não, não era possível, e como resultado o rei se separou da Igreja e deu-se o cisma. Mas é uma questão de princípios, não podemos fazer um mal para conseguir um bem, disse São Paulo. Não podemos deixar de lado um princípio querido por Deus por um interesse passageiro ou particular contra o bem comum.
Podemos citar muitos outros exemplos. Agora resumo o segundo ponto: Os antigos foram fiéis aos princípios e graças a eles estamos aqui, lutando o bom combate.
Terceiro ponto: Sua aplicação na atualidade.
Onde se situa o problema? Onde se situa a divisão? Não é uma questão de sacerdotes ou de comunidades religiosas amigas. A divisão está nos espíritos em nosso mundo da Tradição. Nos priorados, nos conventos, está nos espíritos, os quais professam um princípio que mantiveram por muitos anos, que Monsenhor Lefebvre nos legou, e agora este princípio já não está mais, e este é o problema. Agora, qual é este princípio? É o princípio de que não podemos firmar um acordo prático com as autoridades romanas se antes não estamos de acordo sobre a doutrina, se não professamos a mesma Verdade. E este é um princípio católico. Vejam as cópias que coloquei à sua disposição, leiam-nas, ali demonstro que é um princípio católico fundado na Sagrada Escritura, nos Padres da Igreja, fundado também na prática da Igreja, a qual é a atitude do Papa diante, por exemplo, dos ortodoxos que, depois do grande cisma, discutiram com Roma para voltarem a se reunir com um acordo prático, mas a Igreja sempre insistiu na questão da doutrina. Sempre. O Primado do Papa e o Filioque. E os acordos que houve com alguns ortodoxos gregos ou russos, eles se tornaram católicos, Roma nunca transigiu com a doutrina. Nunca. Roma sempre foi muito firme na doutrina. Primeiro a doutrina e depois as questões práticas, a questão litúrgica, por exemplo. Mas na Fé não se transige. A Igreja é de fato intolerante com a doutrina, é a Fé, ela não nos pertence, é um depósito que recebemos e não temos direito de tocá-lo. Nem sequer o Papa.
Então, nosso problema atual. Durante anos, e até as consagrações episcopais, Monsenhor Lefebvre buscou as discussões com Roma. Desde 1975, depois da condenação injusta – e nula – de Roma à FSSPX, até 1988, Monsenhor Lefebvre era chamado a Roma e discutia – sobre doutrina. Depois quis um acordo prático cuja assinatura retirou no dia seguinte. Então por isso se pode citar Monsenhor no sentido de ir a Roma, de fazer a experiência da Tradição etc. Mas deu-se conta – inclusive o disse – que havia ido demasiadamente longe com o Protocolo de acordo de 1988, foi muito longe pois transigiu na doutrina, colocou a prática primeiro, ele reconheceu. E depois afirmou que se fosse ter novos colóquios com Roma, era ele quem colocaria as condições (Fideliter 66). Portanto, a posição de Monsenhor Lefebvre desde as consagrações até sua morte é que por princípio diria a Roma se concordava com as encíclicas dos Papas. Dir-lhes-ia: “Está de acordo com esta encíclica? Quanta Cura, Mortalium Animos, etc. etc. etc. Está de acordo com as encíclicas de seus predecessores? E a segunda condição que é muito importante: Está de acordo com reformar o Vaticano II com base nestas encíclicas? Porque o Vaticano II diz o contrário de Mortalium Animos, por exemplo. Está de acordo não somente com a doutrina de seus predecessores, mas também mudar ou fazer retornar o Vaticano II sobre esses pontos principais? Eu não invento nada, está em Fideliter 66. E outras declarações de Monsenhor Lefebvre, por exemplo em Flavigny: Não podemos nos entender até que tenham recoroado Nosso Senhor, que afirmem que Ele deve reinar na sociedade.
Retenhamos então, queridos irmãos, que Monsenhor Lefebvre – depois das consagrações – até sua morte se manteve firmemente neste princípio: Eu colocaria minhas condições – a doutrina. Os ensinamentos dos papas: estão de acordo ou não? Se não estão, inútil dialogar. Isto está escrito em Fideliter 66. Inútil discutir. Inútil! Se não estamos de acordo sobre a doutrina, inútil falar da questão prática. Isto é o que Monsenhor Lefebvre nos legou. E nosso mundo da Tradição sempre esteve perfeitamente unido enquanto este princípio se manteve.
Nas cópias que lhes ofereço se encontram as declarações dos cinco bispos que defendem este princípio. Claramente, Monsenhor Fellay em uma carta aos amigos e benfeitores, em outubro de 2008, afirma este princípio na ordem da natureza: “Mas há uma ordem da natureza, e inverter as coisas nos colocaria inevitavelmente em uma situação insuportável; temos a prova disso todos os dias. O que está em jogo é nada mais nada menos que nossa existência futura.”
Desgraçadamente, depois de algum tempo, depois de terminar com as discussões romanas, vemos, constatamos como pouco a pouco as autoridades da Fraternidade abandonaram este princípio. Digo-o sem zelo amargo, digo-o pacificamente, estou disposto a assumir as conseqüências do que digo, e não podem discutir comigo pois isto é público. Primeiro começou Monsenhor Fellay pouco a pouco. No Canadá colocou como exemplo os ortodoxos, que fizeram acordos sobre a questão do matrimônio etc. Então para Monsenhor Fellay há exceções aos princípios e pode-se transigir. Mas o assunto do matrimônio dos ortodoxos não é questão de fé, é questão de disciplina, completamente diferente. E Monsenhor de Galarreta, nessa conferência que deu em 13 de outubro de 2012 em Villepreux. Ele disse que era uma questão prática, que todos deveriam estar juntos e que podemos sim contribuir com algo, continuaremos o bom combate no interior, como uma ponta de lança no interior, combateremos do interior. E Monsenhor Tissier em uma conferência recente em Toulon disse que Monsenhor Lefebvre sempre buscou um acordo prático. Eu lhe escrevi dizendo-lhe que é certo que antes das consagrações, há citações de Monsenhor Lefebvre neste sentido, mas depois das consagrações deixou bem claro o princípio que se encontra em Fideliter 66: Serei eu quem colocará as condições, etc. Em setembro de 2013, me respondeu, tenho a carta, e me disse: Monsenhor Lefebvre não era perfeito.
Eu não estou contra ninguém. Não estou contra Monsenhor Fellay, nem contra Monsenhor de Galarreta ou Tissier, são bispos, eles me ordenaram sacerdote, mas o que eu digo são coisas públicas, estão publicadas, o do Canadá, de Villepreux, de Toulon, é público. O que quero é que vocês compreendam o problema que há neste momento. Há uma divisão nos espíritos. Este princípio, que se manteve durante muitos anos, agora foi abandonado. Em 2006, a Fraternidade fez um Capítulo geral onde reafirmou solenemente este princípio. E em 2012, o abandonou. Colocou suas condições nas quais se contempla o acordo prático. E Monsenhor Fellay escreveu a Bento XVI em 16 de junho de 2012 onde deixa de lado os problemas doutrinais que não se resolveram, façamos um acordo prático e depois veremos os problemas doutrinais. E Monsenhor Fellay disse a Bento XVI que tinha a intenção de continuar neste caminho. No 2 de julho seguinte há uma reunião de superiores de religiosos em Paris com Monsenhor Fellay e Monsenhor de Galarreta e os padres dominicanos perguntaram a Monsenhor Fellay: Monsenhor, não pode retornar ao princípio do capítulo de 2006? E respondeu: Não, não. Isso já é passado. Quatro anos antes havia dito que era da ordem da natureza, para a qual não há exceção possível.
Este é então, estimados irmãos, o problema atual. Quis que o compreendessem, não procurei tomar partido nem atacar as pessoas, dei nomes, mas são coisas públicas. Peço que meditem sobre estas coisas para que cada um de nós, em consciência, veja qual é a vontade de Deus neste assunto. Isto é o mais importante: Qual é a vontade de Deus neste assunto.
Estamos em uma guerra de princípios, e o mais importante, o primordial é que se dêem conta que todas as revoluções se fizeram sobre os princípios.
Então os sacerdotes estamos diante de um grave problema de consciência, como disse Monsenhor de Galarreta no Capítulo de Albano em 2011: se abandonarmos este princípio, haverá um grande problema de consciência para os sacerdotes. Ele avisou. Desgraçadamente o que vemos hoje, esta separação dos sacerdotes, é porque estes sacerdotes têm um grave problema de consciência e não são os únicos. Que devo fazer neste momento?
Convido-os a rezarem muito, para que sejamos fiéis a este princípio, o qual estou convencido que vem da vontade de Deus, nesta crise da Igreja quanto a nossas relações com Roma.
A condenação do livro do Padre Pivert é porque ele defende o antigo princípio. Não há que buscar outras causas, é porque defende o princípio que tivemos durante 25 anos e que agora foi abandonado.
Estimados fiéis, espero ter falado em conformidade com Deus. Espero não ter causado nenhuma inquietação em nenhuma alma, ao contrário, deve haver paz. Se estamos convencidos da vontade de Deus, só podemos estar em paz. Inclusive se estamos nas piores situações. Pensemos na Santíssima Virgem ao pé da Cruz, Stabat Mater. Ela não entrou em pânico, estava tranqüila apesar da tortura de seu Filho, seu Coração de Mãe Imaculada, que terá sentido? Ela estava em paz. Não soframos com esta situação na Tradição. Peçamos à Santíssima Virgem estar como Ela ao pé da Cruz, tranqüilos e fazendo a vontade de Deus. Ela esteve tranqüila na Cruz pois sabia que essa era a vontade de Deus. E isso foi suficiente para que Ela estivesse em paz. Peçamos essa graça a Nossa Senhora.”

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