sábado, 29 de dezembro de 2012

O papel dos judeus na revolução bolchevique e no início do regime soviético da Rússia (II)

“Em seu livro de 1920, o veterano jornalista Robert Wilton faz uma avaliação igualmente dura:
Toda a história do Bolchevismo na Rússia está indelevelmente marcada com o selo da invasão estrangeira. O assassinato do Czar, deliberadamente planejado pelo judeu Sverdlov (que veio à Rússia como um agente pago da Alemanha) e executado pelos judeus Goloshchekin, Syromolotov, Safarov, Voikov e Yurovsky, é um ato não do povo russo, mas desse invasor hostil.
Na luta pelo poder que se seguiu à morte de Lênin em 1924, Stalin surgiu vitorioso sobre seus rivais, conseguindo depois condenar à morte quase todos os mais destacados e antigos líderes bolcheviques – inclusive Trotsky, Zinoviev, Radek e Kamenev. Com o passar do tempo, e particularmente depois de 1928, o papel dos judeus na liderança máxima do estado soviético e do partido comunista diminuiu acentuadamente.
Condenado à morte sem julgamento
Poucos meses depois de tomarem o poder, os líderes bolcheviques consideraram trazer “Nicolau Romanov” diante de um “Tribunal Revolucionário” que tornaria públicos seus “crimes contra o povo” antes de sentenciá-lo à morte. Existia precedente histórico para isso. Dois monarcas europeus tinham perdido suas vidas como conseqüência de insurreição revolucionária: Carlos I da Inglaterra foi decapitado em 1649, e Luís XVI da França foi guilhotinado em 1793. Nesses casos, o rei foi condenado à morte após um longo julgamento público, durante o qual foi-lhe permitido apresentar argumentos em defesa própria. Nicolau II, contudo, nem foi acusado, nem julgado. Ele foi secretamente condenado à morte – junto com sua família e criadagem – na calada da noite, em um ato que se parece mais com um massacre feito por bandidos do que uma execução formal.
Por que Lênin e Sverdlov abandonaram seus planos de um julgamento-espetáculo do ex-Czar? Na opinião de Wilton, Nicolau e sua família foram assassinados porque os chefes bolcheviques sabiam muito bem que lhes faltava genuíno apoio popular, e com razão temiam que o povo russo jamais aprovaria o assassinato do Czar, mesmo com pretextos e fomalidades legalistas.
Por sua vez, Trotsky defendeu o massacre como uma medida útil e até necessária. Ele escreveu:
A decisão [de matar a família imperial] foi não só conveniente, como necessária. A severidade dessa punição mostrou a todos que nós continuaríamos a lutar sem misericórdia, sem nos determos em nada. A execução da família do Czar foi necessária não apenas para abalar nossas próprias fileiras, mas para mostrar que não havia retorno, que à frente se encontrava ou a vitória total ou a total ruína. Isso Lênin percebeu muito bem.
Contexto histórico
Nos anos anteriores à revolução de 1917, os judeus encontravam-se desproporcionalmente representados em todos os partidos subversivos de esquerda da Rússia. O ódio dos judeus ao regime czarista tinha base em condições objetivas. Entre as principais potências européias da época, a Rússia imperial era a mais institucionalmente conservadora e anti-semita. Por exemplo, aos judeus normalmente não se permitia residir fora de uma grande área no oeste do Império conhecida como “Fronteira de Colonização”.
Por mais compreensível, e talvez até defensável, que possa ter sido a hostilidade dos judeus ao regime imperial, o notável papel dos judeus no muito mais despótico regime soviético é menos fácil de justificar. Em livro recentemente publicado sobre os judeus na Rússia durante o século XX, Sonya Margolina, uma escritora judia nascida na Rússia, chega mesmo a chamar o papel dos judeus que apoiaram o regime bolchevique de “pecado histórico dos judeus”. Ela chama a atenção, por exemplo, para o papel proeminente dos judeus como comandantes dos campos de trabalho e concentração do Gulag soviético, e o papel dos judeus comunistas na sistemática destruição das igrejas russas. Além disso, ela continua, “os judeus do mundo inteiro apoiavam o poder soviético e permaneciam em silêncio diante de qualquer crítica da oposição.” À luz desses fatos, Margolina apresenta uma previsão sombria:
A participação exageradamente entusiasta dos judeus bolcheviques na subjugação e destruição da Rússia é um pecado que será vingado. O poder soviético será considerado poder judeu e o ódio furioso aos bolcheviques se transformará em ódio aos judeus.
Se o passado serve de exemplo, é improvável que muitos russos irão buscar a vingança que Margolina profetiza. Seja como for, culpar “os judeus” pelos horrores do Comunismo não parece ser mais justificável do que culpar “os brancos” pela escravidão negra, ou “os alemães” pela Segunda Guerra Mundial e o “Holocausto”.
Palavras de sombrio presságio
Nicolau e sua família são apenas as mais conhecidas das inúmeras vítimas de um regime que abertamente proclamava seu propósito implacável. Poucas semanas após o massacre de Ekaterinburg, o jornal do incipiente Exército Vermelho declarava:
Sem misericórdia, sem poupar ninguém, nós mataremos todos os nossos inimigos às centenas, aos milhares; que eles se afoguem em seu próprio sangue. Pelo sangue de Lênin e Uritsky haja dilúvios do sangue da burguesia – mais sangue, tanto quanto possível.
Grigori Zinoviev, falando em um encontro de comunistas em setembro de 1918, efetivamente pronunciou a sentença de morte de dez milhões de seres humanos: “Devemos levar conosco 90 milhões dos 100 milhões de habitantes da Rússia soviética. Quanto aos demais, nada temos a lhes dizer. Eles devem ser aniquilados.”
'Os vinte milhões'
O pesado tributo soviético, cobrado em vidas humanas e sofrimentos, acabou sendo muito maior do que o previsto pela retórica assassina de Zinoviev. Raramente, ou jamais, um regime exterminou as vidas de tantas pessoas de seu próprio povo.
Citando documentos recentemente disponíveis dos arquivos da KGB soviética, o historiador Dmitri Volkogonov, chefe de uma comissão parlamentar especial do parlamento russo, recentemente concluiu que “de 1929 a 1952, 21,5 milhões de soviéticos foram reprimidos. Um terço deles foi fuzilado, os demais foram condenados à prisão, onde muitos também morreram.”
Olga Shatunovskaya, membro da Comissão Soviética de Controle do Partido, e chefe de uma comissão especial durante os anos 60 nomeada pelo premier Khrushchev, chegou a conclusões semelhantes: “De 1º de janeiro de 1935 a 22 de junho de 1941, 19.840.000 inimigos do povo foram presos. Desses, sete milhões foram fuzilados na prisão, e a maioria dos demais morreram nos campos.” Esses números também se encontram nos papéis do membro do Politburo Anastas Mikoyan.
Robert Conquest, um famoso especialista em história soviética, resumiu recentemente os dados sombrios da “repressão” soviética de seu próprio povo:
É difícil fugir da conclusão de que o número de mortes pós-1934 esteve bem acima dos dez milhões. Devem ser ainda somadas as vítimas da fome de 1930-1933, as deportações dos kulaks e outras campanhas anticamponesas, totalizando outros dez milhões. Desta forma, o total é da ordem do que os russos chamam hoje de 'Os Vinte Milhões'.
Outros especialistas deram estimativas ainda maiores.
A era czarista em retrospecto
Com o colapso dramático do governo soviético, muitos russos estão lançando um olhar novo e mais respeitoso à história pré-comunista de seu país, inclusive à era do último imperador Romanov. Embora os sovietes – junto com muitos no Ocidente – tenham-na retratado de forma estereotipada como uma época de despotismo arbitrário, opressão cruel e pobreza em massa, a realidade é, de certo modo, diferente. Embora seja verdade que o poder do Czar era absoluto, que apenas uma pequena minoria tinha alguma voz política significativa e que a massa dos cidadãos do império era de camponeses, é digno de nota que os russos durante o reinado de Nicolau II tinham liberdade de imprensa, religião, reunião e associação, proteção da propriedade privada, e sindicatos livres. Inimigos jurados do regime, como Lênin, eram tratados com notável leniência.
Nas décadas anteriores à deflagração da Primeira Guerra Mundial, a economia russa estava prosperando. De fato, entre 1890 e 1913, era a economia de mais rápido crescimento no mundo. Novas linhas de trem eram abertas a um ritmo anual duas vezes maior que nos anos soviéticos. Entre 1900 e 1913, a produção de ferro aumentou 58%, enquanto a produção de carvão mais do que dobrou. Os grãos exportados da Rússia alimentavam toda a Europa. Por fim, as últimas décadas da Rússia czarista testemunharam um magnífico florescimento da vida cultural.
Tudo mudou com a Primeira Guerra Mundial, uma catástrofe não apenas para a Rússia, mas para todo o Ocidente.
Sentimento monárquico
Apesar (ou talvez por causa) da implacável campanha oficial durante a era soviética para erradicar toda memória acrítica dos Romanov e da Rússia imperial, um verdadeiro culto de veneração popular por Nicolau II varreu a Rússia nos últimos anos.
As pessoas têm gastado avidamente o salário de muitas horas trabalhadas para comprar retratos de Nicolau dos vendedores de rua em Moscou, São Petersburgo e outras cidades russas. Seu retrato agora pende de inúmeros lares e apartamentos russos. No final de 1990, todas as 200.000 cópias da primeira edição de um panfleto de 30 páginas sobre os Romanov esgotaram-se rapidamente. Disse um vendedor de rua: “Eu pessoalmente vendi quatro mil cópias num piscar de olhos. É como uma explosão nuclear. As pessoas realmente querem saber sobre o Czar e sua família.” Organizações monárquicas e pró-czaristas de base têm brotado em muitas cidades do país.
Uma pesquisa de opinião pública conduzida em 1990 descobriu que três dentre quatro cidadãos soviéticos consideravam o assassinato do Czar e sua família como um crime imperdoável. Muitos fiéis da Igreja Ortodoxa Russa consideram Nicolau um mártir. A independente “Igreja Ortodoxa no Exterior” canonizou a família imperial em 1991, e a Igreja Ortodoxa Russa de Moscou está sendo pressionada a seguir o mesmo caminho, apesar de sua relutância tradicional em tocar nesse tabu oficial. O Arcebispo Ortodoxo Russo de Ekaterinburg anunciou em 1990 que havia planos de se construir uma grande igreja no local dos assassinatos. “O povo amava o Imperador Nicolau”, disse. “Sua memória vive com o povo, não como um santo, mas como alguém executado sem veredito de tribunal, injustamente, como um sofredor por sua fé e pela ortodoxia.”
No 75º aniversário do massacre (em julho de 1993), os russos lembraram sua vida, morte e legado como seu último imperador. Em Ekaterinburg, onde uma enorme cruz branca engrinaldada de flores marca o local onde a família foi morta, pessoas em luto choravam, enquanto hinos eram cantados e preces recitadas para as vítimas.
Refletindo tanto o sentimento do povo como as novas realidades sócio-políticas, a bandeira tricolor branca, azul e vermelha da Rússia czarista foi oficialmente adotada em 1991, substituindo a bandeira vermelha soviética. E em 1993, a águia imperial de duas cabeças voltou a ser o emblema oficial da nação, substituindo a foice e o martelo soviéticos. Cidades que haviam sido renomeadas para honrar figuras comunistas – tais como Leningrado, Kuibyshev, Frunze, Kalinin e Gorky – readquiriram seus nomes da época czarista. Ekaterinburg, que havia sido nomeada como Sverdlovsk pelos soviéticos em 1924 para homenagear o chefe soviético judeu, em 1991 voltou a ter seu nome pré-comunista, que homenageia a Imperatriz Catarina I.
Significado simbólico
Considerando os milhões que seriam condenados à morte pelos líderes soviéticos nos anos seguintes, o assassinato da família Romanov poderia não parecer de extraordinária importância. E, no entanto, o evento tem um profundo significado simbólico. Nas pertinentes palavras de Richard Pipes, historiador da Universidade de Harvard:
A maneira como o massacre foi preparado e executado, de início negado e depois justificado, revela em si algo de extremamente odioso, algo que o distingue radicalmente dos regicídios passados e o identifica como um prelúdio para os assassinatos em massa do século XX.
Outro historiador, Ivor Benson, caracterizou o assassinato da família Romanov como símbolo do trágico destino da Rússia e, com efeito, do Ocidente inteiro, neste século de inauditos agonia e conflito.
O assassinato do Czar e sua família ainda é mais deplorável porque, quaisquer que tenham sido suas deficiências como monarca, Nicolau II foi, sob todos os aspectos, um homem pessoalmente generoso, decente, humano e honrado.
O lugar do massacre na História
A carnificina em massa e o caos da Primeira Guerra Mundial, e as insurreições que varreram a Europa em 1917-1918, puseram um fim não só à antiga dinastia Romanov na Rússia, mas a uma ordem social continental inteira. Também varrida foi a dinastia Hohenzollern na Alemanha, com sua estável monarquia constitucional, e a antiga dinastia Habsburgo da Áustria-Hungria, com seu império central europeu multinacional. Os principais estados da Europa compartilhavam não só as mesmas fundações cristãs e ocidentais, mas a maioria dos monarcas reinantes do continente eram parentes de sangue. O Rei George da Inglaterra era, por sua mãe, primo em primeiro grau do Czar Nicolau e, por seu pai, primo em primeiro grau da Imperatriz Alexandra. O Kaiser Guilherme da Alemanha era primo em primeiro grau de Alexandra, que nasceu na Alemanha, e primo distante de Nicolau.
Mais do que nas monarquias da Europa ocidental, o Czar da Rússia pessoalmente simbolizava sua terra e nação. Deste modo, o assassinato do último imperador de uma dinastia que governou a Rússia por três séculos não só pressagiou em termos simbólicos a carnificina em massa do Comunismo que tirou a vida de tantos russos nas décadas que se seguiram, mas também simbolizou a tentativa comunista de matar a alma e o espírito da própria Rússia.”
(Mark Weber, The Jewish Role in the Bolshevik Revolution and Russia's Early Soviet Regime - Assessing the Grim Legacy of Soviet Communism)