terça-feira, 23 de outubro de 2012

O céu é um lugar (I)

“Desde a audiência de João Paulo II na quarta-feira de 21 de julho de 1999, durante a qual ele ensinou que o céu não é "um lugar físico nas nuvens, mas uma relação pessoal de vida com a Trindade," muitos católicos começaram a questionar e até a duvidar da existência de um céu verdadeiro. Um católico preocupado escreveu a seguinte questão em Catholic Answers:
Recentemente, na aula de estudos bíblicos de nossa paróquia, o líder afirmou que o céu não é um lugar mas está em nossas mentes, e citou as seções 2794-2796 do Catecismo da Igreja Católica como fundamento para esta opinião. Essa idéia me abalou profundamente. Se o céu não é um lugar, então por que Jesus ascendeu ao céu quando deixou os apóstolos? Por que disse que iria preparar um “lugar” para eles, se este não existia? Por que o Catecismo diz que o céu é “um modo de ser”?
Assim como tantos outros, esse católico ficou confuso com o que o Papa Pio X chamou de “novidade de palavras” que se tornou o modo comum de falar na era pós-conciliar.
A confusão sobre a questão do céu aumentou com a publicação do último livro de Bento XVI, Jesus de Nazaré, no qual ele escreveu o seguinte sobre a Ascensão de Nosso Senhor ao céu:
O Novo Testamento, dos Atos dos Apóstolos até a Epístola aos Hebreus, descreve o “lugar” para onde a nuvem levou Jesus, usando a linguagem do Salmo 110:1, sentado (ou de pé) à direita de Deus. Que significa isso? Não se alude, com isso, a um espaço cósmico distante, onde Deus teria, por assim dizer, erigido seu trono e dado a Jesus um lugar a seu lado. Deus não se encontra em um espaço ao lado de outros espaços. Deus é Deus. Ele é o pressuposto e o fundamento de todo o espaço existente, mas não faz parte dele. A relação de Deus com todos os espaços é a de Senhor e Criador. Sua presença não é espacial, mas precisamente divina. “Sentar à direita de Deus” significa participar na soberania própria de Deus sobre todo o espaço... O Jesus que se despede não vai até um astro distante. Ele entra em comunhão de vida e poder com o Deus vivo...
Os céus criados
Embora seja verdade que a Santíssima Trindade seja puro Espírito “cuja presença não é espacial, mas divina”, a Pessoa Divina de Jesus possui um corpo físico, e é nesse corpo físico – unido à Palavra de Deus – que ascendeu ao céu. E como corpos físicos ocupam espaço, Nosso Senhor deve ter ascendido a um lugar capaz de receber um corpo físico.
Quando consideramos a questão de um céu físico, devemos relembrar que o céu não é simplesmente o lugar onde a Santíssima Trindade habita por toda eternidade, mas é algo que foi criado por Deus. Comentando o Primeiro Artigo do Credo, o Catecismo de Pio X diz: “O Primeiro Artigo do Credo ensina-nos que existe um Deus, e apenas um; que Ele é onipotente e criou o céu e a terra e todas as coisas neles contidas...”
Os céus criados não são limitados à atmosfera superior – o céu aéreo (o primeiro céu); ou ao reino contendo o sol, a lua e as estrelas – o firmamento (o segundo céu); mas também incluem o céu empíreo – o terceiro céu de que fala São Paulo (2 Cor 12:2) – onde os anjos e os santos habitarão por toda a eternidade, e onde a glória de Deus se lhes manifesta como recompensa definitiva.
A Santíssima Trindade, que é eterna e incriada, preexistiu aos céus criados e como tal não pode ser contida por eles: “Deus... Se os céus e os céus dos céus não vos podem conter” (1 Re 8:27). A Santíssima Trindade não pode ser contida exclusivamente em qualquer lugar criado; portanto, quando consideramos o céu, devemos fazer uma outra distinção, entre o que São Tomás chamava de “o Céu da Santíssima Trindade”, que é a morada eterna da Santíssima Trindade antes da criação, e o céu empíreo criado, ou “terceiro céu”, onde Deus “preparou um trono” (Sal 102:19), e onde Ele agora habita, ou “subsiste”, com os anjos e os santos, e onde os corpos glorificados de Nosso Senhor e Nossa Senhora – o Rei e a Rainha do Céu – agora residem fisicamente.
Na Cidade Mística de Deus, é mostrada à Venerável Maria de Ágreda a morada eterna de Deus antes da criação dos céus empíreos: 'Eu vi o Senhor como Ele era antes de criar qualquer coisa e com grande espanto reparei onde tnha seu trono o Altíssimo, pois não havia ainda os céus empíreos, nem os demais inferiores, nem o sol existia, nem a lua, nem os demais astros, nem os elementos, apenas o Criador, sem nenhuma de Suas criaturas. Tudo era vazio, sem a presença de anjos, ou homens ou animais... Entendi que o Altíssimo estava no estado quiescente de seu próprio ser, quando as três Pessoas (segundo nosso modo de entendimento das coisas) decretaram comunicar suas perfeições como um dom gratuito.'
No capítulo seguinte ela discute as obras de Deus ad extra, e distingue seis instantes da criação. Foi durante o quinto instante que Deus ordenou a criação do céu empíreo: “Neste quinto decreto determinou-se a criação da natureza angélica, que é mais excelente e mais parecida com o ser espiritual da Divindade, e ao mesmo tempo foi prevista e decretada a divisão ou arranjo das hostes angélicas em nove coros e três hierarquias... No mesmo instante deu-se a determinação de criar o céu empíreo, para a manifestação de Sua glória e premiação dos bons; também a terra e outros corpos terrestres para as demais criaturas; além disso, também no centro ou profundeza da terra, o inferno, para a punição dos anjos maus.”
Algumas declarações recentes de altos membros da hierarquia da Igreja não conseguem distinguir entre a eterna morada de Deus antes da criação - “O Céu da Santíssima Trindade” - que não é um lugar físico, e o céu empíreo que foi criado como o lugar onde os abençoados habitarão pela eternidade, e onde Nosso Senhor, o Rei de toda a Criação, está sentado em seu trono. Depois de não conseguirem distinguir os dois, tornam então implícito que, como a Trindade não pode estar contida em um lugar, o céu mesmo não deve ser um lugar físico, mas simplesmente um relacionamento pessoal com Deus. Isso deixa a pessoa inteligente em estado de confusão, imaginando onde é que os corpos ressuscitados dos abençoados irão habitar. A distinção entre a morada incriada da Santíssima Trindade antes da criação e o céu empíreo criado, onde os abençoados habitarão pela eternidade, esclarece a confusão.
O Cônego Ripley descreve o céu criado como “um lugar especial com limites definidos, fora e além dos confins da terra.” O Beato Francisco Palau explica que “o trono de Jesus Cristo” foi erguido “em um lugar especialmente escolhido dentro do céu empíreo.”
Corpos glorificados não deixam de ser corpos materiais
O céu foi criado a fim de ser a eterna morada tanto de homens como de anjos. Um anjo é uma substância espiritual, ao passo que o homem é um composto de corpo e alma, possuindo um corpo material que ocupa espaço. Com a morte, a alma se separa do corpo, mas, na ressurreição, o corpo e a alma novamente se reúnem para formar um todo unificado. E ao contrário do que alguns teólogos modernos querem fazer acreditar, a ressurreição do corpo não é simplesmente uma “ressurreição da pessoa”, ou um “salto evolutivo”, mas a ressurreição do corpo físico – o exato mesmo corpo que estava unido à alma nesta vida.
O Quarto Concílio de Latrão ensina que os homens “ressuscitarão com seus corpos que têm agora.” No Livro de Jó, lemos: “No último dia ressuscitarei da terra. E serei revestido com minha pele, e em minha carne verei a Deus” (19:25-26). O Catecismo de Trento explica a necessidade de reter firmemente essa doutrina: “É de vital importância estar completamente convencido de que o mesmo corpo, que pertence a cada um de nós durante esta vida, será, mesmo que se corrompa e se dissolva em seu pó original, ressuscitado para a vida...”
Os corpos glorificados dos santos ressuscitados serão distinguidos com quatro dons transcendentes, ou qualidades. O Catecismo do Papa São Pio X descreve essas qualidades como segue: “Os dons que adornarão os corpos dos eleitos são: 1) Impassibilidade, pela qual jamais serão novamente sujeitos ao mal, nem a qualquer tipo de dor, nem à necessidade de alimento, ou descanso, ou coisa semelhante; 2) Claridade, pela qual eles brilharão como o sol e como muitas estrelas; 3) Agilidade, pela qual eles serão capazes de passar em um momento e sem cansaço de um lugar a outro e da terra ao céu; 4) Sutileza, pela qual sem dificuldade eles serão capazes de penetrar qualquer corpo, como fez Cristo quando ressuscitou dentre os mortos.”
Contudo, apesar dessas qualidades transcendentes, os corpos glorificados continuarão sendo corpos materiais. Como explica o Dr. Ott, ainda que a sutileza espiritualize nossa natureza, isso “não deve ser entendido como uma transformação do corpo em uma essência espiritual ou como um refinamento da matéria em um corpo etéreo.” Depois da ressurreição, os corpos glorificados dos justos permanecerão sendo corpos materiais com carne e ossos. Vemos isso com o corpo ressuscitado de Nosso Senhor, que não apenas deixou que os apóstolos O tocassem, mas também comeu com eles. “Vede minhas mãos e pés, sou eu mesmo; tocai e vede: pois um espírito não tem carne nem ossos, como podeis ver que tenho. E quando disse isso, mostrou-lhes as mãos e os pés... E eles lhe deram um pedaço de peixe assado e um favo de mel. E quando acabou de comer entre eles, tomou os restos e os deu a eles.” (Lucas 24:39-40, 42-43).
Na obra Fundamentos do Dogma Católico, lemos o seguinte a respeito dos corpos ressurrectos. O “corpo ressuscitará em completa integridade, livre de distorções, mal-formações e defeitos. Santo Tomás ensina: 'O homem ressuscitará na maior perfeição natural possível', portanto no estado de idade madura (Supl. 81). A integridade do corpo após a ressurreição também exige os órgãos da vida vegetativa e sensitiva, inclusive as diferenças entre os sexos (contra a opinião de Orígenes; Denz. 207). Contudo, as funções vegetativas não mais acontecerão. Mt. 22:30: 'Eles serão como os anjos de Deus no Céu.'”
Ora, como o céu foi criado para receber os corpos ressuscitados dos homens, que são corpos materiais, o céu deve ser um lugar físico ou material. Tal é o ensino de Santo Tomás que acreditava que o céu empíreo é o mais alto dos lugares materiais; o lugar onde os anjos foram criados, e aonde os justos serão transferidos para sua beatitude final: “O céu empíreo é o mais alto dos lugares materiais, e está fora da região de mudança... a morada de beatitude foi feita de acordo com a natureza do anjo; portanto ele foi criado lá”, enquanto o homem “não foi colocado desde o início no céu empíreo, mas foi destinado a ser transferido para lá no estado de sua beatitude final.”
(Robert Siscoe, Is Heaven a Place?)