quinta-feira, 6 de setembro de 2012

As heresias dos neocatecumenais (II)

III. Comentários
*A Santa Sé jamais aprovou [1] canonicamente o Movimento Neocatecumenal, ainda que João Paulo II tenha-se dignado escrever a Mons. J. P. Cordes uma carta privada de elogio e encorajamento, baseado na documentação de alguns resultados positivos do Caminho apresentados pelo destinatário. “A intenção do Santo Padre – lemos na nota publicada na Acta Apostolicae Sedis – ao reconhecer o Caminho Neocatecumenal como um itinerário válido de formação católica, não é dar instruções obrigatórias aos Ordinários locais, mas simplesmente encorajá-los a considerarem cuidadosamente as Comunidades Neocatecumenais, deixando ao julgamento desses Ordinários, contudo, agir de acordo com as exigências pastorais de cada diocese.
Tudo leva a crer que o Papa não foi informado dos erros contidos na “catequese” de Kiko...; ou então ele teme, com sua intervenção, prejudicar espiritualmente a boa-fé de muitos fiéis.
*Os pontos de coincidência entre a doutrina de Kiko e a teologia protestante são muitos e importantes, em antítese com o ensinamento do Concílio de Trento e a Tradição católica unânime anterior.
*A doutrina fundamental do Caminho, as singularidades da prática litúrgica, a lei do sigilo e a dura disciplina imposta aos fiéis motivaram a acusação de que os neocatecumenais consideram que sua própria Igreja é paralela e mesmo superior à Igreja Católica, causando abatimentos, discórdia e conflitos abertos, que são bem conhecidos principalmente dos bispos e dos padres paroquiais.
*O acentuado proselitismo e o comportamento intimidatório utilizados pelos catequistas, a fim de que os fiéis não abandonem o Caminho, levaram à suposição errônea de que isso abria o único caminho possível para a salvação.
*As cerimônias espetaculares, o entusiasmo criado através da imprensa, rádio e televisão e a atitude favorável dos membros do clero etc estão produzindo a falsa crença de que na Igreja Católica não existem outras instituições, iniciativas, formas e métodos de vida e de apostolado na defesa da fé e na propagação da mensagem evangélica que sejam bastante louváveis.
*Tendo o sacerdócio dos “presbíteros” sido nivelado ao dos “fiéis simplesmente batizados”, os catequistas – na prática – estão atribuindo a si mesmos uma autoridade igual e superior à dos membros da hierarquia e com isso quebrando a estrutura da Igreja Católica.
A prática da confissão pública dos pecados graves, além de ser contra o instinto natural de decência e o direito de salvar a própria reputação, provoca mal-estar e discussões, destrói famílias e lança as comunidades paroquiais em confusão.
*A autoridade que os catequistas se atribuem na redação de comentários à Bíblia e na direção de consciências, criando um verdadeiro clima de terror, destrói a já frágil personalidade de alguns crentes e provoca reações que às vezes os levam a repudiarem a própria fé.
*A obrigação de vender os próprios bens e de pagar o “dízimo” provoca o acúmulo de grandes somas de dinheiro, cuja administração é confiada sem nenhum controle aos catequistas, de um modo que não acontece em nenhuma organização prudentemente organizada.
*Afirmar que o homem não pode fazer o bem e que não lhe é possível evitar o mal significa negar a liberdade humana e o poder redentor da Graça, tornando toda “conversão” impossível e justificando toda licença moral.
*Se na conversão do pecador a graça não regenera a alma, de modo a transformá-la radicalmente, tornando-a participante da natureza e vida de Deus, não se entende em que sentido a Santíssima Virgem é proclamada pela Igreja Universal como sendo “cheia de graça”. Que devoção faria sentido se Ela, sobretudo, não tivesse sido elevada ao mais alto nível de amizade (=afinidade) com Deus, para ser capaz de se tornar sua “mãe”, gerando Cristo?...
Pela mesma razão, não se explica como os santos também podem ser venerados e invocados, se eles não foram profundamente impregnados pela graça, e no momento a ser celebrado, exatamente por esta união transformadora com Deus.
*Refutar o Sacrifício Eucarístico significa negar à Igreja o dever do supremo ato de culto e assim suprimi-la como uma sociedade eminentemente religiosa.
*Rejeitar a transubstanciação é afastar dos fiéis “o Pão vivo que desceu do céu”; é negar-lhes o conforto e a alegria do Amigo absolutamente ideal, o “viático” mais necessário para a eternidade; é esconder da Igreja o único Sol que a aquece, criando o clima essencial a sua vida.
*A missa, degradada a uma simples “festa”, expõe o Santíssimo às inevitáveis profanações resultantes da indiferença aos “fragmentos” do “pão consagrado” e de seus restos. (Uma vez mais, há pouco tempo, na basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, na noite de 21 de outubro de 1992, durante o rito de ordenação de um certo número de diáconos, os neocatecumenais demonstraram que não prestam a mínima atenção aos fragmentos do “pão consagrado” espalhados sobre a mesa, levando a supor que eles não acreditam na “presença real” de Cristo derivada da “transubstanciação”. Uma pessoa, inspirada pela fé, ousou recolhê-los para evitar sua profanação, mas foi severamente repreendida e ridicularizada pelos líderes do Movimento... Na manhã do dia seguinte, a mesma pessoa, retornando à basílica, pôde recolher do chão uma porção inteira do “pão consagrado” que os participantes da Eucaristia têm o hábito de consumir para a Comunhão. Um dos zeladores, ao varrer o pavimento, certamente o teria apanhado e jogado no lixo.)
Infelizmente, a “comunhão na mão” – cuja permissão foi extorquida da Santa Sé, porque era contrária ao desejo de Paulo VI, que previu e deplorou as inevitáveis conseqüências, negativas sob qualquer ponto de vista – deve também ser responsabilizada pela prática litúrgica abusiva dos neocatecumenais.
*Se, além da Igreja, outras religiões abrem às almas caminhos comuns e objetivamente válidos de salvação, as missões católicas não seriam totalmente necessárias nem mereceriam a heróica e estreita cooperação dos fiéis.
*A atividade dos neocatecumenais itinerantes, embora possa parecer louvável, nem se compara às obras das missões católicas que durante séculos, tendo a tudo renunciado, dedicaram-se à evangelização do mundo; enquanto os discípulos de Kiko dirigem-se ao exterior não apenas bem providos por suas comunidades de origem, mas também sustentados pelo amor e conforto moral de suas respectivas famílias, contra o exemplo dos Apóstolos, que abandonavam parentes, posses, confortos etc, seguindo o Mestre até o martírio.
*A construção de seminários, onde candidatos são preparados para o sacerdócio, educados de acordo com os erros doutrinais de Kiko, poderá ser uma das maiores ameaças à Igreja do futuro.
Conclusão
Os neocatecumenais são “hereges”? Só é herege quem tem conhecimento de ser herege e persiste defendendo os erros arrolados acima. Mas como sua identificação individual escapa ao nosso escrutínio, tudo que podemos fazer é desaprovar a heresia em si mesma que resulta das “catequeses” de Kiko. De fato, isso constitui um dos perigos mais temíveis para a fé, dado o poder organizacional e econômico do Movimento.
A Igreja tem a tarefa difícil e árdua de distinguir o “trigo” do “joio” – não apenas elogiando o fervor de alguns, mas também libertando a essência do Caminho do pesado pacote de preconceitos políticos e teológicos, históricos e litúrgicos implícitos no Caminho e propostos por Kiko e seus colaboradores.
Uma operação “cirúrgica” é necessária e urgente a fim de preservar a credibilidade da Igreja e evitar a multiplicação da apostasia de todos os que – também traumatizados com a conduta de certas pessoas antigas no Movimento – esperam impacientemente por uma intervenção oficial da Santa Sé.
Isso é particularmente necessário a fim de defender a dignidade do Papa, a quem os neocatecumenais – de boa ou má-fé – atribuem suas próprias idéias, piorando a posição da Igreja aos olhos do mundo.”
(Pe. Enrico Zoffoli, The Neocatechumenal Way - A Fearful Danger to the Faith)

[1] N. do T: Os estatutos do Caminho Neocatecumenal foram sancionados pela Santa Sé em 2008. Em 2010 o Diretório Catequético foi aprovado após exame pela Congregação para a Doutrina da Fé, que inseriu referências ao Catecismo da Igreja Católica. Em 2012 o Conselho Pontifício para os Leigos aprovou as celebrações especiais contidas no Diretório Catequético do Caminho Neocatecumenal.