terça-feira, 24 de julho de 2012

Uma comparação entre o cristianismo e o marxismo

“(a) Já se disse que “Há um objetivo nobre que nossos países compartilham em comum, quer seja motivado por Deus, como acreditamos, ou o que vocês chamariam de grandes forças naturais.” (Davies, Missão em Moscou, p. 367.)
Na verdade, o primeiro princípio de todas as coisas no marxismo não poderia ser mais oposto ao que consideramos como a raiz primária de todas as coisas. De acordo com Marx, um cego, sem propósito, “inumano poder reina sobre todas as coisas”. Em nossa concepção, misericórdia é a “prima radix” de todas as coisas. (Cf. Ia P., q.21, a.4.) De certa forma, o primeiro princípio marxista é mais oposto à misericórdia do que o próprio contrário da misericórdia, pois a crueldade é mais do que a ausência de misericórdia. (Cf. IIa IIae, q. 159, n.1, ad 2.)
(b) Em ambas as doutrinas, a miséria tem uma posição de destaque: ela representa poder. Mas para nós, o poder dos fracos é a misericórdia de Deus (Cf. IIa IIae, q. 30, a. 4.) e o próprio Deus abraçou a fraqueza e a miséria (ver S. Paulo, ad Philip. II,6..; I ad Corinth. I, 26...) e a morte a fim de destruí-la. (Ver S. Paulo, ad Rom. VI, 9; I ad Cor. XV,: II ad Tim. I, 10.) A miséria do homem comoveu a Deus em sua Misericórdia. No marxismo, miséria, privação, é o grande poder que acarreta o progresso. Mas o poder dos miseráveis é identificado com o poder da exasperação e da revolta.
Para nós, “todos os caminhos de Deus são misericórdia e verdade”, Sl XXIV, 10, e “suas misericórdias estão acima de todas as suas obras”, Sl CXLIV, 9. Contudo, a eficácia da divina misericórdia supõe, de nossa parte, humildade – pois ninguém é menos digno de misericórdia que o miserável orgulhoso. O marxismo encoraja o orgulho ao identificar o poder dos fracos com a fraqueza.
(c) Na doutrina cristã assim como na marxista, a concepção do futuro temporal é catastrófica. (Ver S. Mateus, cap. 24; S. Marcos, cap. 13; S. Lucas, cap. 21.) Mas os sofrimentos são para a vida eterna. No marxismo, os sofrimentos presentes são para o bem-estar exclusivamente material. A humanidade do futuro que nascerá dos sofrimentos presentes será ela mesma logo exterminada sem misericórdia. (Ver Engels, Dialética da Natureza, p.19-10.) No fim das contas, tudo que fazemos é inútil.
(d) Na doutrina cristã, devemos morrer para nós mesmos para renascermos em Cristo, e morremos uma morte temporal, o salário do pecado, para passarmos à vida eterna. No marxismo morremos uma morte total, entregamos nosso ser inteiro à humanidade futura que não tem mais ser do que nós.
(e) No marxismo, a finalidade tem sentido apenas dentro da esfera da ação humana. A natureza não age para um fim. Não existe algo como uma Providência. Em última análise, a inflexível necessidade da matéria destruirá o momentâneo afloramento da liberdade. Não deverá então haver ninguém para saber que existimos e lutamos. Ação e sofrimento humanos são portanto essencialmente vãos. A vida é, então, a grande tragédia de ser. Somos os filhos do desespero. Pior ainda, não podemos sequer razoavelmente dizê-lo, nem pensar nisso. Um tal desespero é vão – a matéria não tem vida, é surda, inocente de vida e miséria. A questão de “ser ou não ser” é, no marxismo, uma questão reacionária que não seria tolerada em uma sociedade bem ordenada.
A matéria cega que nos cuspiu na terra não pode nem mesmo ser chamada de impiedosa e cruel. Devemos desesperar até do desespero.”
(Charles de Koninck, Notes on Mercy and Cruelty)