quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A verdade sobre Galileu (I)

“O caso Galileu pertence ao arsenal de mentiras e imposturas que os historiadores modernos forjaram com todas as peças por ódio a Jesus Cristo e a sua Igreja, com a intenção declarada de destruir a fé. Desde o começo de nossas pesquisas sobre a gnose, não cessamos de deparar com mentiras de tal maneira enraizadas nos espíritos que nossos estudos e argumentos provocam ainda reações de desconfiança e ceticismo da parte de cristãos sinceros que têm dificuldade de se libertar dos modismos intelectuais do “politicamente correto, do cientificamente correto, do religiosamente correto”.
Este estudo sobre Galileu inscreve-se na seqüência daquilo que dissemos sobre os humanistas da Renascença, no capítulo II do nosso segundo volume: A Gnose contra a Fé, intitulado Gnose e Humanismo. De maneira que é útil relê-lo antes de abordar nosso trabalho e ter presente o que desenvolvemos sobre o caráter fundamentalmente anti-cristão de tal humanismo.
A condenação do heliocentrismo
Reproduzimos nosso texto.
"Sabemos que o culto de Mitra foi contraposto, desde os primeiros séculos cristãos, ao culto de Jesus Cristo. Mitra é o sol invencível (Sol Invictus). Quase que se tornou o culto oficial do Império Romano sob Aureliano. Ora, os humanistas do Renascimento restauraram esse culto, mas em segredo, em seus conventículos íntimos. O sistema heliocêntrico, ensinado por Copérnico e retomado por Galileu, é uma manifestação da adoração do sol. Copérnico escreveu em De Revolutionibus Orbium Coelestium: “In mundo vere omnium residet Sol. Quis enim in hoc pulcherrimo templo lampadem hanc in alio vel meliori loco poneret, quam unde totum simul possit illuminare. Si quidem non inepte quidam lucernam mundi, alii mentem, alii rectorem vocant, Trismegitum visibilem deum.”
O Sol é, pois, para Copérnico, o Espírito do mundo, o Reitor dos mundos, um deus visível. A referência a Hermes Trismegisto é significativa. O Sol tem, em sua morada, sede em todas as coisas do mundo e o mundo é seu templo. Não se trata de uma definição do panteísmo?
Galileu precisa: “Parece-me que na natureza se acha uma substância muito volátil, muito tênue, muito rápida, que, espalhando-se pelo universo, penetra tudo sem obstáculo, aquece, dá vida e torna fecundas todas as criaturas animadas. Parece que os sentidos nos mostram que o corpo do Sol é o receptáculo desse “espírito”, fora do qual se difunde sobre todo o universo uma imensa luz acompanhada desse espírito calorífico e, penetrando todos os corpos capazes de ser animados, dá-lhes vida e fecundidade.”
O sol é um deus visível no centro do universo. Imóvel, ele penetra todas as criaturas, ele é a fonte da vida, ele anima todas as coisas. Sem sombra de dúvida é um culto solar que Copérnico e Galileu praticavam. À luz desses textos os juízes do Santo Ofício condenaram Galileu. Assim, abrem-se novas perspectivas sobre o intrincado caso Galileu.”
Encerra-se a citação do nosso texto. Compreende-se, desse modo, que as considerações sobre os movimentos da terra e do sol são apenas pretextos para desenvolver um ensinamento fundamentalmente panteísta e as autoridades romanas não se enganaram a respeito. Aos 24 de fevereiro de 1616, o heliocentrismo de Copérnico era condenado pelo Santo Ofício. A justo título, como se viu. E para manifestar que os censores não eram patetas caídos em armadilhas, eles esclareceram que as proposições condenadas eram “absurdos em filosofia e formalmente heréticas”, mas que eles não prejulgavam as considerações puramente astronômicas ou físicas.
O caso deveria estar encerrado. Sem outras conseqüências. Mas eles tinham diante dos olhos uma verdadeira seita, muito bem organizada.
A Academia dos Lincei
Essa academia funcionava como um clube maçônico, com uma fachada mundana, oficial, que atraía a alta sociedade romana promovendo conferências, concertos, banquetes e recepções diversas, e um núcleo operacional na casa de campo de Pedro Cesi, em Acquaspartia, próximo a Urbino. Os três mentores da seita são Pedro Cesi, Cesarini, mas sobretudo monsenhor Ciampoli, o grão-mestre dos lincei, que veremos em ação mais adiante.
O programa é claríssimo. Eis a fórmula: “estabeleceremos por silogismos e experiências os paradoxos que aparecem completamente contrários aos dogmas sagrados.”
Retenhamos bem a fórmula. As experiências ditas científicas, os raciocínios chicaneiros só têm um fim: destruir a fé, mudar a religião. A confissão é aguda.
Trata-se de lançar, tomando pretextos de ordem científica, como a disputa dos cometas, um ataque de grande estilo contra as bases intelectuais da cultura tradicional que prevalece em Roma. O que está em jogo é o prestígio e a legitimação intelectual dos lincei. Ela será, pois, confrontada com a resistência do Colégio Romano dos Jesuítas, onde reinava o respeito à tradição aristotélica em filosofia e a vigilância sobre os princípios da fé católica.
Galileu é um membro eminente da Academia. Aos 17 de julho de 1620, durante uma sessão secreta em Acquaspartia, decidiu-se a denominada operação “Sarseide”. Galileu, que devia preparar uma obra para denunciar a física aristotélica, tratada de puro “nominalismo”, lançara o slogan: “O livro da natureza não foi escrito para ser lido somente por Aristóteles. Esse grande livro do mundo está ao alcance de todos. Os comentários de Aristóteles são como uma prisão da razão”. Ele devia pôr sua autoridade a serviço da Academia para assegurar seu prestígio e sua legitimidade intelectual. Ele se pôs a trabalhar.
Entretanto, aos 17 de setembro de 1621, o cardeal Belarmino, enérgico prefeito do Santo Ofício, falecia. Enfim, podia-se aproveitar de uma grande liberdade para as “novidades”.
Em 1622, o manuscrito do Saggiatore está em mãos dos lincei. Ele foi revisto e corrigido por Cesarini, depois pelo príncipe Cesi, e o texto definitivo foi redigido por monsenhor Ciampoli, o grão-mestre. É uma máquina de guerra contra “os adoradores obstinados da Antigüidade”, contra os jesuítas do Colégio Romano. A obra está plena de sarcasmo e zombarias contra eles. Maneja a arma do ridículo, apontada contra o Colégio Romano e contra o acatamento do princípio de autoridade da tradição, com as fórmulas fustigantes e insultantes contra “os patos incapazes de seguir os vôos das águias...”
Ora, para os jesuítas, o princípio de autoridade é mais sagrado que uma citação criticável. Era um valor de caráter religioso e um ponto fundamental da luta contra a heresia. Por isso, reagiram.
Achavam-se – disseram eles –, na obra, os átomos de Epicuro, as idéias de Demócrito, o nominalismo de Ockham, as elucubrações confusas de matriz pitagórica. Um panegírico dos autores pagãos com odor de ateísmo e dos autores católicos com odor de heresia. Um verdadeiro escândalo, portanto.
Um papa “inovador”, Urbano VIII
Em 1623, ocorre um novo conclave... Monsenhor Ciampoli “trabalha” os cardeais, intriga e “faz” o papa Urbano VIII, na pessoa de Maffeo Barberini, o papa dos “inovadores”, o amigo de Galileu. É uma explosão de alegria para os membros da Academia dos Lincei. Maffeo Barberini é um jovem, poeta, esportivo; diríamos hoje pop. Ele se apressa a colocar os lincei nos cargos mais importantes da corte. Monsenhor Ciampoli continua sendo um conselheiro íntimo e discreto.
O jovem sobrinho do novo papa, Francisco Barberini, é feito cardeal e dirige o pontificado. Ele será a alma penada do seu tio.
Ao longo das grandes festas e manifestações de júbilo organizadas pelos lincei para promover o novo papa, Galileu é recebido oficialmente como filósofo do Vaticano, em uma bela cerimônia, a 23 de abril de 1624. Barberini sabe que deve sua eleição ao grão-mestre dos lincei, Monsenhor Ciampoli. Este conhece “os sinais dos tempos”. Para ele, esse pontificado é uma “admirável conjuntura”.
Graças a ele, o mundo de Aristóteles está liquidado. Galileu é “o filósofo cristão moderno” que substitui o pagão Aristóteles no cume da nova cultura católica. Ele nomeia seus amigos e os de Galileu para a Sapientia, nova universidade romana, que ele dirige contra o Colégio Romano dos jesuítas.
A nova filosofia é apresentada à corte, do púlpito, nas academias e famílias da sociedade romana. Revolução cultural que permitia esperar para logo poder relançar a campanha em defesa de Copérnico condenado.
Urbano VIII dirigiu-se contra os jesuítas. Em 1627, recusou a canonização do cardeal Belarmino e impôs na ocasião a obrigação de esperar cinqüenta anos antes de iniciar um processo. Nomeou o cardeal Pedro de Berule, “o novo teólogo”, o místico reformador da fé, grande inimigo dos jesuítas e grande amigo de Saint-Cyran. É ele que vai orientar os oratorianos da França na direção do jansenismo por dois séculos.
Ora, a 3 de novembro de 1624, em seu discurso inaugural do Colégio Romano, o Pe. Spinola condena fortemente as “tentativas de edificar um novo monumento humano de sabedoria”. Ele compara a nova filosofia pagã dos inovadores à construção da torre de Babel. Os inovadores querem subir ao céu. São rebeldes contra Deus e a fé. Querem provocar a ruína da Igreja. Esse discurso teve grande repercussão.
Mas, nessa admirável conjuntura, não era fácil denunciar Galileu, o sábio católico oficial, o amigo íntimo do papa, o maior filósofo da Europa, amado, acariciado, adulado, respeitado e temido.
E enquanto o novo papa e seus amigos da Academia dos Lincei preparavam essa revolução cultural, os jesuítas continuavam através da Europa sua obra de reconquista das províncias protestantes.
Nesse contexto, parece-nos conveniente reproduzir uma bela página do livro de Pedro Redondi que seguimos aqui passo a passo:
“Não são as petulantes e ruidosas manifestações de alegria de literatos inovadores e aristocratas progressistas romanos, galvanizados pela eleição de um papa amigo de Galileu e intelectual refinado, que preocupam os jesuítas. Mas é uma linha geral de abertura cultural e política improvisada, cujos efeitos são contrários à linha de renovação e de luta da Igreja da Contra-Reforma fixada pelo Concílio de Trento. A Companhia de Jesus, que é o instrumento mais eficaz dessa linha de conduta, não é a vítima de uma estreita visão provincial e romana dos problemas que condiciona a maior parte dos seus inimigos na cúria. O fronte principal da luta contra a Reforma não são os corredores da cúria, nem os salões da academia, são as planícies e as cidades da Hungria e da Boêmia, onde os padres da Companhia, após os regimentos imperiais, alcançam a vitória; eles reconquistaram para Roma as igrejas profanadas pelos ritos protestantes, içaram os estandartes ornados do símbolo da eucaristia sobre os mosteiros das ordens religiosas decadentes e corruptas e confiscaram-nos para transformá-los em centros de reeducação religiosa, sem incomodar-se com reclamações romanas dos monges. O êxito dos jesuítas é impressionante, sobre o teatro principal da guerra de religião. Nos territórios há pouco resgatados dos protestantes, populações inteiras regressam em massa ao catolicismo, por todos os meios, a todo preço...
Consolidada pelas suas vitórias e pela consciência política e religiosa das suas dimensões mundiais, a Companhia de Jesus sabe que a fidelidade ao Império é a melhor garantia contra a Reforma. Ela desconfia das perigosas aberturas diplomáticas do novo pontífice em direção de um aventureiro sem escrúpulo como Richelieu, novo astro nascente da política européia.”
O verdadeiro processo
Quando o livro do Saggiatore apareceu nas livrarias de Roma, o primeiro exemplar vendido foi comprado pelo Pe. Grassi, eminente professor do Colégio Romano. Ele era um homem de caráter irascível e explodiu de raiva na livraria. Depois anunciou uma resposta que jamais publicou.
Como se viu, Galileu havia sido recebido com grande pompa pelo papa em abril de 1624. Ora, no verão de 1624, o Pe. Grassi depositou no protocolo do Santo Ofício uma denúncia contra o Saggiatore por heresia contra a Eucaristia.
O texto dessa denúncia foi reencontrado por Pedro Redondi em um arquivo anexo ao processo de Galileu. Ele havia sido desentranhado desde o início do processo.”
(Étienne Couvert, A Verdade sobre Galileu)

Tradução do Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa