sábado, 24 de dezembro de 2011

Os pastores

“Depois dos animais, os pastores dos animais. Mesmo que o anjo não lhes tivesse anunciado o grande Natal, teriam eles corrido para o Estábulo, para ver o filho da estrangeira. Os pastores vivem na solidão, ignorando o mundo longínquo de prazeres; comove-os o menor acontecimento das vizinhanças. Guardavam os rebanhos na longa noite de solstício, quando foram deslumbrados pela luz, abalados pelas palavras angélicas. E apenas descobriram na penumbra do Estábulo uma mulher moça e bela contemplando o filho em silêncio, apenas viram a criança recém-nascida, aquelas carnes delicadas, aquela boca que ainda não tinha comido, enterneceu-se-lhes o coração. Um nascimento, o nascimento de um homem novo, uma alma há pouco encarnada que vem sofrer com as outras almas, é um mistério tão doloroso que excita a piedade dos simples. E para estes homens guiados pelo céu, a criança que viam não era um recém-nascido semelhante aos outros; era o desejado pelo povo na sua dor milenária. Os pastores ofereceram-lhe o pouco que possuíam e que é tudo quando dado com amor; eram as cândidas ofertas dos rebanhos: leite, queijo, lã e cordeiros. Hoje ainda nas nossas montanhas, onde se vão desfazendo os últimos vestígios da fraternidade antiga, apenas uma esposa dá à luz a uma criança, para ela acorrem as irmãs, as filhas e as mulheres dos pastores vizinhos. Cada uma lhe traz o seu presente: uns ovos frescos, uma bilha de leite tépido, um queijo, uma galinha para o caldo da parturiente. Um novo ser entrou no mundo, um novo pranto começou; estes presentes feitos à mãe parecem uma consolação. Os pastores antigos eram pobres mas não desprezaram os pobres; e porque eram simples como as crianças, gostavam de contemplá-las. Oriundos de um povo gerado pelo pastor de Ur, foram salvos pelo pastor de Madian. Seus primeiros reis, Saul e David, pastorearam rebanhos antes de guiarem povos. Os pastores de Belém não tinham disto nenhum orgulho. Um pobre nascera no meio deles: olhavam-no com amor e com amor ofereciam suas pobres riquezas. Sabiam que o menino era pobre e simples e que na pobreza e simplicidade do povo devia reunir os humildes – os homens de boa vontade sobre os quais o anjo dissera: Paz na terra.
O rei desconhecido, o vagabundo Ulisses nunca fora acolhido com tantas festas como na pocilga de Eumeu. Mas se Ulisses viajava para a casa de Ítaca para vingar-se e matar seus inimigos, Jesus nascia para condenar a vingança e aconselhar o perdão. Eis por que a adoração dos pastores de Belém faz esquecer a piedosa hospitalidade do porqueiro de Ítaca.”
(Giovanni Papini, Storia di Cristo)

Tradução do Pe. Lindolfo Esteves