segunda-feira, 4 de julho de 2011

Mistérios luminosos do rosário

“Em sua Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae de 16 de outubro de 2002, o Papa João Paulo II tentou modificar o rosário, entre outras coisas, acrescentando cinco mistérios adicionais, chamados mistérios de luz para distingui-los dos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos.
Infelizmente essa carta, que pretende promover o rosário, está maculada de naturalismo do começo ao fim, e considera o rosário como uma experiência psicológica semelhante às orações e meditações das religiões não-católicas. Daí a importância do “significado antropológico do rosário” (§25), que torna compreensível o mistério do homem. Entre os “melhoramentos” ao rosário propostos nesse sentido está o acréscimo dos mistérios de luz, especialmente escolhidos para não ofender os protestantes, ou seja, todos plenamente descritos nos Evangelhos e nenhum deles mencionando explicitamente a Santíssima Virgem Maria. Isso está de acordo com a intenção manifesta de fazer o rosário mais “cristocêntrico”, o que significa, na prática, que ele se torna menos explicitamente mariano.
Os cinco “momentos” “luminosos” “significantes” (§21) que ele escolhe são o batismo de Cristo no rio Jordão, Sua auto-manifestação em Caná, Sua proclamação do Reino de Deus e Seu chamado à conversão, Sua Transfiguração, e a instituição da Sagrada Eucaristia. Todos são belos eventos tirados dos Evangelhos, e muito apreciados como manifestações da bondade de Jesus, nos quais Ele revela-Se a Si mesmo, Seu poder, Sua misericórdia, ou Seu reino. Contudo, é deveras interessante notar que nenhum deles tem uma conexão direta com o mistério da Redenção; somente a instituição da Sagrada Eucaristia tem uma relação indireta, enquanto fundação de sua renovação incruenta. A introdução desses mistérios é, assim, um esforço de diluir o foco tradicional nos mistérios essenciais da Redenção, como contidos nos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos.
No entanto, não é mera coincidência que os mistérios tradicionais do rosário sejam inteiramente focados no mistério da Redenção, preparados nos mistérios gozosos, realizados nos mistérios dolorosos e aplicados nos mistérios gloriosos. Se a Tradição os transmitiu até nós dessa maneira, é porque tais são os mistérios nos quais nossas almas precisam meditar para a salvação eterna. Em uma de suas encíclicas anuais dedicadas ao rosário, o Papa Leão XIII explica que:
“O Rosário oferece uma maneira fácil de adentrar nos principais mistérios da religião cristã e gravá-los na mente... de forma ordenada, os principais mistérios de nossa religião seguem-se um ao outro... Primeiro vêm os mistérios nos quais o Verbo fez-se carne e Maria, a inviolada Virgem e Mãe, desempenhou seus deveres maternais em relação a ele com uma alegria santa; depois vêm as dores, a agonia e a morte do Cristo sofredor, o preço pelo qual realizou-se a salvação de nossa raça; e finalmente seguem-se os mistérios plenos de sua glória.” (Magnae Dei Matris, 8.9.1892)
O motivo para essa mudança de orientação é paulatinamente desviar nossa atenção da Redenção como uma aquisição das almas dos pecadores, que nos compra de nossos pecados com uma satisfação à ofensa feita a Deus. A teologia moderna do Mistério Pascal acha que isso não é necessário, que Deus não é infantil para exigir pagamento por nossos pecados, e que conseqüentemente tudo de que precisamos é refletir nas manifestações do amor, da glória e da bondade de Deus, pois “cada um desses mistérios é uma revelação do Reino agora presente na própria pessoa de Jesus” (Rosarium Virginis Mariae, §21).
O resultado final da recitação desses mistérios luminosos será um dessecamento do rosário, a perda de seu foco especificamente mariano, desviando a atenção da união com o ato de Redenção de Cristo, unicamente por meio do qual podemos nos salvar de nossos pecados. Pouco a pouco ele se tornará vazio e estéril e não será mais rezado. Conseqüentemente, devemos evitar esse “melhoramento” opcional e nos apegar à Tradição dura e testada da Igreja que santificou tantas gerações de santos. Embora não seja em si um pecado recitar esses mistérios de luz com católicos modernos, devemos certamente desencorajar sua recitação e evitar adquirir ou tornar disponíveis quaisquer panfletos ou livretos que apresentam os mistérios de luz.”
(Pe. Peter Scott, F.S.S.P.X, Should We Recite the Luminous Mysteries of the Rosary?)