segunda-feira, 27 de junho de 2011

O concílio beatificado

“Mais de um milhão de pessoas assistiu à beatificação de João Paulo II em Roma, em 1º de maio passado. Essa imensa reunião foi a resposta ao clamor que se ouviu em 8 de abril de 2005, dia do funeral de quem teve o terceiro pontificado mais longo da história: “Santo Subito”, gritava a multidão. Menos de um mês depois da sua eleição e sem esperar os 5 anos estabelecidos pelo Código de Direito Canônico atualmente em vigor, no dia 13 de maio do mesmo ano Bento XVI autorizava a abertura do processo de beatificação do seu antecessor. Imediatamente levantou-se no mundo inteiro um concerto de aprovação. Contudo, a Fraternidade São Pio X, por meio do seu Superior Geral, manifestou reservas sobre a conveniência de tal beatificação. Um documento foi enviado ao Vaticano para expressar todas as questões que isto poderia suscitar.
“Este documento (...) foi enviado segundo as normas do direito aos diversos responsáveis do processo diocesano, para o colocassem entre os documentos do expediente e o examinassem com o mesmo cuidado que os demais. Tendo chegado aos gabinetes competentes, o nosso documento foi misteriosamente deixado de lado, para ser aberto somente no dia seguinte ao encerramento do processo diocesano, isto é, demasiado tarde para ser levado em consideração. (...) Depois de ter feito chegar ao conhecimento dos tribunais romanos, infelizmente nossas questões não receberam nenhuma resposta, mas ao contrário, em 19 de dezembro de 2009, a Santa Sé declarou a heroicidade das virtudes do falecido Papa”.
Como explicar a recusa das autoridades romanas de estudar a documentação apresentada pela FSSPX? Será que um estudo aprofundado sobre o pontificado de João Paulo II poderia pôr em jogo a que parecia ser uma bela unanimidade?
Por acaso João Paulo II não seria o Papa da ruptura com a Tradição, que havia sido defendida por seus antecessores? Acaso se tem medo desta voz, quando começam a levantar-se vozes que questionam os “40 anos gloriosos” que se seguiram ao Concílio?
É impressionante ver como João Paulo II, com suas palavras e seus atos, se afastou dos seus predecessores até Pio XII. Foi o primeiro Papa desde São Pedro a visitar uma sinagoga e uma mesquita. Foi o primeiro Pontífice que organizou reuniões inter-religiosas, condenadas por Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, São Pio X, Pio XI e Pio XII, bem como pelo Código de Direito Canônico anterior ao de 1983, que estabelecia penas muito severas, prevendo até mesmo a de excomunhão. O encontro de Assis, organizado em 1986, convocado e presidido por ele, é, sem dúvida, o ato mais grave do seu pontificado. Apenas isso já deveria ser bastante para impedir a sua beatificação. O Código de 1917 - em vigor até 1983 - dizia, efetivamente, que “aqueles que ajudam de alguma forma ou participam ativamente nas cerimônias dos hereges são suspeitos de heresia”. Como o Código de Direito Canônico de 1917 proibia a João Paulo II organizar esse encontro, ele suprimiu este artigo do novo Código publicado em 1983. Tal reunião constituiu uma desobediência manifesta e gravíssima ao 1º Mandamento de Deus. A partir de então multiplicaram-se os encontros inter-religiosos e ecumênicos, que hoje em dia são habituais. Com isso a religião católica é relegada ao nível das falsas religiões. O Deus verdadeiro e a verdade eterna são colocados em pé de igualdade com os falsos deuses e com o erro. Isto tem um nome: é uma blasfêmia!
Qual é a razão que levou o falecido Papa a realizar todas essas reformas? A resposta está no seu testamento: “Da minha parte agradeço o eterno Pastor que me consentiu servir esta grandíssima causa (o Concílio Vaticano II) durante todos os anos do meu pontificado”. Como disse em diversas ocasiões, o Concílio, “um grande dom para a Igreja” e no qual interveio ativamente, “foi a sua bússola”. Durante os seus 26 anos de pontificado se esforçará para aplicar os seus princípios. O encontro de Assis será o arremate de uma missão para a qual se sentia investido. Ele afirmou isso mesmo aos cardeais nos seguintes termos: “O encontro de Assis é a mais bela posta em prática do ensinamento do Vaticano II”.
Assim, pois, João Paulo II foi o Papa do Concílio, ao qual dedicou todo o seu pontificado. Através de seus escritos e discursos, por suas numerosas viagens, pelas nomeações de bispos e cardeais que fez, pelas Jornadas Mundiais da Juventude que promoveu, este Papa que veio do leste difundiu e institucionalizou eficazmente e ativamente o ensinamento do Vaticano II no mundo inteiro.
Sob o seu pontificado, seguindo o exemplo que ele mesmo deu, multiplicaram-se as cerimônias inter-religiosas, as cerimônias litúrgicas excêntricas e escandalosas, que a televisão retransmitiu por toda parte. Também sob o seu pontificado, e a pedido da própria Santa Sé, desapareceram os últimos Estados oficialmente católicos. Tudo em nome do Concílio!
Além disso, João Paulo II, seguindo Gaudium et Spes, ensinou a redenção universal dos homens. Assim como o Concílio tinha feito antes dele, desde a sua primeira encíclica proclamou que “pela sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem”. Através da sua Encarnação, Jesus Cristo veio confirmar a sua aliança com o homem. O Papa nunca disse que essa aliança foi quebrada pelo pecado original ou pelos pecados pessoais... A Redenção é a manifestação do amor que Jesus tem por cada homem. O homem tem que tomar consciência deste amor e ter confiança na sua salvação... A Igreja é um dos caminhos propostos ao homem para chegar a esse término. Assim se glorifica o imanentismo religioso, condenado por São Pio X na encíclica Pascendi Dominici Gregis. Deste modo se explicam as inacreditáveis palavras que João Paulo II pronunciou em 25 de dezembro de 1978: “Natal é a festa do homem. Nasce o Homem. (...) Se nós celebramos assim tão solenemente o Nascimento de Jesus, fazemo-lo para testemunhar que todo e qualquer homem é alguém único e que não se pode repetir. (...) É em nome deste singular valor de todos e cada um dos homens, em nome desta força que é trazida para todos e cada um dos homens pelo Filho de Deus ao tornar-se homem (...) vos digo: Aceitai o mistério, no qual todos os homens e cada um vive desde quando Cristo nasceu. Respeitai este mistério! (...) Deus agradou-se do homem por Cristo”. Isso significa dizer que foi uma honra para Cristo ter-se tornado homem! Trata-se de uma inversão de toda a teologia.
As conseqüências deste ensinamento são gravíssimas. O homem, assim divinizado, pode esperar o céu sem fazer parte da Igreja Católica, como sugere o Vaticano II nos documentos Unitatis Redintegratio e Nostra Aetate. Esta doutrina nova destruiu o espírito missionário e explica a agonia das congregações missionárias. A missão que estas têm não é mais de converter, mas oferecer um testemunho junto às demais religiões!
Nos últimos meses, de modo semelhante à Fraternidade São Pio X, especialmente por causa das discussões doutrinárias, ouviram-se vozes críticas ao Vaticano II. A Fraternidade São Pio X não está sozinha! Estas reações incomodam! A beatificação do Papa do Concílio, o Papa de Assis, se tornou uma questão urgente para desanimar e desacreditar os críticos. Com ele se beatifica o Vaticano II! A próxima etapa - a canonização – já está em andamento. Uma vez alcançada, espera-se que o Concílio se transforme em algo definitivamente intocável.
Durante o seu pontificado, João Paulo II quis homenagear e premiar aqueles que tinham trabalhado por este Concílio, experimentando o rigor dos seus antecessores. Foi assim que se elevou ao cardinalato padres como Urs Von Balthasar, De Lubac e Congar, embora muitas de suas obras, envenenadas de modernismo, tenham sido colocadas no Índice de Livros Proibidos no pontificado de Pio XII. Ele também reabilitou Teilhard de Chardin, paladino das tropas modernistas, ao mesmo tempo em que excomungou a Tradição católica ao condenar Monsenhor Lefebvre e sua obra, que não tinham feito senão continuar com o que a Igreja sempre fez por 2000 anos. Dessa forma, João Paulo II encorajou e ensinou uma doutrina nova, consumando uma ruptura evidente com a Tradição.
Para convencer-se da realidade desta ruptura, convém recordar a doutrina professada pelo Concílio Vaticano I, em sua constituição Pastor Aeternus, sobre a função exercida pelo Papa: “O Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro para que manifestem por sua revelação uma nova doutrina, senão para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente a Revelação transmitida aos Apóstolos, ou seja, o depósito da fé”.
João Paulo II foi o arauto do Concílio Vaticano II, que o Cardeal Ratzinger qualificou como “1789 na Igreja”. Beatificar João Paulo II equivale a beatificar o Concílio Vaticano II, causa primeira dos males que atualmente afligem a Igreja.
Por essa razão, não podemos rezar a João Paulo II, mas podemos rezar pelo eterno descanso de sua alma e pelo seu sucessor no Trono de Pedro, a fim de que abandone o ensinamento do seu antecessor e volte à Tradição, que é a única que devolverá à Igreja toda a sua glória e restaurará o Reino de Cristo nas almas e no mundo inteiro.”
(Pe. Christian Bouchacourt, F.S.S.P.X, “Bienheureux” Concile)

http://www.fsspx-sudamerica.org/fraternidad/iesus/editorialportu134.php